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Derretimento do gelo nas regiões polares não aumenta o nível dos mares?


> Esse artigo faz parte de uma discussão mais ampla sobre Mudanças Climáticas, Paleoclimatologia, efeito estufa atmosférico e evidências da ação humana (antropogênica) no atual processo de Aquecimento Global. Para saber mais, acesse: Aquecimento Global: Uma Problemática Verdade.

- Atualizado no dia 11 de dezembro de 2019 -

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          Existe um mito bastante disseminado sobre o papel do derretimento de camadas de gelo (gelo continental e marinho) no aumento dos níveis dos mares. É frequentemente argumentado que o derretimento de gelo no Ártico e na Antártica não aumenta os níveis dos mares porque "gelo na água não aumenta o volume total se derretido". Existem dois erros nessa "argumentação".


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           A perda de massa glacial teve uma aceleração de 226 gigatoneladas/ano entre 1971 e 2009 para 275 gigatoneladas/ano (Gt/ano) entre 1993 e 2009. A perda de gelo nas geleiras da Groenlândia chegou a alcançar um pico de 502 Gt/ano em 2017 e 2018, e um recente estudo publicado na Nature concluiu que essa ilha passou do ponto de não retorno (!). A perda de gelo na Antártica mais do que quadruplicou, de 30 gigatoneladas/ano entre 1992 e 2001 para 147 gigatoneladas/ano de 2002 a 2011.

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(!) Dados de satélites ao longo de quase 40 anos da Groenlândia mostraram que as geleiras na ilha encolheram tanto que mesmo se o aquecimento global parasse hoje as camadas de gelo continuariam a encolher nos próximos anos. Isso significa que a neve que cai sobre a Groenlândia não mais consegue acompanhar a perda de gelo na sua superfície, que continua derretendo e fluindo em largas quantidades das geleiras para o oceano. O triste achado foi detalhado em um estudo publicado no periódico Nature Communications Earth and Environment (Ref.5). 

O ponto de não retorno começou a ser ultrapassado no começo deste século, quando as geleiras na Groenlândia começaram a perder anualmente 500 gigatoneladas (Gt) de gelo - e com um pico de 502 Gt em 2017 e 2018, aumento de 17% em relação à média da década de 1980 - e com o nível de neve não acompanhando. As maiores geleiras tem recuado em cerca de 3 km na média desde 1985.Isso levou também as geleiras a ficarem em maior contato com a água marinha, a qual continua se aquecendo e acelera ainda mais o derretimento do gelo. A taxa de perda de gelo está se acelerando em 4-5% para cada km de recuo. 

No atual cenário de mudanças climáticas, as geleiras da ilha só ganharão massa apenas uma vez a cada 100 anos. Hoje a Groenlândia é o principal contribuidor do aumento dos níveis dos mares. Em 2019, apenas o derretimento de gelo da ilha elevou o nível dos mares em 2,2 milímetros. 
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   GELEIRAS NÃO ESTÃO SOBRE O MAR!

            Aqui, então, temos o primeiro erro. As geleiras são corpos de gelo sobre terra e, portanto, o derretimento desses corpos ao levar água para o oceano aumenta diretamente o nível desse último. Nas calotas polares (Norte e Sul), temos regiões onde o gelo está sobre a terra firme e regiões onde o gelo está flutuando nas águas oceânicas. No caso do gelo flutuante, este não afetará o nível dos mares de forma muito significativa, porém, o gelo terrestre sim, já que é água desembocando diretamente no oceano. No total, gelo derretendo a partir de terra firme responde por cerca de 1/3 do aumento dos níveis dos mares.

           Cerca de 2,1% de toda a água no planeta está contida nas geleiras. Se todo o gelo nas geleiras da Groenlândia derretesse, o nível global dos mares aumentaria em cerca de 7,2 metros; se todas as geleiras no Alasca derretessem, o nível subiria em ~6 metros; e se todas as geleiras na Antártica derretessem, o nível aumentaria em ~73 metros. Estimativas mais recentes apontam que se as taxas de emissões de gases estufas continuarem as mesmas das atuais, em um milênio não teremos mais gelo na Groenlândia (Ref.203). Nesse mesmo cenário, é estimado que até 2100 o nível equivalente de aumento dos mares devido somente à perda de gelo nessa ilha ficará entre 5 cm e 33 cm.

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Curiosidade: As geleiras, assim como o granito, são um tipo de rocha. O gelo da geleira é na verdade uma rocha formada por um único mineral, no caso, a forma cristalina da água (H2O), gerada através do metamorfismo de dezenas de milhares de flocos de  neve individuais em cristais de gelo bem maiores e mais densos. O peso associado à massa crescente de gelo acumulado é responsável pelo metamorfismo.
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            Esclarecido o primeiro erro, temos o segundo erro, e este muito disseminado não só entre negacionistas climáticos. Para isso, vamos explorar um interessante estudo publicado em 2007 na Geophysical Journal International (Ref.198), o qual apontou, de forma óbvia mas até o momento negligenciada, que os corpos de gelo flutuantes sobre a água marinha aumentam, sim, o volume dos mares [e consequentemente o nível], não apenas o gelo sobre a terra firme, porém esse aumento é bem tímido, apesar de significativo. Se lembrarmos do Princípio de Arquimedes, todo corpo imerso em um fluido sofre ação de uma força (empuxo) verticalmente para cima, cuja intensidade é igual ao peso do fluido deslocado pelo corpo. O volume deslocado é igual ao volume da parte submersa do corpo flutuante. A água derretida de um corpo de gelo flutuante vem para preencher esse volume, se misturando completamente com a água marinha.

           Nesse sentido, como o gelo marinho (gelo de água do mar congelada) e plataformas de gelo flutuantes são compostos por quase água pura (contendo salinidade negligível) - densidade da água pura = 1000 kg.m-3 - a massa de água líquida oriunda do derretimento não cobrirá o volume antes deslocado de água marinha (salina) por possuir uma menor densidade. O resultado final é que o gelo flutuante sobre a água marinha aumentará o volume antes deslocado em torno de 2,6% (!). Existe também uma contração do volume da água do gelo derretido devido à mistura com a água marinha, porém ela é ínfima (0,01% ou menos).

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(!) DEMONSTRAÇÃO MATEMÁTICA

O gelo marinho (água marinha congelada) e plataformas de gelo (gelo projetado de uma base terrestre para o mar) são compostos de quase água pura, a qual possui uma densidade em torno de pW = 1000 kg/m3 quando derretida, e em torno de p1 = 917 kg/m3 quando congelada. As plataformas de gelo possuem conteúdo extremamente baixo de sais, com estes impondo efeitos imperceptíveis na densidade total. A partir de congelamento da água marinha, os sais são expulsos em grande parte da estrutura do gelo via 'rejeição salina'. Existe um efeito pequeno do sal incluso no gelo marinho, o qual deve ser considerado em cálculos mais precisos e depende da salinidade do mar analisado; porém, esse efeito pode ser desconsiderado para os cálculos demonstrativos a seguir. A densidade da água oceânica superficial é em torno de p0 = 1026 kg/m3. Um iceberg ou pedaço de gelo flutuante é assumido de possuir volume V1 acima na linha superficial da massa de água e V2 abaixo dessa linha:




V = V1 + V2   (1)

O peso do gelo W do gelo é

W = p1gV = p1g (V1 + V2)   (2)

Na equação acima, g é a aceleração da gravidade. Pelo Princípio de Arquimedes, temos:

W = p0gV2   (3)

Após o derretimento, o volume da água derretida será:

Vder. = W/(pWg) = (aproximadamente) = W/(1000g)   (4)

Combinando as equações (3) e (4):

Vder. = V2p0/pW = (aproximadamente) = 1,026V2


Portanto, o volume da água derretida é 2,6% maior do que aquele da água marinha deslocada.
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REFERÊNCIAS CIENTÍFICAS
  1. https://earthobservatory.nasa.gov/features/SeaIce
  2. Moon et al., 2018. Rising Oceans Guaranteed: Arctic Land Ice Loss and Sea Level Rise. Curr Clim Change Rep. 4(3): 211-222 
  3. Peter D. Noerdlinger,  Kay R. Brower. The melting of floating ice raises the ocean level. Geophysical Journal International, Volume 170, Issue 1, July 2007, Pages 145–150. https://academic.oup.com/gji/article/170/1/145/2019346 (Ref.198)
  4. https://advances.sciencemag.org/content/5/6/eaav9396 (Ref.203) 
  5. https://www.nature.com/articles/s43247-020-0001-2