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Devo me preocupar com a cafeína?


- Atualizado no dia 6 de outubro de 2022 -

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          A cafeína é a droga psicoativa mais consumida no mundo devido ao grande consumo de café e crescente consumo de bebidas energéticas, e alguns dos seus efeitos no comportamento de um indivíduo (como um maior ânimo) podem lembrar aqueles produzidos pela cocaína, anfetaminas e outros estimulantes. Aliás, os efeitos estimulantes da cafeína no sistema nervoso central são conhecidos há séculos, sendo usada para esse fim como uma droga - a partir do café - já no século XV, na região do Oriente Médio. A fama do café como um estimulante tornou a bebida bastante popular na Europa a partir do final do século XVII.

          A cafeína pode ser parte de uma dieta saudável para a maioria das pessoas, mas muita cafeína pode impor um perigo para a saúde humana. Dependendo de fatores como massa corporal, uso concomitante de medicamentos, e sensibilidade individual, um consumo 'excessivo' dessa substância pode variar de pessoa para pessoa. Grávidas devem evitar a todo custo a cafeína, apesar de evidências mais recentes sugerirem que um consumo moderado não impõe riscos na gravidez.

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   CAFEÍNA

          A cafeína (1,3,7-trimetilxantina) é um composto orgânico alcaloide amargo que ocorre naturalmente em mais de 60 plantas incluindo nos grãos de café, nas folhas de chá, sementes de Cola e sementes de cacau. A hipótese mais aceita é que a cafeína era originalmente um nutriente não-essencial para as plantas, mas extremamente útil como um pesticida, e, por esse motivo, acabou sendo selecionada positivamente durante os processos evolutivos. De fato, a cafeína é tóxica para vários insetos e animais, especialmente herbívoros. Através da cafeína, a planta pode defender a si mesma e possui uma melhor chance de sobrevivência. Nesse sentido, essa substância pode ser considerada um agente protetor metabólico que co-evoluiu com as plantas. A cafeína também pode ser sintética (produzida artificialmente), sendo adicionada em alguns medicamentos, alimentos e bebidas.




          A cafeína é absorvida no estômago e no intestino delgado, e, então, distribuída através do corpo. A quantidade máxima circulando no organismo é alcançada após 30-45 minutos depois de ingerida - mas podendo variar de 15 a 2 horas - e somente pequenas quantidades ficam em circulação entre 8 e 10 horas depois. A concentração da substância diminui à medida que ela é metabolizada pelo fígado - principalmente pelo sistema enzimático associado ao citocromo P450 oxidase, em particular pela enzima CYP1A2 -, e outros compostos podem interferir na velocidade desse metabolismo, como os canabinoides/maconha (acelera) e hormônios esteroides (desaceleram) - os contraceptivos orais tendem a dobrar a meia-vida da cafeína no organismo. O fumo acelera enormemente o metabolismo da cafeína, reduzindo sua meia-vida em até 50%. A gravidez reduz enormemente o metabolismo da cafeína, especialmente no terceiro trimestre, quando a meia-vida da cafeína alcança valores de até 15 horas. Na média, essa meia-vida em adultos é de 2,5 a 4,5 horas, mas pode variar bastante de uma pessoa para outra. Os recém-nascidos possuem uma capacidade limitada de metabolizar a cafeína, e a meia-vida fica em torno de 80 horas. Após 5 a 6 meses de idade, a capacidade de metabolizar a cafeína não muda muito com a idade.

          A taxa de metabolismo também varia de pessoa para pessoa, o que explica as diferentes sensibilidades individuais frente aos efeitos da cafeína. Nesse sentido, entram fatores como variações no gene CYP1A2 e o ritmo circadiano (o qual regula o citocromo P450). Os metabólitos da cafeína incluem paraxantina e, em menores quantidades, teofilina e teobromina, os quais são subsequentemente metabolizados em ácido único e este eventualmente excretado com a urina.           

         No cérebro, a cafeína parece ter múltiplos alvos, mas o principal provavelmente são os receptores de adenosina. Ali, a substância dispara uma cadeia de eventos que afeta a atividade da dopamina, um importante mediador cerebral, e de áreas do cérebro envolvidas com a estimulação, prazer e pensamento. Ao estimular o sistema nervoso central, a cafeína pode fazer você se sentir mais acordado e dar a você uma maior energia. A cafeína também pode contribuir para o alívio de dores quando adicionada (100-130 mg) a outros agentes analgésicos. O consumo inicial de cafeína pode aumentar temporariamente a pressão sanguínea, mas resistência é gerada dentro de 1 semana de consumo regular.

           Nesse sentido, existem evidências clínicas de que a cafeína pode ajudar a diminuir o progresso de doenças, como o Parkison, ao agir em diferentes regiões do cérebro, e também atuar de forma protetora contra doenças neurodegenerativas como o Alzheimer. Por outro lado, também pode desencadear problemas de hipertensão (ao aumentar a pressão sanguínea), enrijecimento de artérias, e aumento no nível de colesterol e insulina, ao interferir com funções em outras partes do corpo a partir de um excesso. Além disso, a cafeína pode interferir com a absorção de cálcio no corpo e age também aumentando a liberação de ácido clorídrico no estômago, o que pode levar a uma irritação estomacal ou queimação. Existe também recente evidência de que o consumo alto de cafeína está associado com um aumento superior a 3 vezes do risco de glaucoma em indivíduos com predisposição genética para uma maior pressão ocular (Ref.23)

          O consumo leve-moderado de cafeína não está associado a maiores riscos de doenças cardiovasculares e de cânceres. Aliás, um consumo leve-moderado de cafeína pode reduzir o risco de fibrose hepática, cirrose e câncer no fígado (Ref.14).

           Nas unidades tratamento intensivo neonatal (UTINs), bebês prematuros nascidos com menos de 29 semanas recebem doses diárias de cafeína (terapia de cafeína) para ajudar a assegurar um desenvolvimento cerebral apropriado. Aliás, a cafeína é a droga mais comumente usada no NICU depois dos antibióticos. E estudos recentes (Ref.11) mostram que quanto mais cedo essa substância é administrada nos bebês prematuros, melhores os resultados, incluindo benefícios para a função respiratória, melhor cognição e menores riscos de danos a funções sensoriais, como a audição. Nos adultos a cafeína pode melhorar levemente as funções pulmonares.


           O conteúdo de cafeína varia bastante nas bebidas de café, dependendo da matéria-prima e forma de preparo, com 240 ml podendo possuir de 60 a 200 mg desse composto. Em geral, assume-se que 240 ml fornece cerca de 100 mg de cafeína na média, mas é preciso ficar atento com os tipos de café sendo consumidos. Em outros produtos ricos em cafeína, como energéticos, o rótulo das embalagens geralmente vem trazendo a quantidade dessa substância. Na tabela abaixo, quantidades estimadas de cafeína presentes em diferentes bebidas.


          É preciso ficar atento também quando um chá ou café se dizem 'descafeinados'. Isso não significa que essas bebidas estão livres de cafeína, apenas que elas possuem menos cafeína do que as versões tradicionais. Por exemplo, cafés descafeinados tipicamente geram bebidas com cerca de 2-15 mg de cafeína para cada 200 ml. Caso você seja muito sensível à cafeína, é recomendado evitar também as versões descafeinadas.


          Nesse sentido, as recomendações relativas ao consumo diário de cafeína pelas agências de saúde variaram bastante ao longo das décadas. Estudos mais recentes sugerem que 400 mg diários é um limite seguro para a maioria das pessoas, enquanto alguns alertas internacionais mais conservadores colocam um máximo entre 200 e 300 mg diários. Porém, diferentes pessoas podem apresentar diferentes sensibilidades à cafeína, e o consumo seguro para um pode ser tóxico para outro. A dose letal de cafeína no corpo humano situa-se entre 150 e 200 mg/kg, o que em um adulto de 75 kg equivale a algo entre 11,25 e 15 g.

          No geral, consumidores leves de cafeína ingerem menos do que 200 mg/dia da substância, consumidores moderados entre 200 e 400 mg/dia e consumidores pesados acima de 400 mg/dia. Nos EUA, cerca de 85% dos adultos consomem cafeína diariamente, com uma média de ingestão de 135 mg da substância por dia.

          A Academia Norte-Americana de Pediatria desencoraja o consumo de cafeína e de outros estimulantes para crianças e adolescentes. Crianças, em especial, possuem uma massa corporal bem menor do que adultos, e pequenas quantidades de cafeína podem se tornar relativamente grandes para elas. 

          Pacientes com problemas mentais também devem estar atentos ao consumo de cafeína, porque esta pode atuar de forma negativa no sistema nervoso desses indivíduos (apesar das escassas evidências clínicas para quaisquer conclusões). Interação da cafeína com os medicamentos administrados a esses pacientes também é outra preocupação. Um estudo publicado em 2017, no periódico Clinical Neuropharmacology (Ref.10), reportou prejuízos em um paciente com transtorno bipolar decorrentes do consumo muito excessivo de café (1300-2000 mg/dia de cafeína), principalmente via interferência na biodisponibilidade de lítio dos medicamentos prescritos.

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   CAFEÍNA E GRAVIDEZ

          Grávidas e mães amamentando devem reduzir ao máximo o consumo de bebidas cafeinadas ou mesmo evitar a ingestão de cafeína, já que pequenas quantidades de cafeína conseguem atravessar a placenta e também são eliminadas junto com o leite materno. Além disso, a cafeína estimula a secreção de hormônios de estresse catecolaminas da epinefrina e norepinefrina. Níveis elevados de catecolaminas possuem o potencial de aumentar a vasoconstrição placental e aumentar a taxa de batimento cardíaco do feto, levando a falhas na oxigenação fetal.

          Durante a gravidez, a meia-vida da cafeína aumenta de ~5 horas no primeiro trimestre para cerca de 18 horas na 38° semana de gravidez, aumentando o risco de exposição fetal e os efeitos farmacológicos da substância no organismo. Isso explica o porquê de muitas mulheres grávidas espontaneamente diminuírem o consumo de cafeína ao longo do curso gestacional. Aliás, bebês recém-nascidos de grávidas consumindo cafeína têm sido observados experienciando sintomas de abstinência a essa substância, incluindo distúrbios do sono, vômitos, batimentos cardíacos e taxa respiratória irregulares ou de maior frequência, e aumento de tremores. Existe evidência de impacto da cafeína em importantes caminhos neurais do feto que podem levar a alterações na estrutura cerebral e problemas comportamentais ao longo do desenvolvimento da criança (Ref.).

           Um estudo publicado no Journal of Endocrinology (Ref.13) sugeriu que um consumo maior do que 300 mg/dia de cafeína entre as grávidas pode causar danos no fígado do bebê, baixo peso no nascimento e aumentar os riscos para o desenvolvimento de doenças diversas na fase adulta. Os pesquisadores responsáveis pelo estudo sugeriram inclusive que grávidas deveriam evitar o consumo de cafeína até que a questão seja melhor esclarecida. Guias de saúde, em geral, recomendam um consumo máximo de 200 mg/dia.

          Nesse caminho, uma robusta análise de dezenas de estudos observacionais - incluindo revisões sistemáticas e meta-análises de estudos do tipo - publicada em 2021 no periódico BMJ Evidence Based Medicine (Ref.15) -, concluiu que não existem níveis seguros para o consumo de cafeína pelas mulheres grávidas. O consumo de cafeína mostrou estar fortemente associado com aborto espontâneo, natimorto, baixa massa corporal no nascimento e/ou pequenas dimensões para a idade gestacional, e leucemia infantil aguda.

         Os estudos analisados eram observacionais e portanto não estabelecem causa e efeito. Existem co-fatores que podem impactar nos resultados alcançados, como o fumo durante a gravidez e sintomas da gravidez, incluindo vômito e náusea (I), estes os quais geralmente indicam uma gravidez saudável e podem desestimular o consumo de café e outros alimentos ricos em cafeína. Em geral, os autores apontam que a natureza da resposta-dose em relação às associações entre cafeína e resultados adversos da gravidez, e o fato de alguns estudos não terem encontrado um nível-limite onde efeitos negativos do consumo de cafeína durante a gravidez estavam ausentes, suporta um provável fator causal, não uma mera associação.

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          Nesse sentido, e considerando as evidências prévias acumuladas, os autores do estudo na BMJ pediram por uma radical revisão nas recomendações das atuais guias de saúde sobre o consumo de cafeína durante a gravidez, e reforçaram o conselho para as mulheres grávidas evitarem a cafeína.

          Porém, um estudo mais recente publicado no periódico International Journal of Epidemiology (Ref.25) - baseado em randomização Mendeliana (um tipo de análise genética que reduz ao máximo a interferência de co-fatores de risco) - não encontrou maior risco de aborto espontâneo, natimorto ou nascimento prematuro para mulheres grávidas com consumo habitual de café. Os autores realçaram que o estudo analisou apenas alguns aspectos adversos associados à gravidez, ou seja, é possível que o consumo de café possa afetar outros aspectos importantes do desenvolvimento fetal (ex.: peso no nascimento). Nesse sentido, os autores recomendaram que as grávidas mantenham um baixo ou no máximo moderado consumo de café. 

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   CAFEÍNA DESIDRATA O CORPO?

          Apesar da cafeína possuir efeitos diuréticos no corpo humano, o consumo normal de bebidas cafeinadas não leva a uma perda excessiva de fluídos ou está associado a quadros de desidratação. Evidências clínicas acumuladas nas últimas décadas mostram que um pequeno maior estímulo de produção urinária ocorre se o indivíduo consumir grandes doses agudas de cafeína (no mínimo 250-300 mg de uma só vez) e apenas no caso dele não estar consumindo cafeína por um período de dias ou semanas. Uma profunda tolerância aos efeitos diuréticos e outros associados à cafeína emergem com o consumo regular de bebidas cafeinadas.

          Doses de cafeína equivalentes à quantidade normalmente encontrada em porções padrão de café e chá não possuem ação diurética perceptível. Ou seja, não existe problema algum, por exemplo, beber um copo de café antes de uma longa corrida. Nesse sentido, bebidas cafeinadas - caso não possuam concentrações muito altas de cafeína - são tão hidratantes quanto um copo de suco ou uma água mineral. A crença contrária é apenas um mito.

          Para uma discussão mais aprofundada sobre o assunto, acesse: Cafés e chás nos desidratam?


   COMO SABER SE ESTOU CONSUMINDO UM EXCESSO DE CAFEÍNA?

          O consumo excessivo de cafeína pode causar insônia, nervosismo, ansiedade, batimentos cardíacos acelerados, irritação no estômago, náusea, dor de cabeça, um sentimento de infelicidade (disforia). Consumo muito excessivo pode levar a desbalanços eletrolíticos como hipocalemia (baixa concentração de potássio) e hipofosfatemia (baixa concentração plasmática de fosfato), podendo causar, por exemplo, fraqueza muscular generalizada e dormência em membros (Ref.16).

          Agências de saúde estimam que efeitos tóxicos, como ataques súbitos, podem ser observados com o rápido consumo de cerca de 1200 mg de cafeína. Nesse sentido, produtos com concentrações de cafeína muito altas representam um sério risco à saúde, com vários casos já registrados de morte e até mesmo casos de tentativa de suicídio (Ref.17-20). Ingestão de cafeína anidra - muito popular como suplemento alimentar - pode causar intoxicação fatal e excessos no consumo desse produto são comuns, com alguns casos alcançando absurdos 30-45 gramas da substância pura (Ref.21-22) (!). 

           Frequentemente produtos com alta concentração de cafeína são rotulados como suplementos alimentares, se apresentam em versões líquidas ou em pó, e alguns deles trazendo a cafeína de forma pura. Uma colher de chá de um produto desses contendo cafeína pura pode equivaler a 30 copos de 200 ml de café ingeridos de uma só vez. E muitas pessoas consomem esses produtos visando a prática esportiva ou para se manterem mais alertas durante atividades diversas sem suspeitarem do potencial risco à saúde ou quais doses são excessivas - isso em grande parte devido ao "rótulo" de segurança sugerido pela natureza do produto ('suplemento alimentar').

   (!) RELATO DE CASO

          Uma mulher de 20 anos de idade foi encontrada morta no chão do seu quarto pela sua mãe. O corpo estava contaminado com vômito. De acordo com um parente, a mulher não tinha qualquer doença séria, e não estava tomando medicamentos prescritos. Devido a uma iminente prova para o Certificado da Escola Secundária - requisitada em alguns países como Índia, Paquistão e Bangladesh para o acesso ao ensino superior -, ela estava repetidamente tomando bebidas energéticas que ela mesmo tinha preparado. 

          Investigação policial mostrou que a mulher tinha encomendado cafeína pura (cafeína anidra) na internet cerca de 2 semanas antes da sua morte. Investigação específica do quarto da mulher encontrou um recipiente contendo uma substância branca e cristalina descrita como cafeína. Traços de uma substância similar foram encontrados em um copo pertencendo à morta. De fato, testes físico-químicos mostraram que ambos - recipiente e copo - continham cafeína pura.

          Exame pós-morte do corpo não revelou lesões externas e nem lesões patológicas, apenas pequenos cistos renais simples e bronquite. A autópsia revelou a presença de características de morte súbita na forma de abundante livor mortis, liquidez do sangue, congestão dos órgãos internos, e características de falha aguda cardiopulmonar como edema do cérebro e pulmões. Testes toxicológicos revelaram a presença de cafeína a uma concentração de 613 μg/mL no sangue e de 218 μg/mL na urina.

          A elevada concentração de cafeína no sangue da morta - ultrapassando e muito nível considerado fatal de 80 μg/mL - provavelmente ocorreu como efeito cumulativo de múltiplas doses ao longo do dia. Em crianças e jovens adultos, a meia-vida biológica de cafeína é tão alta quanto 14,4 horas, muito mais longa do que em adultos (3-7,5 horas), favorecendo o acúmulo da substância ativa no corpo.

           O excesso de cafeína provavelmente provocou arritmia e/ou apneia seguindo ataques convulsivos, e levando à morte súbita do caso relatado (Ref.22). 

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   BEBER MUITO CAFÉ É UM SUBSTITUTO PARA O SONO?

          Não! Cafeína é um estimulante, o que pode fazer o indivíduo ficar mais alerta e acordado, mas isso não substitui o sono, este o qual garante vitais benefícios para o corpo longe de serem alcançados pela simples ação da cafeína. Aliás, como leva de 4 a 6 horas para o corpo humano metabolizar metade da cafeína consumida, o consumo de bebidas cafeinadas próximo da hora de dormir pode prejudicar o sono e consequentemente causar prejuízos à saúde.


   COMO CORTAR O CONSUMO DE CAFÉ SEM EFEITOS ADVERSOS?

          Se você ingere diariamente bebidas contendo cafeína, e quer cortar o consumo, o melhor é fazer isso de forma gradual. Parar de forma abrupta pode causar sintomas de abstinência, como dores de cabeça, ansiedade e nervosismo. Porém, diferente de drogas como os opioides e o etanol (bebidas alcoólicas), os sintomas de abstinência de cafeína não são considerados perigosos, mas podem ser desagradáveis.

          A cafeína, como outras substâncias psicoativas, pode induzir a abusos e dependência. O uso da cafeína é legalizado, como as bebidas alcoólicas e o tabaco, mas ao contrário desses dois últimos, sua venda na forma de bebidas ou suplementos alimentares altamente concentrados não é controlada ou restrita, algo que deveria começar a ser questionado.


   CAFÉ CAUSA ENXAQUECA?

          Apesar de alguns potenciais gatilhos de enxaqueca - como a falta de sono - atuam apenas aumentando o risco de enxaqueca, o papel da cafeína é particularmente complexo, porque essa substância pode engatilhar um ataque mas também ajuda a controlar os sintomas. Nesse cenário, o impacto da cafeína dependerá tanto da dose quanto da frequência.

          Para quem sofre de enxaqueca crônica, o excesso de cafeína precisa ser evitado. Analisando 98 adultos sofrendo desse problema ao longo de 4467 dias, um estudo publicado no American Journal of Medicine (Ref.12) encontrou que o consumo diário leve ou moderado de bebidas cafeinadas (<480 ml de café, um máximo de 300 mg de cafeína) não está associado com um maior risco de engatilhar um episódio de enxaqueca. Porém, os pesquisadores encontraram que um consumo de níveis mais elevados de bebidas cafeinadas (acima 300 mg/dia de cafeína) está associado a um maior risco, diretamente proporcional à quantidade de cafeína ingerida. Para os indivíduos pouco habituados a consumirem bebidas cafeinadas, os pesquisadores encontraram que mesmo um consumo leve ou moderado pode ser suficiente para disparar um episódio de enxaqueca no dia de consumo.

          O mecanismo primário proposto ligando cafeína e enxaqueca são os receptores de antagonismo de adenosina da cafeína. Como um regulador de dor, a adenosina inibe ou promove dor, dependendo da localização (periférica ou central), tipo de dor (aguda ou crônica) e subtipo do receptor ativado. Por isso a cafeína é usada como componente em analgésicos. Com um consumo regular de bebidas cafeinadas (480 ml ou mais de café por mais de 5 dias), temos uma up-regulação dos receptores de adenosina A1 e um aumento extracelular dessa última. Nesse sentido, isso pode explicar porque as pessoas que sofrem de enxaqueca crônica suportam o consumo de bebidas cafeinadas caso sejam consumidoras regulares. Essa maior tolerância leva também ao disparo de dores de cabeça quando o consumo é cortado.


   CAFÉ ANTES DAS COMPRAS?

          Um estudo publicado no periódico Journal of Marketing (Ref.26) trouxe uma interessante conclusão. Os pesquisadores encontraram que a cafeína impacta o que você compra e o quanto você gasta em lojas. Em específico, eles mostraram que os consumidores que bebem um copo de café cafeinado antes de ir ao shopping gastam cerca de 50% mais dinheiro e compram quase 30% mais itens do que consumidores que bebem café descafeinado ou água. 

          Segundo os autores do estudo, o forte efeito estimulante da cafeína libera dopamina no cérebro, o que excita a mente e o corpo. Esse cenário leva a um estado de mais energético, o qual por sua vez eleva a impulsividade e reduz o autocontrole. Como resultado, o consumo de cafeína promove impulsividade nas compras em termos de maior número de itens comprados e maior gasto. Além disso, os pesquisadores encontraram que o consumo de cafeína influenciava nos tipos de itens comprados; aqueles consumindo café cafeinado tendiam a comprar mais itens não-essenciais.

          Nesse sentido, para consumidores tentando controlar gasto impulsivo, é recomendado evitar consumir bebidas cafeinadas antes das compras.

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   CONCLUSÃO

          As evidências científicas até o momento acumuladas sugerem que a ingestão de cafeína é relativamente segura em doses tipicamente encontradas em alimentos e bebidas comercializados. Porém, suplementos alimentares e energéticos com altas concentrações de cafeína podem impor substanciais riscos à saúde. Existem também algumas populações, como grávidas, crianças e indivíduos com doenças mentais, que são potencialmente mais vulneráveis aos efeitos da cafeína, sendo aconselhável uma orientação médica sobre o consumo dessa substância ou, no mínimo, seguir um consumo leve ou, no máximo, moderado. 

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ATUALIZAÇÃO (15/11/2021): Em um estudo clínico randomizado apresentado no encontro American Heart Association Scientific Sessions 2021, englobando 100 voluntários adultos, encontrou que o consumo de café cafeinado está associado com um aumento de 54% em contrações ventriculares prematuras, um tipo de batimento cardíaco anormal originário das câmaras inferiores do coração. Por outro lado, o maior consumo de café está associado com menos episódios de taquicardia supraventricular, um rápido ritmo cardíaco emergindo das câmaras superiores do coração. O consumo de café estava também consistentemente associado com mais atividade física e menos sono. Indivíduos com variações genéticas ligadas a um mais rápido metabolismo de cafeína exibiram mais batidas anormais nos ventrículos à medida que mais café era consumido. Um metabolismo mais lento de cafeína (geneticamente avaliado) estava associado com mais perda de sono após consumo de café.
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REFERÊNCIAS CIENTÍFICAS
  1. https://www.fda.gov/ForConsumers/ConsumerUpdates/ucm350570.htm 
  2. https://medlineplus.gov/caffeine.html 
  3. https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC4462044/
  4. https://www.ncbi.nlm.nih.gov/books/NBK430790/
  5. https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC5445139/
  6. https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/26677204
  7. https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/19774754
  8. https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/24235903
  9. https://journals.lww.com/acsm-essr/Fulltext/2007/07000/Caffeine,_Fluid_Electrolyte_Balance,_Temperature.8.aspx
  10. https://journals.lww.com/clinicalneuropharm/Abstract/2017/07000/Effect_of_Excessive_Coffee_Consumption_on_the.2.aspx
  11. https://pediatrics.aappublications.org/content/143/1/e20181348
  12. https://www.amjmed.com/article/S0002-9343(19)30210-4/fulltext
  13. https://joe.bioscientifica.com/abstract/journals/joe/242/1/JOE-18-0684.xml
  14. https://www.nejm.org/doi/full/10.1056/NEJMra1816604
  15. https://ebm.bmj.com/content/early/2020/07/28/bmjebm-2020-111432
  16. https://bmcnephrol.biomedcentral.com/articles/10.1186/s12882-021-02465-0
  17. https://link.springer.com/article/10.1007%2Fs12024-014-9571-6
  18. https://www.tandfonline.com/doi/abs/10.1080/15563650.2021.1891243
  19. https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC6942917/
  20. https://www.sciencedirect.com/science/article/pii/S187854091830077X
  21. https://journals.lww.com/amjforensicmedicine/Abstract/2013/12000/Fatal_Caffeine_Overdose__A_Case_Report_and_Review.8.aspx
  22. https://link.springer.com/article/10.1007/s12024-017-9885-2
  23. https://www.aaojournal.org/article/S0161-6420(20)31157-X/fulltext
  24. Foxe et al. (2021). Caffeine exposure in utero is associated with structural brain alterations and deleterious neurocognitive outcomes in 9–10 year old children. Neuropharmacology, Volume 186, 108479. https://doi.org/10.1016/j.neuropharm.2021.108479
  25. Nunes et al. (2022). Mendelian randomization study of maternal coffee consumption and its influence on birthweight, stillbirth, miscarriage, gestational age and pre-term birth, International Journal of Epidemiology. https://doi.org/10.1093/ije/dyac121
  26. Biswas et al. (2022). Caffeine’s Effects on Consumer Spending. Journal of Marketing. https://doi.org/10.1177/00222429221109247