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Abelhas sabem contar, somar, subtrair, aprender símbolos numéricos e discriminar o zero

- Artigo atualizado no dia 30 de maio de 2020 -

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          Hoje existem mais de 25 mil espécies de abelhas no mundo catalogadas, com muitas outras para serem descobertas. Cruciais polinizadores, esses insetos (ordem Hymenoptera) surgiram há cerca de 130 milhões de anos - evoluindo a partir das vespas -, em uma época quando ainda éramos pequenos mamíferos peludos. Mas talvez uma das características mais impressionantes sobre esses animais é a impressionante capacidade matemática deles. As abelhas, além de saberem contar, conseguem realizar cálculos de soma e de subtração, conseguem aprender simbolismos numéricos e ainda possuem noção do que é o zero (0). Para se ter uma ideia, a compreensão do conceito de zero como número não foi alcançada por algumas das civilizações humanas na Antiguidade!

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   ABELHAS E O ZERO

          Foi em um estudo publicado recentemente na Science (Ref.1), que pesquisadores descobriram que as abelhas-de-mel (gênero Apis) conseguem discriminar o zero (0) como um número, colocando-as em um seleto grupo de animais espertos o suficiente para compreenderem ou lidarem com a complexa noção matemática do 'nada'.

          O cérebro das abelhas possui menos do que 1 milhão de neurônios - comparado com os cerca de 86 bilhões de neurônios no cérebro humano -, mas anteriormente já tinha sido demonstrado que elas conseguiam entender conceitos abstratos, como 'mesma coisa' e 'diferente', e contar até 4 ou 5. E além de entenderem os conceitos de 'maior quantidade' e de 'menor quantidade', se forem treinados da maneira correta, esses insetos conseguem até mesmo diferenciar o valor de 4 unidades de valores correspondendo a 8, 7, 6 e mesmo a diferença mais sutil para algo com 5 unidades, como demonstrado em um estudo publicado na Journal of Experimental Biology (Ref.5). A discriminação entre numerosidades iguais ou acima de 4 unidades é considerado uma complexa capacidade no Reino Animal.

          Para descobrirem se elas também compreenderiam o conceito de 'zero', pesquisadores Franceses e Australianos fizeram vários testes para ver se as abelhas conseguiriam classificar quantidades numéricas e entender que o zero pertence ao nível mais baixo de uma sequência de números.

          Nesse sentido, as abelhas foram treinadas a escolher uma imagem com o menor número de elementos em ordem de receber um prêmio (uma solução adocicada). Por exemplo, as abelhas aprenderam a escolher três elementos apresentados em um sistema possuindo três e quatro elementos; ou dois elementos quando existiam dois e três elementos.

          A surpresa ocorreu quando os pesquisadores apresentaram às abelhas um sistema contendo nenhum elemento (zero) e um ou mais elementos juntos. Mesmo sem nunca terem sido apresentadas a um conjunto vazio de elementos, as abelhas entenderam que 'nenhum elemento' era menor do que um ou mais elementos!


          Vários experimentos de controle foram envolvidos para validar o fantástico achado.

          Para você lendo este artigo, talvez seja fácil entender o que uma quantidade 'zero' significa, por já ter estudado isso, mas a noção abstrata de 'zero' é bem difícil. Mesmo culturas humanas antigas - como os Romanos - não mostravam ter essa noção matemática e ignoravam o zero nos sistemas numéricos! É fácil para o cérebro distinguir elementos em termos quantitativos a partir de estímulos visuais ou via outros sentidos, mas, sob nenhum estímulo, como entender que isso também representa algo quantitativo (zero)?

           Nesse sentido, como explicar essa façanha alcançada pelas abelhas?

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   SIMPLIFICANDO

          Há um bom tempo, acreditava-se apenas que os humanos entendiam o conceito de zero, mas pesquisas em anos recentes mostraram que outros primatas e pássaros como o papagaio-cinza-Africano também possuíam essa capacidade cerebral. E, agora, sabe-se que um representante entre os insetos parece também carregar tal habilidade. Isso sugere que essa façanha pode ser bem mais comum no reino animal do que o imaginado. Talvez esse avançado processamento cerebral tenha evoluído em espécies que lidam diariamente com escolhas que envolvem diferentes quantidades. E como o cérebro das abelhas é bem pequeno, fica sugerido que essa habilidade matemática pode ser alcançada com a associação entre poucos neurônios.

          Nesse sentido, pesquisadores da Universidade Queen Mary, em Londres, resolveram simular no computador um "cérebro" em miniatura composto de apenas quatro células nervosas para tentarem entender como as abelhas conseguem contar. Os resultados, publicados no periódico iScience (Ref.2), mostraram que o super-simplificado cérebro conseguia facilmente contar pequenas quantidades de itens (4-6) quando inspecionava de perto um item de cada vez, da mesma forma que as abelhas fazem quando contam, incluindo a determinação de 'zero itens'. Essa estratégia difere daquelas dos humanos, os quais contam todos os itens em um dado conjunto de forma global e mais complexa.


          Em outras palavras, a capacidade de cálculo das abelhas não está necessariamente dependente do entendimento de conceitos numéricos, mas, sim, ao uso de movimentos de voo específicos para inspecionar de muito perto os itens de um conjunto (as abelhas geralmente inspecionam algo dentro de uma distância de 2 cm), estes os quais então moldam as informações visuais recebidas e simplificam a tarefa de forma a requisitar o mínimo de poder cerebral. Portanto, enquanto os Antigos Romanos desprezaram o zero nos cálculos por precisarem primeiro entenderem o que significa o conceito numérico de zero, as abelhas parecem conseguir discriminar o zero como um número sem a necessidade de entendê-lo, através de um circuito neural altamente otimizado. Estratégia similar pode também ser utilizada por esses insetos para entender a diferença abstrata entre 'mesma coisa' e 'diferente'.

          Isso também demonstra que a inteligência das abelhas, e potencialmente de outros animais, pode ser mediada por um pequeno número de células nervosas, contando que essas estejam combinadas da maneira certa, ou, em termos computacionais, regidas por um algoritmo simples mas extremamente eficiente. Apesar de ser provável que mais de 4 neurônios estejam envolvidos em uma real tarefa de contagem pelas abelhas (talvez com múltiplos circuitos similares operando em paralelo), tal demanda neural seria plenamente possível de ser acomodada no cérebro de um inseto.

          O modelo computacional do estudo trabalhou considerando que durante as contagens as abelhas escaneiam os padrões de elementos sequencialmente e visitam cada elemento apenas uma única vez. Ainda não é totalmente entendido como elas se lembram de quais elementos no conjunto já foram visitados, mas elas claramente são capazes de fazer isso quando observamos suas performances em tarefas diversas dentro de um ambiente laboratorial e também na natureza, já que uma mesma abelha não visita uma flor já visitada previamente. Provavelmente elas utilizam a memória funcional para isso, e um recente estudo sobre a habilidade aritmética desses insetos pode ter confirmado essa hipótese.

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   SOMA E SUBTRAÇÃO

          Operações aritméticas complexas, como adição e subtração, requerem uma complexa administração de quantidades tanto na memória funcional quanto na memória de longo prazo baseada em regras. Além de humanos (adultos, crianças e adolescentes), existem estudos que demonstram a habilidade de adicionar e de subtrair quantidades entre chimpanzés, orangotangos, macacos Rhesus, papagaios-cinzas-Africanos, pombos, aranhas e bebês humanos. Enquanto chimpanzés e papagaios-cinzas-Africanos demonstram uma capacidade bastante sofisticada para essas operações matemáticas, aranhas possuem uma noção de subtração e adição bem básica, sabendo, por exemplo, quando uma presa foi adicionada ou subtraída do seu montante preso na teia.

          Porém, até pouco tempo atrás, era incerto se as abelhas possuíam essa habilidade cognitiva. Considerando suas façanhas matemáticas, não seria surpresa se elas demonstrassem também um avançado domínio aritmético. Nesse sentido, um estudo publicado recentemente na Science Advances (Ref.3) veio para confirmar essa expectativa.

          Os pesquisadores nesse novo estudo treinaram abelhas-de-mel para identificarem uma cor saliente (azul ou amarelo) como uma representação simbólica para seguir uma regra baseada em adição (azul) ou subtração (amarelo), e, portanto, escolher o resultado correto de uma operação aritmética.

          Em seguida, as abelhas foram treinadas para entrar em um labirinto-Y e visualizarem uma amostra de estímulo visual apresentada verticalmente e contendo um conjunto de elementos em isolamento. As abelhas, então, voariam através de uma abertura até uma câmara para escolherem duas possíveis opções. Uma amostra de estímulo poderia conter 1, 2, 4 ou 5 elementos (1,2 ou 4 elementos se fosse adição/azul; 2,4 ou 5 elementos se fosse subtração/amarelo). Se os elementos fossem azul, as abelhas precisariam escolher a opção de estímulo na câmara que fosse um elemento maior do que a amostra; no entanto, se os elementos fossem amarelos, as abelhas precisariam escolher o estímulo que contivesse um elemento a menos do que o número da amostra.



          A cor dos elementos e, portanto, o problema aritmético a ser resolvido, foi aleatoriamente determinado para cada abelha em cada experimento. Opções corretas e incorretas durante os experimentos variaram de 1 a 5 elementos, e a opção incorreta poderia ser maior ou menor do que a opção correta (incluindo o próprio número da amostra como uma possível opção incorreta). E o número da amostra de três elementos nunca foi mostrado durante o treino, sendo somente usado como um número de amostra novo durante os experimentos.

          O treinamento foi baseado em recompensa e "punição" das abelhas, as quais recebiam uma solução com 50% de sacarose para as respostas corretas e 60 mM de solução de quinina  para as respostas incorretas. Os experimentos, em si, foram carregados sem o sistema de recompensa-punição.

          Os resultados mostraram que as abelhas acertaram os testes de subtração e de adição em torno de 70% das vezes, com pouca diferença entre as variadas disposições das respostas corretas e incorretas, incluindo opções antes não apresentadas nos treinos. Nesse sentido, esses insetos foram capazes de usar cor como uma representação simbólica dos símbolos de adição e de subtração e aprenderam, portanto, a adicionar ou subtrair um elemento de diferentes amostras.

          Operações aritméticas como adição e subtração são conhecidas de envolver processos cognitivos completos considerando que requerem dois níveis de processamento de informação. O primeiro é a representação de atributos numéricos, e o segundo é a manipulação mental dessas representações na memória funcional. As abelhas no novo estudo não só tiveram sucesso na realização dessas tarefas de processamento como também tiveram que realizar as operações aritméticas na memória funcional já que o número a ser adicionado ou subtraído ('1') não estava visualmente presente, mas, sim, como um conceito abstrato que as abelhas tiveram que resolver ao longo do treinamento. Enquanto o córtex posterior paretal e o córtex pré-frontal são áreas cruciais para o processamento numérico em primatas, as abelhas mostraram que não é necessário tais sofisticadas estruturas cerebrais para a realização do nível de habilidade matemática expresso por esses insetos.

          Essa última observação é importante, porque considerando que as abelhas se separaram da linha evolutiva ancestral comum aos humanos há 400 milhões de anos, isso significa que muito mais animais podem ter avançados processos cognitivos numéricos além dos humanos, especialmente entre os vertebrados e particularmente entre os mamíferos e aves. Isso também quebra a ideia de que os humanos precisam necessariamente possuir complexas linguagens e simbolismos para a realização de cálculos avançados como geralmente se supõe. Aliás, a existência de avançados sistemas cognitivos em insetos como as abelhas também suportam recentes evidências de que a base da linguagem humana provavelmente está presente em diversos outros animais, estando longe de ser algo "especial" na nossa espécie (1).


(1) Leitura recomendada:

           Vale a pena também destacar que as abelhas não são vistas diretamente utilizando aritmética no seu ambiente natural. O novo estudo demonstrou que elas aprenderam essa habilidade via plasticidade cognitiva. Nesse sentido, essa plasticidade pode ser útil para as abelhas, quando esses insetos estão frente a novos obstáculos ou adversidades na natureza. Essa alta capacidade plástica de aprendizado também explica o porquê desses insetos serem tão extraordinários mesmo com um cérebro tão simples.

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   SIMBOLISMO NUMÉRICO

          E, mais recentemente, o mesmo grupo de pesquisadores do estudo anterior também mostrou que as abelhas são capazes também de conectar símbolos a números. Esse outro fantástico achado foi detalhado no periódico Proceedings of the Royal Society B (Ref.4) e reforça o quão eficiente é o processamento de informações lógicas no cérebro desses insetos.

          Enquanto humanos modernos (Homo sapiens) constituem a única espécie que desenvolveu sistemas para representar números, como os números Árabes que usamos no dia-a-dia para a realização de cálculos simples e complexos, o conceito desse simbolismo numérico pode ser trabalhado também em outros cérebros de alguns mamíferos e aves possuindo diferentes complexidades neurais, incluindo pombos, papagaios, e primatas. Chimpanzés inclusive conseguem aprender os números Árabes e ordená-los de forma quantitativa corretamente, enquanto papagaios-cinza-Africanos conseguem aprender os nomes de números e somar as quantidades simbolicamente determinadas. Apesar de todos lendo este artigo considerarem algo óbvio que o número '4' representa quatro unidades de algo, processar esse simbolismo numérico requer um nível sofisticado de habilidade cognitiva.

          Nesse sentido, o novo estudo demonstrou que essa complexa capacidade cognitiva não está presente exclusivamente em vertebrados, sendo que as abelhas da espécie Apis mellifera são capazes de aprenderem a associar um símbolo de uma quantidade a essa quantidade, apesar de não conseguirem espontaneamente extrapolar isso para fazer o contrário, ou seja, a partir de uma quantidade apontar seu símbolo sem um treinamento prévio. De qualquer forma, considerando ser o cérebro de um inseto, a capacidade de processar o básico de um simbolismo numérico é mais do que impressionante, já que diversos animais vertebrados bem mais complexos não conseguem fazê-lo.

          Para esse achado, os pesquisadores analisaram 20 abelhas de mel (A. mellifera), as quais foram treinadas em um labirinto do tipo Y (similar ao esquema do experimento anterior de soma e subtração) para ganharem alimento (frutose) apenas se conseguissem associar um símbolo numérico ao seu valor quantitativo. Depois do treinamento, utilizando combinações aleatórias de símbolos e quantidades, os pesquisadores mostraram que as abelhas de fato conseguiram aprender a associar corretamente um símbolo ao seu valor quantitativo e vice-versa, escolhendo preferencialmente a câmara no labirinto correspondendo ao número ou à quantidade presente explicitamente na entrada, como mostrado na figura abaixo.


          Porém, as abelhas treinadas para associarem primeiro um número e depois sua quantidade, não conseguiam fazer o inverso sem um treinamento separado, indicando o limite cognitivo desses insetos para o processamento de simbolismos numéricos.

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   TATO E VISÃO

           Em um estudo publicado na Science (Ref.6), pesquisadores reportaram mais uma incrível habilidade das abelhas: esses insetos conseguem reconhecer objetos através de múltiplos sentidos via imagem mental. Até o momento acreditava-se que apenas humanos e alguns outros animais - especificamente primatas, ratos, golfinhos e uma única espécie de peixe-elétrico - eram capazes de tal complexa capacidade cognitiva. 

          Em outras palavras, após ver ou sentir o objeto com o toque, as abelhas conseguem criar uma imagem mental do objeto e reconhecê-lo a partir do outro sentido sem nunca tê-lo usado para tal.

          No estudo, os pesquisadores treinaram abelhas do gênero Bombus (mamangaba) para diferenciar dois diferentes formatos de objetos - cubos e esferas - usando apenas visão ou tato, e as testaram em seguida para ver se os insetos conseguiam reconhecer o objeto usando apenas o outro sentido não usado na etapa anterior. Os autores confirmaram que essas abelhas eram capazes de reconhecer com sucesso os objetos tanto no sentido visão-para-toque quanto no sentido toque-para-visão, e em ambientes escuros e claros, demonstrando com sucesso a habilidade de transmitir reconhecimento entre sentidos.



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   CONCLUSÃO

          Ao demonstrarem que mesmo cérebros tão pequenos quanto o de uma abelha podem lidar com conceitos matemáticos abstratos e complexos de forma simples, e sem necessariamente entendê-los, os cientistas abrem possibilidades para novas e mais eficientes estratégias de desenvolvimento de inteligências artificiais, a partir da identificação e análise de estruturas neurais específicas. Aliás, o conhecimento do 'zero' é uma das bases fundamentais dos nossos  grandes avanços matemáticos e tecnológicos ao longo da história, tornando seu conceito de fundamental importância para as IAs. Além disso, mesmo nossa espécie separada das abelhas por mais de 600 milhões de anos de evolução, entender como tais avançadas habilidades numéricas se desenvolvem em cérebros tão pequenos pode ajudar no entendimento de como o pensamento cultural e matemático evoluiu em humanos e, possivelmente, em outros animais.


> Infelizmente, as populações de abelhas ao redor do mundo estão sofrendo um grave declínio, e um dos principais responsáveis por esse desastre ambiental parecem ser os pesticidas. Para entender mais sobre o assunto, acesse: O desaparecimento das abelhas


REFERÊNCIAS CIENTÍFICAS
  1. http://science.sciencemag.org/content/360/6393/1124
  2. https://www.sciencedirect.com/science/article/pii/S2589004218302384?via%3Dihub 
  3. https://www.eurekalert.org/multimedia/pub/187849.php?from=414613
  4. https://royalsocietypublishing.org/doi/10.1098/rspb.2019.0238
  5. https://jeb.biologists.org/content/222/19/jeb205658
  6. https://science.sciencemag.org/content/367/6480/910