Artigos Recentes

Os Copos Menstruais valem a pena?


- Atualizado no dia 3 de julho de 2024 -

Compartilhe o artigo:



          Ficando cada vez mais populares nos últimos anos, os 'Copos Menstruais' (Menstrual Cups, em inglês) vêm sendo frequentemente reportados como substitutos aceitáveis para os tradicionais absorventes do tipo tampão (pequeno rolo de algodão ou gaze que a mulher usa na menstruação para parar o sangramento). Esses copos flexíveis prometem uma sustentável solução para se lidar com a menstruação, com custos muito modestos e sem significativos riscos à saúde. Ficaram ainda mais tentadores após receberam a aprovação do FDA (Agência de Drogas e Alimentos dos EUA).

          Mas, afinal, o que são esses "copos menstruais"? Será que esses produtos compensam e são realmente livres de riscos à saúde?

- Continua após o anúncio -



   MENSTRUAÇÃO

          Menstruação, ou 'período', é um sangramento vaginal normal que ocorre como parte do ciclo mensal de uma mulher a partir, geralmente, da idade de 11-14 anos e continua até a menopausa (em torno de 51 anos) (1). A menstruação normalmente dura de três a oito dias. Estimados 1,9 bilhão de mulheres e pessoas do sexo feminino em geral ao redor do mundo - cerca de 26% da população - estavam em idade de menstruação em 2017, gastando na média 65 dias lidando com o fluxo sanguíneo menstrual.

          Esse sangramento ocorre porque, todo mês, o corpo da mulher se prepara para uma possível gravidez, com a parede de revestimento interno do útero crescendo uma estrutura para acomodá-la. Se nenhuma gravidez ocorre, o útero desmancha esse novo revestimento (endométrio se desprende). Em outras palavras, o sangramento menstrual é parte sangue e parte tecido do interior do útero, com o fluxo seguindo via vagina a partir de um pequeno orifício no cérvix.

         Além do sangramento, outros sintomas podem vir acompanhados, geralmente relacionados com os baixos níveis de hormônios estrógenos e progesterona (algo que orienta o seu corpo a iniciar a menstruação):

- dor abdominal ou devido a cãibras pélvicas;
- dor na parte inferior das costas;
- seios inchados ou inflamados;
- desejos alimentares;
- irritabilidade e mudança de humor;
- dor de cabeça e fatiga

         Somando-se a isso, pode também ser manifestado a famosa TPM (Tensão Pré-Menstrual) em muitas mulheres, a qual engloba um espectro de sintomas físicos e emocionais. Geralmente é iniciada antes do período menstrual (2).

        Irregular ou pesados/dolorosos períodos menstruais não são normais, e precisam de atenção médica. É geralmente citado que um típico ciclo menstrual dura em média 28 dias, porém, na prática, existem substanciais variações (3). Além disso, para uma mesma mulher, a duração de cada ciclo pode ser diferente de mês para mês. Seus períodos ainda são "regulares" se eles normalmente vêm a cada 24 ou 38 dias. Isso significa que o tempo para o primeiro dia da sua última menstruação até o início da sua próxima menstruação é, no mínimo, 24 dias, mas não mais do que 38 dias.

           Em média, uma mulher perde cerca de 60 ml de sangue durante o período menstrual, mas essa quantidade pode ser maior ou menor dependendo da mulher, idade e até mesmo do mês da menstruação. Sangramento muito abundante, de longa duração (mais de oito dias) ou com coágulos muito grandes devem ser relatados ao médico. Em geral, uma perda sanguínea total ao longo de um período menstrual de 4 a 5 dias é considerada normal caso seja inferior a 60 ml, moderadamente pesada se fica entre 60 e 100 ml e excessiva se ultrapassa os 100 ml.

          Infelizmente, é muito comum mulheres superestimarem a quantidade normal de sangue menstrual liberada durante o ciclo menstrual. Um estudo recente, avaliando 125 mulheres universitárias nos EUA, encontrou que 80% delas superestimaram o volume normal de sangue menstrual em até quase 300 mL, algumas inclusive acreditando que 1 L ou mais era perdido durante o ciclo menstrual (Ref.27)! 

         De qualquer forma, para conter esse sangramento, existem vários produtos, onde podemos citar os absorventes tradicionais, absorventes reutilizáveis, tampões e os relativamente recentes - em termos de conhecimento público - copos menstruais.

- Continua após o anúncio -



   COPOS MENSTRUAIS

         Também conhecidos como 'Copos da Lua', um copo menstrual é um pequeno produto de higiene feminina no formato de um copo e feito geralmente de silicone - mas também podendo ser fabricado com elastômeros termoplásticos (TPE) ou borracha natural - que é inserido no interior da vagina para a coleta do sangue quando você está no seu período. Pode ser deixado na vagina por até ~10 horas, mas pode ser esvaziado a cada 4-12 horas, dependendo do fluxo menstrual e tipo do copo. Depois de tirar o copo com o sangue coletado, esse é esvaziado em um vaso sanitário ou na pia, para logo em seguida ser lavado e reinserido.

Aqui temos um desses copos (tipo vaginal), da marca DivaCup (Diva International Inc, USA); são alternativas ao tampão projetados para coletarem ao invés de absorverem o fluxo menstrual. Apesar de muitos acharem que esse produto é recente, o primeiro copo menstrual comercialmente usado foi inventado e patenteado nos EUA na década de 1930 (Ref.28). Mas começaram a ficar populares apenas entre 2019 e 2021.

          Dois tipos de copo são disponíveis: copo vaginal, o qual geralmente possui um formato de sino e é colocado no canal vaginal, e copo cervical, o qual, como um diafragma para contracepção, é colocado ao redor do cérvix, no início do canal vaginal. Os copos menstruais são feitos de silicone médico, borracha, látex, ou elastômero, e pode durar até 10 anos; copos menstruais descartáveis também existem.



          As marcas mais populares de copos vêm em dois diferentes tamanhos: pequeno (~40 mm de diâmetro) para mulheres com menos de 30 anos que não tiveram parto vaginal e um maior (~50 mm de diâmetro) recomendado para mulheres com 30 anos de idade ou mais e/ou que tiveram parto vaginal. Preços podem variar muito dependendo do tipo e da marca, mas ficam na média de US$23-30 ao redor do mundo. Aqui no Brasil, o preço médio praticado é de R$89,00, com típica validade de 3 a 5 anos.

           Entre as vantagens e desvantagens em usar um copo menstrual, temos:


   VANTAGENS

- Pode ser deixado na vagina por até 10-12 horas (até mesmo quando a mulher estiver dormindo!);

- Não é necessário comprar ou carregar absorventes/tampões, gerando uma grande economia e praticidade, especialmente por ser reutilizável;

- Ajuda a mulher a ficar mais familiarizada com o seu corpo.

São uma opção mais eco-sustentável, ao reduzir a quantidade de lixo gerado, inclusive plástico, com o uso de outros métodos descartáveis de coleta de sangue menstrual (Ref.24).


   DESVANTAGENS

-  Inicialmente, pode ser difícil de ser inserido;

- Pode ser difícil de ser removido e limpado;

- Como envolve "lidar com um volume de sangue em um copo", algumas mulheres podem achar "repulsivo" (mesmo sendo tecido do próprio corpo).

- Nas instruções produzidas pelos fabricantes, informações orientativas sobre o volume, material, formato, firmeza e elasticidade dos copos menstruais são ainda muito limitadas, dificultando a escolha inicial por um produto mais confortável para cada consumidor no sentido de facilitar o uso e reduzir o risco de lesões (Ref.25).

------------
> Uma mulher usa uma média de 10 mil absorventes e 15 mil tampões ao longo da vida, produtos que demoram aproximadamente 500-800 anos para decompor no ambiente. E cada absorvente emite 2-3,7 g de plástico não-biodegradável. Um copo menstrual pode ser reutilizado por até 10 anos. Ref.31

> No Brasil não existe reciclagem para esses produtos, esses resíduos chegam em lixões e aterros sanitários e permanecem até sua decomposição, o que demora muitos anos, da mesma forma que podem contaminar o ambiente por conta dos seus aditivos químicos. Na maioria dos países não há reciclagem de absorventes convencionais, por isso eles vão diretamente para aterros sanitários ou lixões, em alguns países os descartes também ocorrem em vasos sanitários. Ref.34
-----------

   COMO USAR?

           Basicamente você deve inserir o produto na sua vagina, através de um agachamento ou levantamento das pernas para gerar um espaço de inserção. Antes, o copo (do tipo vaginal, de longe o mais comumente utilizado e o mais prático) precisa ser dobrado um número de vezes para melhor encaixar. Pode ser complicado no início, mas como ocorre com o tampão, apenas é necessário prática. Ao usar o produto, tenha as mãos higienizadas.


          Significativa parte das mulheres encontram dificuldade de uso no primeiro ciclo de inserção, mas, após familiarização com o produto, é reportado que mais de 90% delas passam a considerar fácil o uso e o recomendariam para outras mulheres (Ref.24, 26).


          Para esvaziamento e reuso do copo, basta retirá-lo do canal vaginal, higienizá-lo com água e sabão neutro e o inseri-lo novamente. Caso o ciclo tenha acabado, basta esterilizar o copo com água quente e guarda para o próximo ciclo menstrual.


   MITOS SOBRE O COPO 

          Várias desinformações são ainda muito disseminadas sobre os copos menstruais. Entre elas, podemos citar alguns absurdos:

- Eu não posso usar os copos menstruais se eu sou uma virgem (!);

- Somente as mulheres que são ativistas ambientais ou apoiam a "causa verde" as usam;

- Eu não posso ir ao banheiro quando estou usando o copo;

- O copo pode se perder dentro da vagina (?);

- Copos menstruais podem deformar o órgão reprodutivo feminino.

----------
(!) Esse mito em específico é derivado de uma desinformação sobre o hímen associado à abertura vaginal. Para mais informações, acesse: Toda mulher sangra quando "perde a virgindade"?

> Outra errônea e comum ideia que impede o uso de copos menstruais é a crença de que esses produtos são desconfortáveis como regra. Ref.32
----------

           É ainda incerta a existência de uma significativa maior taxa de expulsão de dispositivos intrauterinos (DIU) quando usados concomitantemente com tampões ou copos menstruais (Ref.7, 30). Um estudo publicado em 2021 no periódico Contraception (Ref.14), analisando 7 mulheres que usavam o copo e que relataram expulsão completa ou parcial do DIU, mostrou uma associação desse evento com o processo de retirada do copo. Um estudo randomizado mais recente no mesmo periódico, analisando 1046 participantes, encontrou maior probabilidade de uma remoção acidental do DIU de cobre (tipos TCu380A e NTCu380-Mini) com o uso concomitante de copo menstrual e maior risco de expulsão do DIU NTCu380-Mini ao longo de 36 meses com o uso concomitante de copo menstrual (Ref.31).

          Existem dois mecanismos propostos como causa para possível remoção acidental ou expulsão do DIU durante uso concomitante com o copo menstrual: (I) a corda do DIU pode ser puxada junto com a retirada do copo, resultando em uma remoção parcial ou total do dispositivo de dentro do útero; (II) a sucção e o vácuo criados durante a aplicação do copo pode deslocar o DIU. De fato, algumas mulheres relatam terem puxado a corda junto com o copo e sentido uma dor aguda no momento. Apesar das evidências e relatos em geral serem ainda limitados, fica a recomendação de consultar um/a ginecologista caso for utilizar os dois objetos ao mesmo tempo (DIU e copo). Se necessário, a corda do DIU passando através do cérvix pode ser cortada para reduzir os riscos de expulsão.
            

VÁRIOS FORMATOS DE COPOS MENSTRUAIS


          É válido também mencionar um único caso reportado na literatura médica onde um tipo de copo menstrual ficou agarrado dentro da estrutura vaginal de uma mulher (Ref.8), requisitando assistência médica para retirá-lo, mas sem ter trazido qualquer tipo de dano. E reforçando: isso é MUITO difícil e raro de ocorrer. Outro caso raríssimo reportado na literatura acadêmica foi de uma mulher de 25 anos que desenvolveu uma ureterohidronefrose - acompanhada de muita dor - devido ao posicionamento inapropriado do copo menstrual (Ref.19). Os ureteres passam perto da parede lateral da vagina antes da entrada na bexiga. Essa localização indica que esses canais urinários podem ficar presos no copo menstrual devido ao efeito de sucção. O copo menstrual precisa ser inserido ao redor do cérvix. E, no caso da paciente do relato de caso, estava inapropriadamente introduzido lateralmente, como pode ser claramente observado na imagem de tomografia computacional (CT) abaixo. Apenas dois relatos prévios na literatura acadêmica reportaram casos similares. Em todos os casos, remoção do copo menstrual resolveu o problema, com imediata resolução da dor.



- Continua após o anúncio -



   SÍNDROME DO CHOQUE TÓXICO (SCT)

            O uso de absorventes diversos e copos menstruais são muito seguros se devidamente utilizados, especialmente se o quesito higienização for seguido religiosamente. Caso contrário, podemos ter uma desagradável visita bacteriana.

            O termo 'síndrome do choque tóxico' foi primeiro utilizado em 1978 em uma publicação da Lancet (um periódico científico) descrevendo um espectro de sintomas em crianças de 8 a 17 anos de idade com uma doença febril aguda. Porém, o termo não veio à atenção do público até 1980, quando uma associação entre SCT e jovens mulheres menstruando que estavam usando tampões - incluindo a morte de 63 mulheres - foi descoberta. Os fatores de risco incluíam a utilização de tampões de alta absorção e o seu prolongado, contínuo uso. Casos ocorrendo em homens e mulheres não menstruando foram depois identificados e reconheceu-se, então, que o SCT ocorria em qualquer população.

           A associação entre SCT e os tampões de alta absorção compreende os prováveis seguintes fatores (todos favorecendo um maior crescimento da bactéria Staphylococcus aureus):

1. Acumulação de sangue nos cubos e chips de forro de poliéster da carboximetilcelulose;
2. Aumento do pH vaginal na menstruação de 4,2 para cerca de 7,4;
3. Existência tanto de oxigênio quanto de dióxido de carbono na vagina durante a menstruação.

          De qualquer forma, conscientização do público e mudança na composição de tampões para produtos com materiais menos absorventes levaram a uma significativa diminuição na incidência de SCT relacionado à menstruação a partir da década de 1990.

          O SCT Menstrual é uma doença muito severa, multissistêmica e mediada por toxina bacteriana que está associada com a falha de múltiplos órgãos, essa última a qual é causada em quase todos os casos (95%) pela 'S. aureus SCT toxina 1' (SCTT-1). Essa toxina age como um super-antígeno, estimulando uma excessiva e não-convencional ativação de células T e, subsequentemente, a grande expressão de citocinas. Super-antígenos contornam a principal histocompatibilidade normal de reconhecimento de antígenos e ativam 30% das células T hospedeiras, enquanto antígenos convencionais geram uma ativação de aproximadamente 0,01% da população de células T hospedeiras. Eventualmente, uma abundante liberação de citocinas acaba causando falhas em múltiplos órgãos.

             Entre os sintomas de uma SCT, temos:

- Súbita febre alta
- Dores musculares
- Vômitos
- Náusea
- Vermelhidões
- Diarreias
- Entre outros ligados às falhas de órgãos diversos

         O tratamento da SCT inclui ativa ressuscitação por fluídos, uso de vasopressores e apropriada terapia antimicrobiana. Outras estratégias podem ser usadas dependendo da gravidade e do paciente.

        Mas algo que deve ficar claro é que hoje a maioria dos casos de SCT não são causados pelo uso de tampões. Por outro lado, você pode estar sob risco caso use mais tampões absorventes de que precisa para o seu sangramento ou se você não o troca com suficiente frequência (no mínimo a cada quatro ou oito horas). Nesse sentido, copos menstruais, capas cervicais, esponjas ou diafragmas (qualquer coisa inserida na vagina) pode aumentar seu risco de desenvolver uma SCT se tais produtos são deixados inseridos no canal vaginal por tempo muito prolongado (geralmente cerca de 24 horas). Remova esponjas a cada 30 horas e capas cervicais a cada 48 horas. Os copos menstruais devem ser trocados de 10 em 10 horas no máximo.

         Apesar do silicone - material do copo menstrual - não dar suporte para o crescimento microbiológico, a presença de sangue acumulado no ambiente uterino é suficiente para promover o crescimento da bactéria S. aureus durante a menstruação, assim como outros produtos inseridos dentro da vagina. Mas se você troca com devida frequência os copos menstruais - especialmente tratando-se de mulheres com maiores fluxos ou irritação na mucosa vaginal -, não existe risco significativo. São poucos os casos de SCT ligado aos copos menstruais reportados na literatura acadêmica, apesar disso não significar necessariamente que os copos são uma opção mais segura nesse quesito.

          Aliás, um estudo experimental publicado em 2018 na Environmental Microbiology (Ref.15) encontrou um pequeno maior crescimento populacional da S. aureus e maior produção de toxinas nos copos menstruais quando comparado com tampões hoje utilizados (como os de algodão). A explicação para essa diferença, segundo os pesquisadores, pode ser devido à maior introdução de ar oxigenado na região onde o sangue é coletado durante a colocação do copo (bactéria aeróbica). Nesse sentido, eles recomendam, quando possível, copos menstruais menores para limitar esse efeito.    


    RELATO DE CASO (SCT)

            Uma mulher de 20 anos de idade foi conduzida ao departamento de emergência pelo seu médico de atenção primária, no sexto dia de menstruação, por causa de uma febra, calafrios, vômitos e dor abdominal inferior que já duravam 4 dias. A paciente não tinha nenhum histórico médico significativo e não era sexualmente ativa. Seus ciclos menstruais eram geralmente regulares e duravam três dias. Um ano atrás, ela parou de usar tampão para a coleta de sangue menstrual e começou a usar copos menstruais reutilizáveis, tomando os cuidados apropriados de higiene entre os usos. No entanto, por causa de uma recente falta de sabonete na sua casa, ela passou a limpar os copos menstruais com água quente antes de cada uso. 

          Antes da apresentação no hospital, a paciente removeu o último copo menstrual. Na chegada ao departamento de emergência, os sinais vitais eram significativos para hipotensão (pressão sanguínea de 96/60 mmHg), taquicardia (taxa de batimentos cardíacos de 156 batidas/minuto), febre de 39,3°C e taxa respiratória de 18 respirações por minuto. No exame físico, o abdômen estava mole, mas dolorido ao apalpamento, e com um vermelhidão eritematoso na parte inferior. Exame vaginal revelou inchaço e eritema do lábio maior bilateralmente, com uma secreção amarelada e uma leve mancha menstrual.

           Testes sanguíneos foram significativos para leucocitose com concentração de leucócitos de 15,7 K/uL (referência 4,8–10.8 K/uL), neutrofilia de 93,8% (referência 44-80%), excesso de leucócitos imaturos (39%, referência 2-10%), acidose lática de 2,16 mmol/L (referência 0-2 mmol/L), e procalcitonina elevada de 8,68 ng/mL (referência 0-0,09 ng/mL). Culturas da vagina, urina e sangue foram obtidas, e a paciente começou a receber antibióticos intravenosos, incluindo piperacilina-tazobactam, vancomicina e clindamicina. Os testes para clamídia, gonorreia e HIV vieram negativos.

           Apesar de agressiva ressuscitação com fluídos e antibióticos de amplo espectro, a paciente permaneceu hipotensiva pelas próximas horas. Ela então recebeu vasopressores e foi admitida na unidade de tratamento intensivo (UTI). Uma dose de imunoglobulina intravenosa foi dada devido à deterioração do estado clínico da paciente. No segundo dia de hospitalização, a cultura genital revelou infecção pela bactéria Staphylococcus aureus, e então a administração de antibióticos foi de-escalada para clindamicina e vancomicina. O estado clínico da paciente finalmente melhorou, e a terapia com imunoglobulina foi descontinuada.

          No terceiro dia de admissão hospitalar, a paciente foi liberada dos vasopressores. A cultural genital revelou também que a S. aureus era suscetível a meticilina, e resistente à clindamicina. Isso levou à troca dos antibióticos administrados pela cefazolina. A paciente permaneceu clinicamente estável e foi subsequentemente liberada do hospital sob compromisso de acompanhamento.

          O caso - descrito e reportado no periódico EDCases (Ref.22) -  reforça a importância de higienização apropriada dos copos menstruais, além da troca frequente. Antes do primeiro uso do copo menstrual, recomenda-se fervê-lo por 5-10 minutos. Antes da inserção e após a remoção, lave toda a extensão do copo com um sabonete suave, sem aroma e livre de óleo, prestando atenção nos detalhes. Após secagem, com uma toalha limpa, guarde o corpo em um local seco e limpo, se possível em uma bolsa de algodão (Ref.23).

------------
> Um estudo publicado em 2022 no periódico International Journal of Environmentl Research and Public Health (Ref.30) concluiu que limpar o copo com água e sabão e depois colocá-lo sob água fervente por 5 minutos é suficiente para efetivamente eliminar a bactéria S. aureus.
------------

   OUTRAS ALTERNATIVAS SUSTENTÁVEIS

           Existem outros produtos de higiene pessoal para a coleta de sangue menstrual que podem ser tão eco-amigáveis, sustentáveis e econômicos quanto os copos menstruais. Podemos citar em especial os discos menstruais e as calcinhas absorventes.

   DISCOS MENSTRUAIS

          O Disco Menstrual tem a mesma função do Coletor Menstrual, mas com um diferencial. Com o Disco Menstrual você consegue ter relações sexuais durante o ciclo menstrual, ao contrário do Coletor Menstrual, o Disco tem um tecido mais maleável e não tem a haste para puxa-lo quando quiser retirar.  



          O disco menstrual custa em média R$80,00, durando tipicamente de 3 a 5 anos de uso, dependendo do cuidado com o produto.


   CALCINHA ABSORVENTE

           A calcinha absorvente ou menstrual como o mesmo nome fala, é uma calcinha como qualquer outra, mas que suporta a menstruação. A mesma serve para substituir os absorventes descartáveis de uma forma confortável. A calcinha absorvente é composta de 3 tecidos e os mesmos suportam a menstruação durante horas, dependendo do fluxo do usuário. O tecido da Calcinha é antimicrobiano e contém bloqueador de odores e alta capacidade de absorção. Terminando de utilizar, é só lavar com sabonete neutro e colocar para secar, e está pronta para ser usada novamente. Dependendo do cuidado com a calcinha, ela pode durar até 3 anos. 


          A calcinha absorvente básica custa em média R$53,00. O ideal é comprar entre 2 a 3 calcinhas, para facilitar as trocas ao longo do dia.

> Existe também a cueca absorvente ou menstrual visando homens trans (indivíduos transgêneros do sexo feminino).

> Para sangramento menstrual pesado, discos menstruais podem ser uma melhor opção, já que conseguem comportar >60 mL de sangue na média e até um máximo de 80 mL. Tampões, absorventes e copos menstruais possuem quantidades similares de sangue (aproximadamente 20-50 mL). Calcinhas absorventes possuem a menor capacidade de retenção (<3 mL). Ref.35


- Continua após o anúncio -



   CONCLUSÃO

          Os copos menstruais estão ficando cada vez mais populares, e estudos mostram uma grande satisfação reportada pela maioria das mulheres que os usam (acima de 73-90%). São produtos muito seguros e podem ser usados como uma válida alternativa aos outros produtos de controle do fluxo menstrual. Se utilizados corretamente, esvaziados com suficiente frequência e forem bem higienizados, não existe risco significativo à saúde com o uso de copos menstruais, e estes ainda trazem uma dramática economia financeira a longo prazo e uma robusta redução nos impactos ambientais, especialmente em termos de poluição plástica. Nesse mesmo caminho, copos menstruais podem ser uma solução parcial para o sério problema da pobreza menstrual

------------
> A pobreza ou precariedade menstrual é caracterizada pela falta de produtos básicos de higiene durante a menstruação e estende-se até o alcance a uma infraestrutura digna para a capacidade de cuidar da menstruação, o que se refere a ausência de banheiros seguros e limpos, saneamento básico e coleta de lixo. Ref.36
------------

          Um robusto estudo de revisão e meta-análise publicado em julho de 2019 no periódico The Lancet (Ref.17) reforçou que os copos menstruais são uma opção segura para a menstruação e que já estão sendo usados internacionalmente com grande aceitabilidade entre as mulheres. Foram 43 estudos elegíveis para análise (3319 participantes), explorando copos vaginais, cervicais, mistos (ou de tipo desconhecido), com 15 desses estudos analisando indivíduos de países de renda baixa ou média.

          Um estudo de revisão sistemática mais recente publicado na Revista Colombiana de Obstetricia y Ginecología (Ref.18), após análise de 737 estudos na literatura acadêmica, encontrou que a aceitabilidade do copo menstrual variou entre 35% e 90%, e que entre 10% e 45% das mulheres encontraram dificuldade para usá-lo. Porém, o copo menstrual foi descrito como mais confortável quando comparado com tampões e absorventes. O uso continuado variou entre 48% e 94%. Em termos de segurança, foram muito raros os casos de sérios efeitos adversos.

           Nesse último ponto, apesar de muitas marcas desses produtos propagandearem que os copos são 100% seguros, existem pequenos riscos de infecção - assim como ocorre com os tampões - e alguns casos raros e isolados de complicações de diferentes naturezas são reportados. Além disso, variações no material e nas dimensões dos copos menstruais podem torná-los mais ou menos confortáveis dependendo do usuário, implicando em riscos de lesões e maior dificuldade de uso, e orientações nesse sentido são ainda deficientes nas instruções produzidas pelos fabricantes. Por isso é importante não apenas seguir as instruções recomendadas de uso, mas também, se possível, buscar orientação médica antes da compra.

------------
CURIOSIDADE: Na série The Last of Us (adaptação do jogo eletrônico de mesmo nome pelo canal HBO), a qual retrata um mundo pós-apocalíptico*, o copo menstrual é apresentado no 6° episódio da 1° temporada - apontando que o acessório é uma óbvia escolha para um cenário de extrema escassez de recursos básicos. A iniciativa da série - bastante popular - pode ajudar a melhor divulgar o copo menstrual para o público. Em países em desenvolvimento e subdesenvolvidos, a falta de informação sobre os copos menstruais ainda é um grande obstáculo para o seu maior uso pela população feminina.

Personagem Ellie na série The Last of Us (HBO), curiosa sobre o coletor menstrual.

*Leitura recomendada
-----------




REFERÊNCIAS CIENTÍFICAS
  1. https://medlineplus.gov/menstruation.html
  2. https://www.womenshealth.gov/menstrual-cycle/your-menstrual-cycle#3
  3. https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/28473520
  4. https://playsafe.health.nsw.gov.au/sex-ed/menstrual-cups
  5. https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC4556184/
  6. https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC3114692/
  7. https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/22464406
  8. https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/22648895
  9. https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/25682816
  10. https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC5566618/
  11. https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/11704173
  12. https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmedhealth/PMH0072478/
  13. https://www.cdc.gov/ncbddd/blooddisorders/women/menorrhagia.html
  14. https://www.contraceptionjournal.org/article/S0010-7824(19)30125-8/abstract
  15. https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/29678918
  16. https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC6000733/
  17. https://www.thelancet.com/journals/lanpub/article/PIIS2468-2667(19)30111-2/fulltext
  18. http://www.scielo.org.co/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0034-74342020000200163
  19. https://www.sciencedirect.com/science/article/pii/S2214442019304292
  20. https://www.ejcrim.com/index.php/EJCRIM/article/view/1825
  21. https://criticalcareshock.org/files/2020/07/Toxic-shock-syndrome-related-to-the-use-of-a-menstrual-cup-in-a-pediatric-patient.pdf
  22. https://www.sciencedirect.com/science/article/pii/S221425092100127X
  23. https://divacup.com/care-cleaning/
  24. Peter & Abhitha (2021). Menstrual Cup: A replacement to sanitary pads for a plastic free periods. Materials Today: Proceedings, Volume 47, Part 15, 2021, Pages 5199-5202. https://doi.org/10.1016/j.matpr.2021.05.527
  25. Manley et al. (2021). Comparison between menstrual cups: first step to categorization and improved safety. Women's Health, Volume: 17. https://doi.org/10.1177%2F17455065211058553
  26. Gharacheh et al. (2021). Acceptability and safety of the menstrual cups among Iranian women: a cross-sectional study. BMC Women's Health 21, 105.
  27. Fahs & Swank (2021). Menstrual Knowledge and Understandings of Normal and Extreme Bleeding: College Students’ Overestimation of the Typical Amount of Menstrual Blood. Women’s Reproductive Health, 8(2), 115–136. https://doi.org/10.1080/23293691.2021.1901520
  28. https://www.sciencedirect.com/science/article/pii/S221339842200255X
  29. Wunsch et al. (2022). In Vitro Study to Assess Effective Cleaning Techniques for Removing Staphylococcus aureus from Menstrual Cups. International Journal of Environmentl Research and Public Health, 19(3), 1450. https://doi.org/10.3390/ijerph19031450
  30. Bowman & Thwaites (2023). Menstrual cup and risk of IUD expulsion – a systematic review. Contracept Contraception and Reproductive Medicine 8, 15. https://doi.org/10.1186/s40834-022-00203-x
  31. Citta et al. (2024). Promoting menstrual cups as a sustainable alternative: a comparative study using a labeled discrete choice experiment. Frontiers in Sustainability, Volume 5. https://doi.org/10.3389/frsus.2024.1391491
  32. Brown et al. (2024). Menstrual cup use and intrauterine device expulsion in a copper intrauterine device randomized trial. Contraception, Volume 134, 110415. https://doi.org/10.1016/j.contraception.2024.110415
  33. Balkan & Koyucu (2024). The menstrual cup knowledge, attitudes, and behaviors of Turkish women in reproductive age. European Journal of Obstetrics & Gynecology and Reproductive Biology, Volume 292, Pages 239-243. https://doi.org/10.1016/j.ejogrb.2023.11.034
  34. Viana, Esther Moreira. (2023) O uso de opções sustentáveis durante o ciclo menstrual: possíveis impactos para a  redução dos resíduos sólidos. TCC (Curso Superior de Tecnologia em Gestão Ambiental) – Instituto Federal de Pernambuco, Recife.
  35. DeLoughery et al. (2023). Red blood cell capacity of modern menstrual products: considerations for assessing heavy menstrual bleeding, BMJ Sexual & Reproductive Health, Volume 50, Issue 1. https://doi.org/10.1136/bmjsrh-2023-201895
  36. Lima et al. (2023). Menstrual poverty among adolescents from a state school in Rio Verde – Goiás . Research, Society and Development, v. 12, n. 5, p. e15112541629. https://doi.org/10.33448/rsd-v12i5.41629