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O que são as Velas Solares?


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        Algo que antes só podia ser pensado como fruto de ficção científica, hoje as Velas Solares são muito mais do que projetos plausíveis, são veículos de exploração espacial já em uso e que podem realizar nossas tão sonhadas ambições de alcançar as fronteiras da nossa galáxia. Utilizando o Sol como propulsor inicial, missões que demorariam décadas podem agora ser alcançadas em anos, e custos antes exorbitantes podem se tornar ínfimos.

           Missões interplanetárias e até mesmo aquelas que almejam ultrapassar o Sistema Solar, precisam possuir um sistema de navegação e propulsão muito eficiente. A grande parte das espaçonaves hoje são movidas por combustíveis embutidos, os quais são consumidos durante a viagem e somam massa nesses veículos. O grande problema desse método de propulsão é que, mais cedo ou mais tarde, o combustível irá acabar após uma distância coberta relativamente muito curta, limitando bastante o potencial de excursão. Mas, e se pudéssemos usar uma fonte de propulsão que não requer uma carga de combustível pré-anexada? E mais: uma fonte de propulsão gratuita, abundante e quase onipresente no nosso Sistema Solar? Sim, estou falando da nossa grande e linda estrela, o Sol. Ajustando painéis ao redor da espaçonave ou sonda, a luz pode impulsioná-las, de forma parecida com reais velas de barcos impulsionadas pelos ventos!

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   O QUE SÃO AS VELAS SOLARES?

         Porém, é preciso esclarecer primeiro o que realmente é o conceito de 'Vela Solar'. As pessoas geralmente confundem essas 'velas' com 'células solares', pensando que elas servem para gerar energia elétrica a partir da luz do Sol. Na verdade, o funcionamento das Velas Solares é realmente similar com as velas de barcos, só que é outro erro pensar que o processo é o mesmo ou que ele tem relação com os ventos solares (*). A luz solar é composta por um grande espectro de radiação eletromagnética, incluindo a luz visível (responsável pelas cores). Todas as radiações eletromagnéticas são compostas por partículas-ondas chamadas de 'fótons', estes os quais são os famosos pacotes de energia que compõem a luz. Os fótons viajam à velocidade de praticamente 300000 km/s e cada faixa de radiação eletromagnética representa uma energia (E) associada com um fóton, as quais definem um comprimento e uma frequência de onda específica. Quanto maior a energia, maior a frequência e menor o comprimento de onda.

             Apesar do fóton ser uma partícula sem massa de repouso (1), ele possui momento linear (p) definido pela fórmula p=E/c. Quando os fótons atingem as velas, essas partículas transmitem momento linear para elas por absorção (igual uma superfície negra absorvendo o espectro de cores visíveis) ou reflexão (igual à sua imagem refletida em um espelho padrão) na superfície metálica de cobertura. Isso gera uma pressão que empurra a espaçonave em uma determinada direção, esta a qual pode ser controlada pelo manejamento das velas.


 
           É estranho pensar que a luz possa causar pressão nos corpos, mas só não percebemos isso aqui na Terra porque essa força imposta é muito pequena, sendo mascarada por diversos outros eventos no ambiente ao nosso redor. Porém, no espaço, ela faz muita diferença porque não existe praticamente nada ao redor dos corpos, apenas o vácuo espacial (2). Assim, qualquer força exercida sobre eles irá influenciar bastante na trajetória com o tempo. Para se ter uma ideia, a força exercida pela luz solar faz com que espaçonaves e sondas tradicionais mandadas para as missões interplanetárias desviem até milhares de quilômetros da sua direção inicial! Por isso, nos cálculos de trajetórias, as agências espaciais precisam levar isso em conta e compensar os desvios. E a força gerada pelos fótons emitidos pelo Sol irá depender da distância em relação a essa estrela, já que a quantidade dessas partículas emitidas atingindo um determinado corpo irá cair cada vez mais quanto mais longe ele estiver.

          Outro fator que influenciará na pressão solar transmitida será a taxa de reflectância. Em uma Vela Solar ideal, a reflectância seria 100%, mas em uma real a taxa acaba sendo de 90%, ou menor, com o restante, na sua grande parte, sendo de fótons absorvidos. A uma distância de 1AU (correspondendo à distância entre o Sol e a Terra), as forças seriam de:

1. 4,54 microNewtons por metro quadrado para uma perfeita absorção, com a direção dessa força coincidindo com a direção da luz incidente (colisão inelástica);

2. 9,08 microNewtons por metro quadrado para uma perfeita reflectância, com a direção dessa força coincidindo com a componente normal da superfície de reflexão (colisão elástica);

          Fica óbvio, portanto, que o ideal é permitir o máximo possível de reflexão, onde a força gerada será o dobro. Com isso, os ângulos das velas espelhadas precisam ser muito bem ajustados e a sua superfície precisa refletir muito bem a luz (3). Em uma vela solar de 800 metros de largura por 800 metros de comprimento, a 1AU de distância, a força total inicial sendo captada seria de 5 N (5 Newtons), ou cerca de 0,5 kg de peso. Pode parecer muito pouco, mas lembre-se novamente: estamos no vácuo espacial! Não existe força de atrito com ar algum. A espaçonave continuará com a sua velocidade desenvolvida sempre, caso não existam outros obstáculos em seu caminho. Portanto, a aceleração infringida por essa pequena força iria acumular velocidade continuamente com o tempo e, por menor que ela fosse, no final poderíamos ter uma velocidade assustadora.

          Claro que a pressão exercida pela luz solar diminuiria pelo quadrado da distância em relação ao Sol, e por isso estamos imaginando velas tão grandes. Mas vamos considerar uma menor, com cerca de 200x200 metros de dimensão e 100 quilos de massa. Como descrito em um trabalho científico de 2006 (Ref.4), se mandarmos essa vela solar em direção ao Sol para um ganho máximo de velocidade, ela poderia alcançar valores de velocidade em torno de 400 km/s! Como a energia solar aumentaria com a distância ao quadrado, perto do Sol teríamos cerca de 47 mil vezes mais energia de luz do que na órbita da Terra, algo que nutriria bem de momento nossa Vela Solar com pressões entre 0.2 e 0.35 N/m2. Viajando em velocidades como essa, ficaria bem mais fácil explorar outros planetas fora do Sistema Solar! Isso sem contar que mais velocidade continuaria se acumulando com a contínua emissão de fótons pelo Sol enquanto a Vela Solar viaja para longe dele. Essa é a beleza desse sistema de propulsão!

Vela Solar desenvolvida pela NASA/Foto: NASA

          Para as espaçonaves aproveitarem o máximo da luz solar, elas precisam ter velas com a maior área de captação solar possível e serem muito pouco densas. Assim, seguindo nossa clássica fórmula newtoniana 'F=ma', teremos cada vez mais potencial de aceleração para o sistema. Normalmente, são usados filmes ultrafinos de alumínio (com alguns nanômetros de espessura) depositados sobre uma base plástica. Mas diversas pesquisas já possuem outros materiais como candidatos de teste, como as nanoestruturas de carbono servindo de esqueleto e filmes metálicos refletores cada vez menos espessos para diminuir ainda mais a densidade das velas. É teorizado que o desenvolvimento de estruturas como essas podem gerar acelerações de 0,3 m/s2, sendo possível alcançar Plutão, por exemplo, em menos de 100 dias com esses veículos! Tecnologias que permitam diminuir ainda mais a densidade das velas, mas manter a performance (nanogrades, por exemplo) podem gerar acelerações superiores a 100 m/s2, tornando possível alcançar a estrela mais próxima do nosso Sistema Solar em algumas décadas.

         Além disso, os materiais de base para esses veículos precisam resistir bem às radiações mais energéticas emitidas pelo Sol, como os raios ultravioletas, raios X, raios gama,  íons em grandes velocidades, etc. Isso se torna ainda mais importante se a viagem for em direção ao escaldante Sol por motivos de propulsão máxima.

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   VELAS DE META-FILMES DIFRATIVOS

        Mais recentemente, pesquisadores do RIT (Rochester Institute of Technology) estão oferecendo uma nova tecnologia de velas solares para a NASA. Baseada em metamateriais difrativos, essa nova classe de velas viria para substituir as velas metálicas refletivas tradicionais com várias vantagens:

1. Menor absorção: A superfícies difrativas propostas eliminariam problemas inerentes às superfícies metálicas, onde o aquecimento exagerado nessas últimas comprometem os substratos das velas.

2. Reuso de fótons: Velas difrativas reciclariam os fótons transmitidos, convertendo-os em energia elétrica solar ou difratando a luz duas vezes para adicionar momento (velas refletivas refletem os fótons de volta para o Espaço ou os absorvem na superfície metálica).

3. Orientação otimizada: Velas difrativas mantêm uma posição mais eficiente encarando o Sol, permitindo uma propulsão altamente eficiente e geração de energia elétrica solar em células fotovoltaicas incorporadas (as velas refletivas trabalham melhor quando a sonda na qual elas estão anexadas está inclinada; no entanto, essa orientação diminui a projeção da força solar sobre as velas).




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   DA FICÇÃO PARA A REALIDADE

          E tudo isso não fica no papel! Além de vários modelos reais de Velas Solares existirem e estarem também em construção, um desses veículos já foi lançado com sucesso no Espaço pelos japoneses. O projeto, desenvolvido pela JAXA (Agência de Exploração Espacial do Japão, na tradução da sigla em inglês), mandou, em 2010, uma Vela Solar de 20 metros de comprimento (de uma ponta da vela à outra) e 2 kg de massa em direção a Vênus. Lançada em Junho daquele ano e chegando ao seu destino em Dezembro do mesmo ano, ela provou que a tecnologia da Vela Solar funciona perfeitamente no campo prático. Mesmo com o seu pequeno porte e caráter de teste, em Agosto de 2013 o IKAROS chegou a acumular 400 m/s de velocidade proporcionada pela pressão solar.

Miniatura do IKARO

Passo a passo da abertura das velas do IKAROS, a partir do modelo compacto (1) lançado no espaço

         Apesar das suas claras limitações de massa a ser transportada e materiais mais avançados para a estrutura desses veículos, as Velas Solares oferecem um magnífico futuro de esperança para a simples e pura exploração espacial, especialmente para outros sistemas estelares dentro da Via Láctea. Além disso, com um pouco mais de desenvolvimento tecnológico, poderá ser possível transportar pequenas massas entre os planetas do nosso Sistema Solar com custos baixíssimos e pequeno gasto de tempo, algo que poderia ajudar enormemente pesquisas científicas (coleta e entrega de amostras). E eu já imagino um futuro distante com verdadeiros 'Piratas Espaciais' navegando pelo Sistema Solar! (Risos)

(1) Entenda melhor o assunto em: A velocidade do Flash

(2) O vácuo pode não ter ar, mas ele, provavelmente, não é nada ´vazio´. Recomendo o artigo: O que são a Matéria e a Energia Escuras?

(3) Normalmente, as superfícies metálicas de tamanhos médios refletem bem as radiações eletromagnéticas com maiores comprimentos de onda (menos energéticas), como parte do UV, luz visível e infravermelho. Ondas muito grandes, como as de rádio precisam de superfícies muito grandes e ondas muito pequenas, como o raio X e o raio gama, não interagem muito bem com os átomos de materiais com baixa densidade, passando direto por eles na maioria das vezes.
       
(*) OBSERVAÇÃO: Velas Elétricas de Ventos Solares, e Velas Magnéticas são veículos parecidos com as Velas Solares, mas que usam os ventos solares (compostos de partículas muito energéticas e carregadas disparadas pelo Sol) para serem impulsionados. Porém, cuidado! Aqui, o funcionamento não é por pressão solar, já que a densidade dos ventos solares é muito baixa para causar efeitos significativos do tipo (em comparação com a luz solar, a pressão exercida pelo vento solar está em uma escala exponencial 3 vezes menor). As partículas carregadas, ao invés disso, iriam interagir com circuitos elétricos e magnéticos dessas velas.

CURIOSIDADE: Para gerar gigantescas velocidades, em frações significativas da velocidade da luz (cujo valor aproximado é de 300 000 km/s), existe a ideia de construir poderosos e gigantescos lasers aqui na Terra para mandar luz contínua para as Velas Solares, acelerando-as o máximo possível e compensando as perdas de pressão solar sofridas pela maior distância do Sol. Mas tais sistemas de lasers poderiam requerer centenas de terawatts de energia elétrica para funcionarem de modo ideal, algo ainda impossível de ser gerado pela nossa atual tecnologia e disposição energética. Além disso, a energia atravessando nossa atmosfera iria ser extremamente perigosa para aves, aviões e satélites. Com isso, provavelmente esses lasers teriam que ser anexados na Lua ou até mesmo em outros planetas, como Marte.

TIPOS DE VELAS SOLARES:



Artigo Relacionado: Como ir a um mundo onde ninguém mais foi?


REFERÊNCIAS CIENTÍFICAS
  1. http://ntrs.nasa.gov/archive/nasa/casi.ntrs.nasa.gov/20030093608.pdf
  2. http://ccar.colorado.edu/asen5050/projects/projects_2007/wilton_proj/
  3. http://www.niac.usra.edu/files/studies/final_report/333Christensen.pdf
  4. https://arxiv.org/ftp/physics/papers/0701/0701073.pdf
  5. http://arc.aiaa.org/doi/abs/10.2514/1.11134
  6. http://www.scientificamerican.com/article/lightsail-solar-sailing-launch-date/
  7. http://www.niac.usra.edu/files/studies/final_report/333Christensen.pdf
  8. https://www.jstage.jst.go.jp/article/tastj/8/ists27/8_ists27_To_4_25/_article
  9. http://ntrs.nasa.gov/search.jsp?R=20160006362
  10. http://news.nationalgeographic.com/2016/02/160202-solar-sail-space-nasa-exploration/ 
  11. https://www.nasa.gov/directorates/spacetech/niac/2018_Phase_I_Phase_II/Advanced_Diffractive_MetaFilm_Sailcraft/
  12. https://www.rit.edu/news/story.php?id=67269