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Como calcular a idade dos fósseis e da Terra?


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          A estimativa de idade do nosso planeta gira em torno de 4,54 bilhões de anos, e em torno de 4,56 bilhões de anos para o nosso Sistema Solar. As primeiras evidências de vida datam de ~4 bilhões de anos atrás. Os mais antigos fósseis descobertos de animais na Terra têm idades entre 500 milhões e 400 milhões de anos. Nossa espécie, o Homo sapiens, emergiu na África há cerca de 300 mil anos. Essas datações não são hipotéticas, e, sim, baseadas em ferramentas teóricas de geocronologia mais do que sólidas e eficientes. Mas como funciona o processo de determinação cronológica de eventos tão antigos na história geológica da Terra?

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   BACKGROUND HISTÓRICO

          Especulações e estudos diversos de cientistas sobre as formações geológicas e origem/natureza dos fósseis ganharam grande peso no século XVII, onde podemos citar os trabalhos do notório naturalista Dinamarquês Nicolas Steno (1638-1686). Nessa época os acadêmicos já analisavam com grande interesse a superposição de camadas de rochas, algo que claramente demonstrava um ordenamento de sedimentos mais antigos para os mais recentes de baixo para cima. Considerando as taxas de erosão e de transformação em geral observadas na superfície terrestre, essa estratificação geológica sugeria um processo de deposição - sucessões ou sequências sedimentares - que demorou muito tempo para ser estabelecido, no mínimo em uma escala de milhares de anos. 

           Até a segunda metade do século XVIII, época em que James Hutton, considerado o pai da Geologia, começou a estudar rochas da região de Edimburgo, na Escócia, acreditava-se que a Terra teria sido formada por influência divina, há não mais que 7000 anos. Em 1654, o arcebispo irlandês James Ussher utilizou uma complexa combinação de dados para obter a idade da Terra. A partir da cronologia bíblica, dados históricos e estudos astronômicos, ele determinou a Criação do mundo e suas criaturas no sagrado ano 4004 a.C., tendo John Lightfoot, diretor do St. Catherin´s College, Cambridge, Inglaterra, refinado ainda mais a datação do arcebispo, determinando que a Criação se deu exatamente às 9 horas da manhã do dia 26 de outubro daquele ano, data que foi impressa em várias edições da Bíblia.

          Obviamente, contudo, o contínuo avanço dos estudos científicos e investigações cada vez mais cuidadosas dos padrões naturais levou diversos acadêmicos a questionarem essas imposições cronológicas baseadas em interpretações da Bíblia. Próximo do final do século XVIII, por exemplo, o pensador Francês Buffonl concluiu que os eventos ocorridos no planeta sugeriam eras de dezenas de milhares de anos, paradoxo que ele denominou de 'abismo do tempo'. A idade da Terra, segundo Buffoni, seria algo em torno de 75 mil anos.

          Quando ficou estabelecido que os fósseis eram registros de organismos vivos que há muito tempo não mais existiam no planeta, e que diferentes camadas sedimentares traziam diferentes espectros de fósseis de diferentes linhas temporais, a idade bíblica e conceitos de Criacionismo foram gravemente abalados. Animais podiam ser extintos e a vida parecia ser muito antiga.

          A determinação da ordem de sucessão das camadas fossilíferas foi primeiro obtida na Grã-Bretanha pelos trabalhos de William Smith (1769-1839), este o qual foi levado a concluir que cada camada continha fósseis peculiares e que estes se sucediam na mesma ordem, pelo que formações muito afastadas de outras podiam ser consideradas como praticamente contemporâneas desde que contivessem grupos semelhantes de fósseis, os chamados fósseis-índices. Nesse sentido, Smith foi pioneiro no reconhecimento dos fósseis para determinar a idade relativa das rochas estratificadas.

           Para explicar as repentinas e múltiplas extinções em massas de seres vivos claramente apontadas pelos estudos dos fósseis, foi proposto no final do século XVIII que eventos catastróficos teriam ocorrido no passado da Terra. A hipótese levou o nome de 'catastrofismo', e era impregnada de dogmas religiosos.

          No século XIX, com a emergência da Teoria da Evolução por Seleção Natural e Sexual desenvolvida por Charles Darwin, temos finalmente proposto que os fósseis representavam sucessões de seres vivos no planeta que foram gradualmente evoluindo até o atual estado de biodiversidade da Terra. Isso entrou em grande choque com os dogmas religiosos Criacionistas e ideia de que a Terra possuía uma história geológica limitada à escala de milhares de anos. A Teoria Evolutiva de Darwin sugeria uma Terra com, no mínimo, centenas de milhões de anos.

          Em meados do século XIX já haviam sido feitas inúmeras estimativas sobre a idade da Terra, utilizando-se vários modelos. Alguns métodos eram demasiadamente precários, com as medições sendo baseadas em extrapolações grosseiras das taxas observadas de erosões e formação de sedimentos na superfície terrestre. Então, surge William Thompason (1824-1907), mais conhecido pelo título de Lorde Kelvin, que resolveu determinar a idade do nosso planeta admitindo que a Terra vinha sofrendo resfriamento contínuo desde um estado quente e fluido.  Através de cálculos termodinâmicos e partindo da suposição de que a Terra fazia parte do Sol e que, portanto, originalmente possuía a mesma temperatura dessa estrela, Kelvin estimou que a superfície terrestre demorou em torno de 100 milhões de anos para alcançar o atual estado de resfriamento, uma estimativa que ficava dentro de dois extremos: um mínimo de 20 milhões e um máximo de 400 milhões de anos. No entanto, Lorde Kelvin desconhecia diversos fenômenos geológicos cruciais para a dinâmica terrestre, como os mecanismos de convecção no interior do planeta e o aquecimento extra oriundo do decaimento de elementos radioativos.

          Então, entrando no século XX, três achados foram o ponto de revolução das datações geocronológicas: a descoberta do elemento rádio por Madame Curie, a descoberta, pelo marido de Curie, de que o rádio irradia constantemente calor, e a terceira, por Lorde Rayleigh, de que o rádio está largamente distribuído através de todas as rochas. Foi, portanto, revelada uma imensa fonte de calor: a radioatividade. Isso derrubava a base de cálculos de Kelvin e, junto com o entendimento cada vez maior do átomo e com o progresso da quântica, abria as portas para a datação radiométrica, a qual ganhou real impulso com os trabalhos do Geólogo Britânico Arthur Holmes (1890-1965). Em 1927, utilizando a abundância relativa de isótopos de urânio em cristais, e com a ajuda de Alfred O. C. Nier, Holmes - com uma incerteza de 100 milhões de anos para mais ou para menos - foi o primeiro a estimar a idade da Terra com o valor muito próximo daquele hoje aceito: 4,5 bilhões de anos.

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   DATAÇÃO RADIOMÉTRICA         

         Elementos radioativos são isótopos (a) instáveis que emitem radioatividade (raios gama e raios X, por exemplo) durante seu decaimento por tunelamento (b) de partículas alfas (prótons e nêutrons) ou beta (elétrons) do seu núcleo. Assim, um elemento antes com um número x de prótons e y de nêutrons em seu núcleo sofrerá uma variação no número dessas subpartículas, tornando-se um outro elemento químico (no caso, devido à variação específica do número de prótons). Isso pode se dar por três vias: ou um próton emite um elétron (beta) transformando-se em um nêutron; ou prótons acompanhados de nêutrons são ejetados do núcleo atômico (tipicamente um núcleo de hélio é ejetado); ou, mais raramente, pode ocorrer a captura de um ou dois elétrons pelo núcleo, transformando um ou dois prótons em um ou dois nêutrons. Porém, o fenômeno quântico de decaimento não é algo que, necessariamente, ocorre de forma imediata ou de uma hora para outra. Dependendo do elemento químico ou isótopo radioativo a ser considerado, um decaimento pode levar de milhares até bilhões de anos para ocorrer (c).

Um núcleo atômico expulsando uma partícula alfa (dois prótons e dois nêutrons), transformando um elemento em outro

          Na determinação temporal do decaimento radioativo são considerados os valores de meia-vida. Ou seja, o tempo que uma amostra de átomos radioativos de um mesmo elemento (isótopo pai) leva para ter metade deles transformados em outro elemento (isótopo filho). Esse valor é determinado através de cálculos obtidos experimentalmente do decaimento de amostras radioativas em laboratório (*) e refinados via soluções teóricas da probabilidade quântica. A desintegração radioativa envolve apenas o núcleo de um átomo-pai; a taxa não se altera quaisquer que sejam as condições físicas e químicas, como pressão, temperatura e soluções-tampão, o que torna o valor de meia-vida sempre fixo para um dado isótopo. Os átomos de um nuclídeo radioativo específico, qualquer que seja a sua idade, possuem cada um a mesma probabilidade de preservação ou desintegração. O processo é estatisticamente caótico e, por isto, pode-se estabelecer a desintegração por meio de uma constante de desintegração que indica a proporção de átomos radioativos existentes que se desintegrarão na unidade de tempo. Na datação radioativa, os elementos mais utilizados são:

1. Urânio-235 (d): demora 0.704 bilhões de anos para ter metade deles em uma amostra transformados em chumbo-207;

2. Urânio-238: demora 4.47 bilhões de anos para ter metade deles transformados em chumbo-206;

3. Potássio-40: demora 1,25 bilhões de anos para ter metade deles transformado em argônio-40 (e);

4. Rubídio-87: demora 48,8 bilhões de anos para ter metade deles transformados em estrôncio-87;

5. Samário-147: demora 106 bilhões de anos para ter metade deles transformados em neodímio-143;

6. Tório-232: demora 14 bilhões de anos para ter metade deles transformados em chumbo-208;

7. Rênio-187: demora 43 bilhões de anos para ter metade deles transformado em ósmio-187;

8. Lutênio-176: demora 35,9 bilhões de anos para ter metade deles transformado em háfnio-176;

9. Carbono-14: demora 5730 anos para ter metade deles transformado em nitrogênio-14 através de um decaimento beta;

         Ora, com esses dados em mãos, fica fácil estimar a idade de rochas antigas na Terra e de fósseis incrustados - ou impressos - nessas rochas! Todos os minerais e formações rochosas possuem, no mínimo, quantidades traços de elementos radioativos, especialmente se o material analisado for formado por compostos desses elementos. Por causa do decaimento, entre os isótopos pais existirão quantidades também dos isótopos filhos formados como produto desse processo. Por exemplo, uma amostra do mineral cristalino zircão contendo em sua estrutura um significativo número x de urânio-235, conterá também um número y de chumbo-207 devido ao decaimento e, com exceção de ocasionais contaminações na formação do cristal - as quais podem ser facilmente contabilizadas (f) -, temos que esse número y teve origem de parte da quantidade original de urânio-235 no cristal. Somando-se x com y, obteremos o total z de de urânio-235 originalmente presente na rocha. Se z/2 corresponde à meia vida do urânio-235 (0,704 bilhões de anos), z/4 corresponderá a outra adicional meia-vida, e assim por diante.


          Por exemplo, tomemos que x é 4 e y é 28 (lembrando que o número total precisa ser bem maior - b). Isso significa que metade, da metade, da metade do total de urânio-235 (y/8) foi transformado em chumbo-207, ou seja, 3 meias-vidas. Portanto, a idade daquela amostra é de 2,112 bilhões de anos! Agora, usando-se esse valor de meia-vida, é possível obter uma constante de decaimento dentro de uma fórmula matemática para relacionar a quantidade qualquer de x e y com a idade daquele material. Em outras palavras, esse decaimento obedece a uma cinética de primeira ordem, a qual relaciona uma função exponencial.


À medida que o tempo (t) passa, a concentração A do material radioativo original diminui exponencialmente seguindo uma função de cinética de primeira ordem; é válido notar que o decaimento não depende da quantidade inicial da amostra


        (*) Os valores tabelados de meia-vida são apenas um modo fácil de se calcular a idade de uma amostra radioativa coletada. Para se chegar primeiro à constante de decaimento (ou constante da cinética da reação) - 'k' - é bem simples: basta pegar uma amostra de urânio qualquer e verificar seu decaimento em números bem pequenos durante alguns meses de estudo. Ora, sim, em bilhões de anos metade de uma quantidade inicial de urânio irá decair em chumbo. Não dá para ficar esperando esse tempo para criar uma constante cinética de decaimento por via experimental. Mas, pode-se esperar um certo número de decaimentos ocorrerem em curtos espaços de tempo, algo que irá diminuir a concentração de urânio em função do tempo, independentemente da quantidade inicial (A0). Usando-se a diferencial da cinética de primeira ordem (pequena figura acima), relacionamos essa variação de concentração, por menor que ela seja, obtendo-se, com isso, a constante tão procurada (com uma certa margem de erro, claro). E é desse modo que primeiro foi determinado os tempos de meia-vida radioativos mais longos.


        Além da lógica básica por trás da radiometria - baseada em Física Nuclear e Física Quântica - muitos processos geológicos também precisam ser analisados para permitir esse método de datação. Como saber, por exemplo, quais rochas e pedras analisar? Como evitar contaminações das amostras? Qual é o procedimento de amostragem? Vamos continuar no caso do urânio.

          Dezenas a centenas de milhares de anos antes de uma grande erupção vulcânica, magma se acumula sob a superfície da Terra. Nesse magma, cristais de silicato de zircônio - chamados de zircões -, assim como vários outros cristais, se formam. Esses cristais de zircão são bem pequenos - apenas em torno de um décimo de milímetro - e, caso fossem puros, possuiriam em suas estruturas apenas zircônio, sílica e oxigênio. No entanto, como o comportamento químico e configuração eletrônica do elemento zircônio é muito similar aos do elemento urânio, à medida que os cristais de zircão se formam, uma ínfima mas significativa quantidade de urânio no ambiente acabam sendo incorporados à estrutura em substituição a átomos de zircônio. Porém, como chumbo possui um arranjo químico e propriedades de ligação muito diferentes do zircônio e do urânio, se torna pouco provável sua incorporação natural na estrutura do cristal. Isso significa que à medida que urânio sofre decaimento radioativo dentro do cristal, essa é geralmente a única fonte de chumbo ali dentro, forçado a se encaixar nas posições cristalinas que não fazem sentido com sua natureza de interação química. 

Cristal de zircão (silicato de zircônio, ZrSiO4), matriz perfeita para se fazer a datação com urânio (Método U-Pb)



          Assim, a época próxima da erupção vulcânica marca o início do relógio radioativo. Depois de formado o cristal - algo que pode levar de dezenas a centenas de milhares de anos em meio à dinâmica da lava, e que entra na incerteza da escala de tempo, a qual estará envolvendo de dezenas a centenas de milhões de anos - torna-se muito difícil que contaminações penetrem a estrutura. Os cientistas, portanto, procuram por esses cristais nas rochas. Um pedaço de granito pode conter até mil cristais de zircão - apenas algumas miligramas de material - e apenas uma pequena quantidade de cada cristal (algumas centenas de partes por milhão) será composta de urânio e chumbo. Mesmo com quantidades tão pequenas, técnicas analíticas modernas conseguem medir facilmente quantidades em ppm (partes por milhão) e ppb (partes por bilhão). No caso específico da datação radioativa, usa-se geralmente um espectrômetro de massa, já que estamos lidando com a análise de isótopos. No esquema abaixo, um procedimento padrão de amostragem para a datação radiométrica.


          O zircão contém aproximadamente 0,1% em urânio e ocorre em rochas de diferentes idades, sempre em pequenas quantidades. Todo urânio de ocorrência natural contém não só o U-238 radioativo mas também o U-235, sempre em uma relação de 138:1. O U-238 se desintegra para o Pb-206 e o U-235 para o Pb-207. Os dois elementos são utilizados para determinação de idades geológicas. Depois deste procedimento, as idades obtidas pelas razões U-235/Pb-207 e U-238/Pb-206 devem concordar, mostrando que o mineral comportou-se como um sistema fechado. São chamadas 'idades concordantes' e o valor que elas indicam é a idade radiométrica verdadeira.

          E dois fatos tornam a radiometria um método de datação extremamente confiável, que se somam às sólidas bases teóricas e procedimentos geoquímicos de análise:

1. Os cientistas usam várias seções da rocha de análise e no mínimo 5 cristais de zircônio para datar a amostra. Assim, evita-se que um cristal em específico tenha origem de outras erupções vulcânicas associadas a outros períodos geológicos. Nesse caso, caso um ponto de datação desvie significativamente, ele é eliminado da análise estatística.

2. E, claro, como existem vários elementos e isótopos radioativos, geralmente os cientistas datam uma amostra usando outros processos de decaimentos em diferentes cristais. De fato, seja usando potássio, urânio, tório, entre outros, os resultados das análises de datação radioativa sempre corroboram umas às outras, demonstrando o quão sólida é a validade dos cálculos teóricos e dando ainda mais suporte para a estatística nuclear da meia-vida.

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> No caso do urânio-238, pode se usar também outro fenômeno: fissão nuclear espontânea a partir do decaimento de outros átomos de urânio-235 ou -238. Esse fenômeno ocorre naturalmente, a uma taxa probabilística e razoavelmente constante de tempo, e promove a liberação de bastante energia dentro da matriz da rocha, causando fissuras consideráveis. Quanto mais fissuras por volume específico, maior o tempo da amostra rochosa.
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          Retornando à idade da Terra, os mais antigos cristais formados em sua estrutura são justamente os óxidos e silicatos de zircônio, os quais chegam a possuir até 4,1 bilhões de anos. No entanto, os mais antigos fragmentos de asteroides encontrados nas camadas terrestres contêm tais cristais com idade em torno de ~4,5 bilhões de anos. Os cientistas assumem, portanto, que a Terra é tão antiga quanto esses asteroides, já que o Sistema Solar provavelmente se formou a partir do colapso de uma nebulosa e porque o nosso planeta era geologicamente muito ativo no seu começo, destruindo quaisquer cristais de zircônio mais antigos.

           Para análises fósseis mais antigas, como a dos dinossauros, o método é o mesmo, onde os fósseis absorverão elementos radioativos da matriz rochosa em que estão, ou estarão incrustados ou impressos em rochas que podem ter sua idade medida diretamente. Assim, o mesmo método de análise pode ser usado para estimar a idade de seres que viveram aqui há milhões ou bilhões de anos. Com isso, analisando fósseis de organismos muito antigos, estima-se hoje que os primeiros traços de vida parece ter surgido no planeta tão cedo quanto 4,28 bilhões de anos atrás, período mais do que o suficiente para dar sólido suporte à Teoria da Evolução das Espécies. O gênero Homo deu as caras por volta de 2 milhões de anos atrás e os primeiros humanos modernos (Homo sapiens) em torno de 300 mil anos atrás.

           Para estimativas de idade mais recentes (em um limite em torno de 50-60 mil anos atrás) usa-se geralmente o método de datação de carbono-14, o qual permite uma precisão ainda maior por já estar incorporado no material orgânico do ser vivo caso este utilize, direta, ou indiretamente, o dióxido de carbono da atmosfera (g). Para se usar esse método, porém, é necessário conhecer as taxas individuais de utilização do carbono dentro do metabolismo, estimando-se, assim, quais seriam as concentrações encontradas de carbono no fóssil específico de um ser vivo. Aliás, essa técnica de datação por carbono-14 não se limita somente à fósseis, e, sim, engloba qualquer material orgânico (feito com moléculas contendo carbono). Documentos antigos, por exemplo, feitos de papel (celulose), podem ser datados com relativa facilidade usando-se essa técnica (h).

          A partir de 2014, a datação via radiocriptônio começou a ser amplamente utilizada (Ref.8). O criptônio-81 está presente na atmosfera terrestre e acaba sendo incorporado a várias matrizes, especialmente em camadas de gelo. Com uma meia-vida de 229 mil anos - decaindo para bromo-81 via captura de elétron -, esse elemento, por ser isótopo de um gás nobre, possui quase propriedades ideais de traço: não está envolvido com complicadas reações geoquímicas e, essencialmente, possui uma única fonte, a atmosfera. O isótopo argônio-39 - elemento nobre - também é utilizado, mas possui uma meia-vida de apenas 269 anos.

          Mas o método geocronológico da datação radioativa não é o única ferramenta modernas de datação na escala geológica. À medida que a ciência avança, novos métodos são criados - e antigos métodos otimizados. Nesse sentido, podemos citar mais três técnicas de datação complementares ou alternativas: aprisionamento de elétrons (termo-luminescência, luminescência opticamente estimulada e spin eletrônico), paleomagnetismo e relógio molecular.

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   DATAÇÃO ÓPTICA

          A datação óptica revolucionou nosso entendimento das mudanças climáticas, dos processos ocorrendo na superfície terrestre, e da evolução e dispersão humana que marcaram os últimos 500 mil anos. Esse método se baseia na emissão de um fóton anti-Stokes gerado pela recombinação elétron-buraco dentro de cristais de quartzo ou de feldspato. É realizada via técnicas de Luminescência Opticamente Estimulada (OSL) e de Luminescência Estimulada por Infravermelho (IRSL).

          Naturalmente, minerais que apresentam ampla banda proibida (bandgap) - espaço entre a banda de valência e a banda de condução eletrônica típica de materiais semi-condutores -, como o quartzo (um cristal de óxido de silício) e o feldspato (silicatos de alumínio com potássio, sódio, cálcio e, mais raramente, bário) -, contêm defeitos (traps), os quais capturam elétrons livres e buracos (regiões de carga positiva) quando expostos a radiação ionizante em uma camada sedimentar. A datação óptica se baseia na liberação de elétrons aprisionados (ou buracos) via fótons na faixa do visível ou do infravermelho próximo, levando a uma emissão de fóton anti-Stokes gerado durante a recombinação elétron-buraco. A intensidade do sinal emitido (OSL ou IRSL) é uma função da população geral da carga aprisionada dentro da grade cristalina (disposição de átomos de forma periódica em duas ou três dimensões), a qual por sua vez é uma função de quão longo tempo o cristal foi exposto a radiação ionizante desde que foi enterrado em uma camada sedimentar; essa duração temporal denota a idade deposicional dessa camada.

          O armazenamento de carga é possível devido a impurezas e átomos ausentes na estrutura cristalina desses minerais, os quais agem como armadilhas (traps) a certos níveis de energia na banda proibida (localizada entre a banda de valência e a banda de condução da eletrosfera dos átomos). A radiação ionizante produz uma redistribuição de carga, e uma porção de elétrons livres são aprisionados nas impurezas e espaços vazios da estrutura cristalina.

          Na prática, a datação OSL envolve a separação de quartzo ou feldspatos da amostra de sedimento seguido por estimulação de quartzo com fótons na faixa do verde (~2,3 eV) ou do azul (~2,64 eV), ou feldspato com fótons na faixa do infravermelho próximo (~1,4 eV) para obter, respectivamente, o OSL e o IRSL. A partir desses sinais, a dose absorvida de radiações ionizantes (em unidades de Gy = J/kg) é deduzida pela construção de uma curva de calibração de luminescência usando uma fonte laboratorial de radiação ionizante. A idade da amostra é calculada dividindo a dose absorvida pela taxa da dose absorvida; essa última é estimada através da análise do background radioativo e influxo de raios cósmicos.


          Esse mecanismo de datação implica que o OSL/IRSL acaba levando à destruição da informação dosimétrica do material, ou seja, a amostra não pode mais ser usada para uma nova leitura (buracos e elétrons aprisionados são "apagados" durante a recombinação). Nesse sentido, um estudo publicado em 2017 na Nature (Ref.11) aproveitou a emissão IRPL (fotoluminescência do infravermelho) oriundo da transição interna do elétron aprisionado para o trap principal para basear uma técnica não destrutiva do método, ou seja, medindo essa primeira emissão não aquela associada à recombinação.

           Os feldspatos são particularmente atrativos para a geocronometria porque possuem uma faixa de datação mais estendida do que o quartzo. Para uma típica taxa de dose na natureza (~2Gy/ka), o reservatório de aprisionamento inerente ao IRSL no feldspato satura em ~500 mil anos comparado com apenas ~100 mil anos no quartzo. 

          Além dos erros associados às estimativas do fluxo de radiação ionizante, temos também o tunelamento de elétrons aprisionados, os quais vencem espontaneamente o potencial de barreira do trap via mecanismo quântico. Isso leva a uma subestimação da taxa de dosagem, a qual precisa ser corrigida.

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> A carga armazenada nos cristais de quartzo e de feldspato ao longo do tempo pode ser também medida via estimulação térmica, com essa metodologia sendo chamada de técnica termoluminescente (TL).
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   RESSONÂNCIA DE SPIN ELETRÔNICO

          De forma similar à datação óptica, a datação por ressonância de spin eletrônico (ESR) baseia-se no aumento do número de elétrons aprisionados e buracos nas grades cristalinas de minerais induzidos por radiação natural ao longo do tempo, mas medidos diretamente através de um espectrômetro de ESR. Ou seja, não é preciso tratar a amostra com aquecimento (termoluminescência) ou luz (estimulação luminescente) para a liberação dos elétrons aprisionados.

          Como explicado, elementos radioativos - e em menor extensão raios cósmicos - fornecem radiações ionizantes (na maior parte partículas alfa e beta de urânio e tório, assim como de potássio-40) que arrancam elétrons do estado fundamental na banda de valência. Esses elétrons arrancados são então transferidos para um estado de mais alta energia (banda de condução), e buracos positivamente carregados permanecem próximos da banda de valência como resultado. Após um curto período de tempo de difusão, a maioria dos elétrons se recombinam com esses buracos e o mineral volta à sua constituição original. No entanto, todos os minerais naturais contém imperfeições, como defeitos nas grades cristalinas ou átomos intersticiais, os quais podem aprisionar elétrons quando estes estão voltando para a banda de condução. Os elétrons aprisionados podem ser medidos por um espectrômetro de ESR (faixa do raio-X), fornecendo linhas espectrais características. A intensidade da linha ESR é proporcional ao número de elétrons aprisionados, este o qual por sua vez depende de três parâmetros principais: (i) a força da dose radioativa (taxa), (ii) o número de buracos (sensibilidade), e (iii) a duração da exposição radioativa (idade).

           Assim como a datação óptica, o método ESR é particularmente útil para a datação de materiais do Quartenário devido ao fato de cobrir a lacuna entre o limite superior do método carbono-14 e o limite inferior do método 40Ar/39Ar (cerca de 200 mil anos), e pode fornecer idades de até 1 milhão de anos. É também bem útil para a datação direta de espécimes fósseis, porque ao contrário do carbono-14, não há necessidade da presença de colágeno, este o qual é geralmente perdido durante a fossilização. Sob certas condições específicas, os limites de datação por essa técnica podem ser potencialmente empurrados para menos de 1 mil anos até ~2-3 milhões de anos.


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   NUCLÍDEO COSMOGÊNICO

          A datação via nuclídeo cosmogênico usa as interações entre raios cósmicos e nuclídeos em pedras e rochas na superfície terrestre. Bastante usado para datações associados a processos glaciares, esse método é efetivo tanto em escalas curtas e longas de tempo (milhares ou milhões de anos), dependendo do isótopo sendo analisado. Os isótopos (nuclídeos cosmogênicos) mais comumente usados são o 3He e o 21Ne (isótopos estáveis de gases nobres), e o 10Be, 26Al, 36Cl e o 14C (isótopos radioativos). O uso de qualquer um desses nuclídeos se baseia na acumulação desses dentro dos minerais alvos, com a análise quantitativa moderada primariamente pelo processo de erosão superficial e, no caso de isótopos radioativos, pelo decaimento radioativo.

          A produção dos nuclídeos envolve três principais fases: (i) raios cósmicos primários, (ii) raios cósmicos secundários e (iii) nuclídeos via espalação nucleônica e reações muogênicas.

          A Terra está sendo constantemente bombardeada por radiação cósmica na forma de raios cósmicos primários. A maioria desses raios cósmicos são de origem galática (explosões de supernovas, por exemplo), compostos por partículas de alta energia (0,1-10 GeV) na forma de prótons (87%), partículas alfas (12%) e núcleos pesados (1%). Os raios primários podem também ter origem solar, com menores energias (<100 MeV), mas esses apenas produzem nuclídeos cosmogênicos na atmosfera superior ou durante intensa atividade solar. Devido à influência do campo magnético terrestre, a penetração de partículas dos raios cósmicos possui a menor taxa no equador e as maiores taxas nos polos. Variações naturais no campo magnético também mudam as taxas de penetrância em escalas geológicas de tempo.

          Os raios primários que penetram o campo magnético da Terra engatilham reações com os núcleos dos átomos no ar atmosférico que resultam em uma cascata de raios cósmicos secundários, compostos de núcleons de alta energia (ex.: prótons e nêutrons) e mésons (ex.: káons, píons e múons). Como a produção de raios secundários engatilha mais colisões e interações e resulta em um espalhamento e absorção de energia, a intensidade dos raios secundários diminui ao longo de altitudes cada vez mais baixas. Essa diminuição da intensidade é chamada de atenuação, e varia com a densidade do material através do qual os raios secundários estão passando. Nas menores latitudes, os raios cósmicos secundários possuem maior energia, ou seja, precisam atravessar mais atmosfera para que o fluxo das partículas seja reduzido na mesma intensidade do que os raios nas altas latitudes.



          Quando finalmente chegam à superfície terrestre, as partículas associadas aos raios cósmicos secundários são também atenuadas ao longo dos materiais de interação. Nas rochas, essas partículas engatilham um número de reações nos minerais alvos que podem resultar na produção de nuclídeos cosmogênicos através da fragmentação de núcleos atômicos. Reações de espalação envolvem nêutrons de alta energia e velocidade e produzem nuclídeos cosmogênicos (3He, 21Ne, 10Be, 26Al,
14C, 36Cl), mas fluxos os fluxos de nêutrons atenuam para menos de 1% abaixo de 3 metros a partir da superfície. Nêutrons termais resultam da desaceleração de alguns nêutrons durante a cascada atmosférica, e engatilham reações de captura, as quais podem ser importantes para a produção de alguns nuclídeos, particularmente o 36Cl se cloro (Cl) natural estiver disponível. Os múons por possuírem menor massa do que os nêutrons, e não serem altamente reativos, podem penetrar muito mais profundamente dentro das rochas, e respondem por praticamente 100% das reações cosmogênicas no limite inferior de profundidade.



           Contando o número desses nuclídeos/isótopos cosmogênicos gerados nos minerais, normalmente como uma razão em relação a outros isótopos, é possível determinar quanto tempo aquela amostra estava exposta aos raios cósmicos, permitindo sua datação. Vários fatores e co-variáveis entram nessa análise quantitativa (correções e ajustes), incluindo tipo de rocha, localização geográfica, topografia (shielding), processos erosivos, etc. O mais comum tipo de datação de nuclídeos cosmológicos envolve o quartzo e a razão isotópica 9Be/10Be, especialmente considerando que o berílio (Be) não ocorre naturalmente nesse mineral.

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   PALEOMAGNETISMO

          Conhecimento sobre o período Pré-Cambriano na Terra (540-4567 milhões de anos atrás), o qual corresponde a 90% da história geológica do planeta, e o desenvolvimento da teoria das placas tectônicas devem muito ao paleomagnetismo, o estudo da direção e intensidade do campo magnético terrestre variante ao longo das eras. Informação paleomagnética é preservada em minerais ferromagnéticos de pedras e sedimentos, e podem ser descobertas após desmagnetização - a remoção do atual vetor de campo de amostras em condições laboratoriais - para revelar a magnetização termo-remanescente original. Sem dados paleomagnéticos, por exemplo, os modelos de placas tectônicas do passado distante só podem ser construídos qualitativamente, não quantitativamente.


          O campo magnético terrestre é produzido pelo núcleo externo via dínamo hidromagnético, a uma profundidade de 2890 km. Ali, ferro fundido em movimento - constituído de cargas positivas (íons ferro) e negativas (elétrons de condução) livres - geram esse campo magnético, o qual é reforçado pelas próprias torções e alongamentos do núcleo. O campo geomagnético periodicamente - ao longo de milhões de anos - é revertido (polo sul e polo norte trocam de posição entre si) e essa reversão é simétrica (as direções de campo normal e revertida são exatamente anti-paralelas, por exemplo). Esse fenômeno é a premissa fundamental usada para reconstruir os continentes em suas posições no passado através do campo magnético antigo registrado nas pedras (magnetismo fóssil). Nesse sentido, a exploração do registro de força e direção do campo magnético da Terra é uma importante fonte do nosso conhecimento sobre a evolução do nosso planeta ao longo de toda sua história geológica.


          Lava, barro, e sedimentos em lagos e oceanos, todos contêm partículas microscópicas de materiais ferromagnéticos (como óxido de ferro III). Quando lava e barro são aquecidos, ou quando sedimentos são depositados no fundo de lagos e oceanos, esses materiais adquirem uma magnetização paralela ao campo magnético da Terra, também apontando para a direção onde o norte magnético está posicionado. Após o resfriamento ou completa sedimentação, esses materiais mantêm a magnetização, em um processo chamado de magnetização termo-remanescente (resfriamento) ou magnetização remanescente deposicional (deposição).

          Além da reversão dos polos magnéticos em escala de milhões de anos, o norte magnético também muda sua posição no norte geográfico em uma escala de milhares de anos.

          Nesse sentido, com a ajuda de métodos de datação já bem estabelecidos para o fornecimento de uma referência geocronológica inicial e junto com a análise das camadas de rochas visadas, podemos criar uma curva de calibração entre as mudanças de magnetização termo-remanescente, e os períodos de tempo em que elas ocorreram de forma bastante precisa caso os intervalos de tempo sejam na escala de dezenas a centenas de milhares ou milhões de anos, e relativamente precisa na escala de milhares ou centenas de anos. Ou seja, o paleomagnetismo é uma ferramenta muito útil de investigação da dinâmica geológica terrestre e da cronologia terrestre.

          Aqui no Brasil, temos em destaque o Laboratório de Paleomagnetismo da USP (Universidade de São Paulo), o qual desenvolve pesquisas paleontológicas de alto nível e impacto na comunidade científica internacional (Ref.13).

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   RELÓGIO MOLECULAR

          Esse método compara a quantidade de diferenças genéticas entre os organismos vivos e computam uma idade baseando-se em taxas de mutações genéticas bem estabelecidas ao longo do tempo. Como material genético se deteriora relativamente rápido, o método de relógio molecular não consegue datar fósseis muito antigos. O principal uso dessa técnica é na inferência de quão longo tempo atrás as espécies/populações hoje compartilham um ancestral comum, baseado nos padrões diferenciados entre seus DNAs.

          Historicamente, a datação da 'árvore da vida' (mapa de divergências evolutivas desde a origem da vida no planeta) era quase exclusivamente realizada via registro fóssil. Nas últimas décadas, a introdução de cladística na paleontologia resultou em um rápido progresso no entendimento da filogenia de vários táxons. Já nas últimas duas décadas, esse campo sofreu uma grande revolução com a introdução da filogenética molecular.

          O princípio básico da datação molecular repousa em inferir o quanto de mudança molecular ocorreu em cada ramificação da árvore evolutiva. Como múltiplas mudanças podem ocorrer em um dado local nucleotídico, e como existem naturalmente apenas 4 possíveis letras do código genético (A, T, C ou G) (1), um dado local pode reverter para sua condição inicial. Além disso, nem todos os locais evoluem com a mesma velocidade; alguns genes evoluem mais rápidos do que outros, genes mitocondriais tendem a evoluir mais rapidamente do que genes nucleares, porções silenciosas do genoma tendem a evoluir mais rapidamente do que porções funcionalmente importantes, e códons nas posições terceiras evoluem mais rápido do que aqueles nas primeiras e segundas posições porque muitas mudanças na terceira posição resultam no mesmo aminoácido. Diferentes mecanismos evolutivos podem também atuar em diferentes intensidades em um outro ambiente. Em outras palavras, são necessários modelos que levam todas essas variáveis em conta.


          Somando-se a isso, a datação molecular precisa ser multiplamente calibrada via registro fóssil ou eventos geológicos.

          Mas com bons modelos, é possível obter datações muito precisas dentro da história evolutiva do planeta, especialmente quando outras técnicas de datação são usadas de forma concomitante. Em específico, relógios moleculares baseados em mutações neutras (que não resultam em benefícios ou prejuízos adaptativos) - as quais são as mais comuns - são os mais precisos, já que as mudanças genéticas associadas se acumulam a uma taxa muito consistente ao longo do tempo.

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   CONCLUSÃO

          Apesar do amplo desconhecimento do público, existem vários métodos geocronológicos para a determinação temporal dos eventos que marcaram a história geológica da Terra, em especial àqueles ligados à datação radiométrica. E a maior força da geocronologia é que diferentes métodos corroboram as datações entre si, fornecendo extrema confiança em relação às idades estimadas. Quando idades de milhões a bilhões de anos são registradas no nosso planeta, tenha certeza que isso passa longe de qualquer achismo.

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OBS.: Respondendo à última pergunta do início, a estimativa de idade do nosso Universo é dada tanto pela análise de elementos radioativos localizados através de observações astronômica quanto pelos cálculos de expansão do Universo. Além disso, a composição de muitas estrelas bem antigas fornecem pistas também dessa idade, a qual é hoje estimada em 14 bilhões de anos (Para mais informações, acesse: O que é a Expansão do Universo?).

(a) Isótopos são dois átomos com o mesmo número de prótons mas diferente número de nêutrons. Ou seja, a química entre eles continua a mesma, por terem o mesmo número atômico (mesmo número de prótons e, consequentemente, mesmo número de elétrons), mas diferem em massa atômica. Ou seja, enquanto o número de prótons for igual entre dois átomos, ambos pertencerão ao mesmo elemento químico (por exemplo, carbono-14 e carbono-12 são 'carbonos').

(b) Em mecânica quântica, o tunelamento de partículas é a capacidade destas em quebrar barreiras de potencial não permitidas pela física clássica. Em uma analogia, é como uma pedra redonda, parada no meio de um morro, subir e chegar ao outro lado, espontaneamente, ao invés de descer como esperado pela mecânica clássica. Várias são as aplicações práticas desse efeito, como os microscópios de tunelamento, onde elétrons vencem a barreira de resistência elétrica do ar mesmo sem a aplicação de um forte potencial entre as superfícies de interesse. Os prótons emitidos por um núcleo atômico radioativo também segue esse mecanismo de probabilidade quântica. E, nesse ponto, é válido mencionar que o decaimento radioativo não segue uma perfeita sincronização de tempo. Por exemplo, se eu tenho 2 átomos de urânio-238, não significa que somente depois de 4,47 bilhões de anos eu terei 1 átomo de urânio-238 e 1 átomo de chumbo-206. Pode ser que eu tenha 2, 1 ou nenhum. A probabilidade é que se tenha apenas 1 depois da sua meia-vida, ou seja, 50% da quantidade inicial. Porém, à medida em que eu aumento a quantidade de átomos de urânio-238, resultados probabilísticos acabam seguindo uma tendência mais regular e esperada. Em 1 grama do urânio em questão, ou seja, em ~2,5×1021 átomos, a previsão quântica se torna estatisticamente muito precisa, e passa a ser extremamente confiável de que depois de 4,47 bilhões de anos a quantidade desse isótopo de urânio será em torno de 0,5 gramas, e, depois de mais 4,47 bilhões de anos, a quantidade passe a ser de 0,25 gramas, e assim por diante.

(c) É importante deixar claro que o decaimento radioativo não necessariamente ocorre em uma etapa só. Podem existir diversos decaimentos intermediários até se chegar no elemento mais estável possível. Por exemplo, o urânio-235 decai em série, passando por isótopos do tório, protactínio e do próprio urânio através de 11 emissões betas e alfas, cada uma delas com uma meia-vida específica, até chegar ao chumbo-207. Para os cálculos de idades geológicas, pode-se usar também esses decaimentos intermediários. 



(d) Elemento-M: M é o número de massa atômica do elemento em questão. Massa atômica de um átomo/elemento é o número de prótons mais o número de nêutrons dentro do seu núcleo atômico.

(e) O potássio-40 decai para cálcio-40 e argônio-40. A conversão para o estável cálcio-40 ocorre via emissão de elétron (decaimento beta) em 89,1% dos eventos de decaimento. A conversão para o estável argônio-40 ocorre via captura de elétron em 10,9% dos eventos de decaimento.

(f) Para exemplificar como essas correções de ocasionais contaminações são feitas, vamos utilizar dois exemplos:

- No Método Rubídio-Estrôncio, o Sr original sempre contém Sr-86 não-radiogênico, que é facilmente detectado. Inicialmente, a análise de uma amostra praticamente sem Rb permite determinar a razão Sr-87/Sr-86 que se mantém no material a ser datado; uma vez que a quantidade de Sr-86 na amostra não muda com o passar do tempo, procura-se em seguida uma amostra rica em Rb pois precisamos conhecer o valor do Sr-86. Conhecendo-se a relação inicial Sr-87/Sr-86 da amostra, podemos determinar a quantidade de Sr-87 que é original e aquela que é proveniente da desintegração do Rb-87. A idade é então calculada pela relação filho/pai radioativo. Na prática laboratorial, como nem sempre é possível encontrar uma amostra muito pobre em Rb de forma que esse elemento possa ser seguramente desconsiderado para o branco, é feita uma montagem isócrona com várias amostras de rochas contendo diferentes concentrações de Rb.

- Os minerais com urânio com aplicação para o Método U-Pb muitas vezes também contêm chumbo original, de tal forma que a idade radiométrica poderá exceder a idade real. O Pb-204 não é produzido pela desintegração radioativa, sendo então um elemento-chave para a detecção da quantidade de chumbo original. Se é detectado no mineral o Pb-204, que constitui uma fração do chumbo presente, então os outros isótopos como o Pb-206 e o Pb-207 também precisam estar presentes quando da formação do mineral. A composição isotópica do chumbo comum pode ser obtida a partir de amostras que sejam pobres em urânio, à semelhança do que é feito no Método Rb-Sr. Assim, a quantidade do Pb-204 pode ser utilizada para calcular as quantidades de Pb-206 e do Pb-207 originais, de forma que possam ser subtraídos quando do cálculo da idade radiométrica.

(g) O carbono-14 é gerado na atmosfera a partir do bombardeamento de nêutrons no núcleo do átomo de nitrogênio do gás nitrogênio. Esses nêutrons são originados da interação entre raios cósmicos e a nossa atmosfera. Com isso, parte do gás carbônico presente na atmosfera é composta pelo isótopo radioativo do carbono. Quando a planta, por exemplo, faz fotossíntese, ela incorpora esse carbono na sua estrutura. Quando um animal come essa planta, ele acumula o carbono-14 no seu corpo. Podemos dizer que todos nós somos, de fato, naturalmente radioativos.

(h) Sobre a polêmica questão do Santo Sudário, o teste não pôde ser feito com alta acuracidade porque podem ter ocorrido várias contaminações no tecido sagrado. E o teste de carbono-14 possui muito mais variáveis (por se tratar de metabolismo orgânico e dependência dos raios cósmicos) do que os outros testes com metais pesados radioativos em rocha. E, somando-se a isso, a diferença de idade querendo ser analisada é ínfima quando comparada com idades geológicas usuais (entre milhares e bilhões de anos). Medir diferenças entre centenas ou dezenas de anos requer um universo de análise muito específico e super minimização de erros. Além disso, o tecido sagrado só pode ser minimamente destruído para análise, deixando a metodologia ainda mais complicada. Ou seja, é longe de ser algo como estimar a idade da Terra ou de eventos geologicamente recentes, como o surgimento da espécie humana. 

(*) O decaimento, como mencionado ao longo do texto, gera partículas alfas muito energéticas, as quais podem ser facilmente capturadas e vistas através da sua interação de algum filme 'fotográfico' apropriado. Se existiram 100 decaimentos em uma amostra, eles aparecerão impressos no filme, bastando apenas contá-los. 


Artigo relacionado: Por que olhar para as estrelas é vislumbrar o passado?


REFERÊNCIAS CIENTÍFICAS
  1. http://geomaps.wr.usgs.gov/parks/gtime/ageofearth.html
  2. http://australianmuseum.net.au/dating-dinosaurs-and-other-fossils
  3. http://pubs.usgs.gov/gip/geotime/age.html
  4. http://www.nndc.bnl.gov/wallet/wall35.pdf
  5. http://www2.lbl.gov/abc/wallchart/chapters/13/4.html
  6. http://www.esrl.noaa.gov/gmd/outreach/lesson_plans/Using%20Radioactive%20Decay%20to%20Determine%20Geologic%20Age.pdf
  7. http://www.whoi.edu/nosams/page.do?pid=40146
  8. https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC4024852/
  9. https://files.eric.ed.gov/fulltext/EJ1164456.pdf
  10. https://evolution.berkeley.edu/evolibrary/article/radioisotopic_dating
  11. https://www.nature.com/articles/s41598-017-10174-8
  12. https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC5441291/
  13. http://www.geo.mtu.edu/KeweenawGeoheritage/IRKeweenawRift/Paleomagnetism.html
  14. https://agupubs.onlinelibrary.wiley.com/doi/full/10.1029/2006JB004496
  15. https://pubs.er.usgs.gov/publication/70023369
  16. https://bdpi.usp.br/item/002905132
  17. Nami HG, De la Peña P, Vásquez CA, Feathers J, Wurz S. Palaeomagnetic results and new dates of sedimentary deposits from Klasies River Cave 1, South Africa. S Afr J Sci. 2016;112(11/12), Art. 2016-0051, 12 pages.
  18. https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC3395881/
  19. https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC4342344/
  20. https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/25290107
  21. https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/25290107
  22. https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC5035889/
  23. https://www.ige.unicamp.br/terraedidatica/v1/pdf-v1/p006-035_carneiro.pdf
  24. https://www.geomorphology.org.uk/sites/default/files/geom_tech_chapters/4.2.10_CosmogenicNuclideAnalysis.pdf
  25. https://onlinelibrary.wiley.com/doi/abs/10.1002/9781119188230.saseas0148
  26. https://www.mdpi.com/2409-9279/3/1/13
  27. https://link.springer.com/chapter/10.1007/978-1-4757-9694-0_8