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Qual o problema dos inibidores de apetite?


ATUALIZAÇÃO (23/06/17): O presidente da República em exercício, Rodrigo Maia, sancionou hoje a lei que libera a prescrição, manipulação e venda de sibutramina, anfepramona, femproporex e mazindol, substâncias usadas para inibir o apetite, segundo informações da Casa Civil (Ref.23). A decisão possui apoio do Conselho Federal de Medicina (CFM), desde que a venda seja bem controlada e sob estrita prescrição médica. Já a Anvisa foi contrária à lei, e disse que o governo passou por cima da sua competência sem nem ao menos ter base em estudos científicos de segurança dos medicamentos, estes os quais tinham sido banidos pela agência em 2011 (com exceção da sibutramina, a qual sofreu apenas uma maior fiscalização devido ao fato de que os seus benefícios superam os riscos em casos específicos)  - também são banidos na Europa e em enorme extensão nos EUA. Segundo ainda a ANVISA, cabe à essa regular tais liberações, após rigorosas análises técnicas:

"O Congresso não fez tais análises, até porque não é seu papel nem dispõe de capacidade para tal, nenhuma análise técnica sobre esses requisitos que universalmente são requeridos para autorizar a comercialização de um medicamento"
                                                  
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           Nesta semana (01/05/2016), o Ministério da Saúde alertou, mais uma vez, sobre o uso excessivo e irracional dos inibidores de apetite pela população brasileira. Há anos o Brasil é o país com maior consumo desses medicamentos, sofrendo críticas das agências de saúde no mundo inteiro. Apesar de serem drogas de venda restrita e específica, a aquisição das mesmas de forma ilegal ultrapassa todos os limites sensatos. Dosagens, modo de uso e riscos à saúde são ignorados por causa das promessas superestimadas de emagrecimento.

            Os inibidores de apetite, ou agentes anorexígenos, são substâncias que suprimem a fome agindo diretamente no hipocampo, uma parte do sistema nervoso responsável, entre diversas outras funções, pelo controle da fome e saciedade. Usualmente, essas substâncias são derivados anfetamínicos que agem nas sinapses dos neurônios, bloqueando os mediadores de serotonina ou noradrelalina. Assim, sinais ao corpo de fome são atenuados, fazendo com que o indivíduo coma menos, auxiliando no emagrecimento. Aqui no Brasil, os três principais medicamentos mais visados para esse fim são o mazindol, a anfepramoma e o fenproporex, todos ainda barrados pela ANVISA e com o último sendo o mais consumido pelos brasileiros (cerca de 60% das vendas ilegais). Além desses, existe também outra droga bem difundida aqui, a sibutramina, a qual age diminuindo a satisfação após a alimentação, diminuindo o prazer em comer e aumentando a saciedade.

Estrutura química do princípio ativo do fenproporex; este medicamento está associado com um maior risco de ataques cardíacos, além de induzir ao vício caso exista excesso em seu uso

            Antes de qualquer coisa, é preciso dizer que boa parte desses medicamentos realmente possuem resultados positivos na perda de peso através da manipulação do apetite, mas são efeitos bem moderados. Sem uma reeducação alimentar aliada com atividades físicas, esses medicamentos se tornam inúteis e por isso a real eficácia dos mesmos é muito questionada. Em diversos casos o paciente pode ficar confiante usando esses medicamentos e tratar com maior descaso a alimentação e as atividades físicas. E o problema nem é a presença ou não de eficácia. Todos esses medicamentos são muito viciantes se não usados sob rígida orientação médica, além de estarem associados com diversos efeitos colaterais perigosos. Aumento dos riscos de problemas cardíacos, intensificação de estados de depressão e danos no sistema nervoso são apenas alguns deles. O FDA (Agência de Drogas e Medicamentos dos EUA) retirou a sibutramina do mercado depois de estudos conclusivos apontarem um aumento de 16% no risco de problemas cardíacos com o seu uso (Ref.21). Somando-se a isso, suas contra-indicações e interações negativas com outras drogas são muitas.

            Teoricamente, esses medicamentos deveriam ser receitados apenas para pacientes obesos, com índice de gordura corporal acima dos 30, e só depois dos métodos iniciais de dieta e exercícios físicos terem falhado. Além disso, cada caso precisa ser analisado junto a um profissional de saúde para a certificação de que os benefícios superem os riscos. Um paciente com problemas cardíacos pode sofrer pesados danos caso utilize tais medicamentos, por exemplo. Apenas sob estritas circunstâncias de análise do custo-benefício é que vale-se minimamente a pena a administração dessas drogas, mas lembrando que os efeitos para o emagrecimento muitas vezes são muito tímidos ou não existentes por dependerem de diversos outros fatores. E, excetuando-se a sibutramina, todos eles deveriam ser usados por um máximo em torno de 12 semanas para evitar fortes vícios e riscos graves à saúde. No caso da sibutramina, o tratamento deve ser abandonado caso o paciente não perca, no mínimo, 2 quilos em 4 semanas de uso, e não pode ultrapassar os 2 anos de uso.

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            Bem, mas já dá para imaginar que a prática passa longe do ideal. Pessoas diversas, especialmente mulheres, querendo perder acumulações mínimas de gordura (não chegando nem a serem considerados indivíduos acima do peso) usam esses arriscados medicamentos sem prescrição, acompanhamento e orientação médica. Acabam ficando viciadas e correndo o risco de desenvolverem ou piorarem o quadro de várias doenças. Isso sem contar que essas drogas são bem caras. Para se ter uma ideia, todos esses medicamentos (englobando todas as classes dos anfetamínicos) são proibidos na Europa e em quase totalidade nos EUA. Aqui no Brasil, a ANVISA, por conta própria, proibiu a comercialização dos três e aplicou pesadas restrições à venda da sibutramina. Porém, em 2014, a Câmara e o Senado aprovaram a suspensão dessas medidas para se ter os medicamentos de volta ao mercado.

            Até a data presente, o processo ainda está em trâmite, mas já aprovado e sendo apenas revisto pela ANVISA, a qual quer, pelo menos, controle rígido, dependência total de uma prescrição médica para a aquisição dessas substâncias - cuja classificação manter-se-á na tarja preta -, e, o mais importante, garantia dos dos produtores do medicamento de que eles são seguros para uso (com exceção da sibutramina). Mas, até agora, nenhum deles apresentou trabalhos científicos comprobatórios de segurança. E, para aumentar ainda mais a segurança, o paciente terá que assinar um termo de responsabilidade, mostrando que sabe dos riscos que enfrentará. Nada disso estava previsto na decisão parlamentar (Ref.5-6). Agora eu pergunto: rolou ou não rolou pressão e suborno da indústria farmacêutica nesse processo de liberação? Vício e altos preços. Estamos vendo, provavelmente, um processo de tráfico de drogas ilícitas sendo acobertado pela nossa política. Na minha opinião, esses medicamentos até poderiam estar no arsenal de armas contra a obesidade (apesar dos pesares), mas deveriam ser controlados como o uso médico da morfina, por exemplo, e não como uma droga vendida livremente nas farmácias.

           Como eu já disse aqui várias vezes, não existe consenso científico de que medicamentos contra o ganho de peso, no geral, sejam realmente eficazes quando analisados isoladamente, especialmente a longo prazo. Uma bala de prata conta a obesidade ainda está para ser criada, em uma árdua tarefa de vencer o mais básico instinto evolucionário no nosso corpo: apetite aliado com mecanismos bem otimizados no acúmulo de reservas energéticas. Sem uma reeducação alimentar e atividades físicas, você pode se entupir de pílulas à vontade porque a única conquista alcançada será prejuízos ao corpo e ao seu bolso. E é isso que grande parte da indústria farmacêutica quer: ver você gastar seu dinheiro em pílulas que farão você gastar mais dinheiro em pílulas para reparar os danos causados pelas pílulas anteriores.

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           Eu não estou acusando o uso de medicamentos em geral, e, sim, aqueles que prometem ações enganosas e/ou incentivem o uso irresponsável, visando apenas o lucro inconsequente. Não torre todo o seu suado dinheiro em promessas suspeitas que podem prejudicar você, mas, sim, invista-o em um estilo de vida mais saudável. Você até pode não perder o peso que sonhava, mas pelo menos estará ganhando saúde.

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REFERÊNCIAS CIENTÍFICAS
  1. http://link.springer.com/article/10.1007/s13181-012-0213-7
  2. http://www.anvisa.gov.br/sngpc/boletins/2012/boletim_sngpc_1_2012_modificado.pdf
  3. http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1413-81232014000501389
  4. http://www.ufrgs.br/bibenf/news/proibicao-da-venda-de-inibidores-de-apetite-iniciou-em-09-12
  5. http://www1.folha.uol.com.br/equilibrioesaude/2014/09/1509947-senado-libera-venda-de-inibidores-de-apetite-proibidos-pela-anvisa.shtml
  6. http://g1.globo.com/politica/noticia/2016/04/senado-aprova-tornar-lei-liberacao-de-substancias-para-emagrecer.html
  7. http://portal.anvisa.gov.br/wps/wcm/connect/0ac49c8049cffe3697aed7fa40c74aed/AP+1-2011+-+Mais+informacoes.pdf?MOD=AJPERES
  8. http://www.abeso.org.br/pdf/paineis/Anorexigens-ANVISA.pdf
  9. http://www1.folha.uol.com.br/equilibrioesaude/2008/12/482946-pilula-brasileira-ilegal-para-emagrecimento-preocupa-eua.shtml
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  24. http://www.anvisa.gov.br/hotsite/anorexigenos/pdf/Nota_Tecnica_Anorexigenos.pdf