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Cistos de equinococo (equinococose) na perna de um homem


           Em um relato de caso reportado no periódico The New England Journal of Medicine (Ref.1), um homem de 35 anos de idade apresentou-se ao hospital com um histórico de crescente inchaço na sua perna direita (imagem acima à esquerda). Exame físico revelou firmeza na parte inferior da perna sem resposta de dor ao apalpamento. Imagem por ressonância magnética da área revelou múltiplas lesões císticas (imagem acima à direita).

           Após análise médica, a aparência dos cistos mostrou-se consistente com cistos de equinococo, e um teste laboratorial enzima-baseado para anticorpos contra esse verme deu positivo. O paciente foi então tratado com albendazol (fármaco prescrito para tratamento de verminoses, como Ancilostomíase, Ascaridíase, Enterobíase), e infecção com a espécie Echinococcus granulosus foi confirmada após pericistectomia (retirada cirúrgica de todo cisto em uma espécie de enucleação junto a sua cápsula). 


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          A equinococose (ou hidatidose) consiste em uma doença parasitária causada pelo estágio larvário de vermes platelmintos do gênero  Equinococcus, este o qual engloba nove espécies até o momento reconhecidas (Ref.4): E. granulosus, E. equinus, E. ortleppi, E. canadensis, E. multilocularis, E. vogeli, E. oligarthrus, E. felidisE. shiquicus (!)Tem uma distribuição mundial, e a equinococose cística é considerada endêmica em áreas como o Peru, Chile, Argentina, Uruguai, sul do Brasil, região do Mediterrâneo, Ásia Central, oeste da China e Leste Africano; existe também e significativa incidência em países do sudeste Europeu (Ref.8).. Através de programas compreensivos de controle, a equinococose cística foi eliminada na Islândia, Nova Zelândia, Tasmânia, Ilhas Malvinas e Chipre. Prevalência tão alta quanto 5-10% pode ocorrer em partes da Argentina, Peru, Leste Africano, Ásia Central e China, especialmente em áreas rurais (Ref.5). É uma das 17 doenças tropicais negligenciadas reconhecidas pela Organização Mundial de Saúde (OMS).  

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(!) Diferentes espécies de Echinococcus causam diferentes doenças em humanos. Equinococose cística é causada pela E. granulosus, E. equinus, E. ortleppi e E. canadensis. Equinococose alveolar é causada pela E. multilocularis. E a equinococose policística pela E. vogeli e a E. oligarthrus. Das espécies envolvidas com a doença, o E. granulosus responde pela maior parte dos casos de equinococose, com o genótipo G1 dessa espécie representando >88% dos casos. A espécie E. canadensis é responsável por 11% das infecções ao redor do mundo. De longe, a equinococose cística é a forma mais prevalente da doença.

> A mais recente espécie descrita no gênero Echinococcus é a E. shiquicus, sendo encontrada no planalto Qinghai-Tibete. Habita o intestino delgado da raposa-Tibetana (Vulpes ferrilata) e o estágio larva é encontrado no pika da espécie Ochotona curzoniae (um pequeno mamífero). Até o momento, nenhum caso de infecção em humanos foi descrito. A espécie E. felidis - também referida como "cepa do leão" - possui um ciclo de vida restrito à África Subsaariana, mas nenhuma infecção humana foi registrada até o momento. Raras infecções em humanos têm sido reportadas para as espécies E. equinus ("cepa do cavalo") e E. ortleppi ("cepa bovina"). Ref.6

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           O verme adulto vive no intestino delgado de carnívoros, como canídeos, felinos e hienas  (hospedeiros definitivos) e o cisto hidático é encontrado, principalmente, no fígado e pulmões de ovinos, bovinos, suínos, caprinos, cervídeos, etc. (hospedeiros intermediários). Nos humanos, os cistos localizam-se, principalmente, no fígado, pulmões e outros órgãos, não havendo relatos de hidatidose em testículos e olhos. Os hospedeiros definitivos podem ser infectados com centenas de vermes, com cada verme produzindo milhares de ovos diariamente. Os ovos eliminados junto às fezes dos cães ou outros hospedeiros definitivos contaminam o ambiente (pastagens, solo e alimentos, p. ex.), onde se mantêm viáveis por meses até 1 ano. Esses ovos são sensitivos à dessecação e aquecimento, mas podem sobreviver a temperaturas congelantes.



          Os hospedeiros intermediários, acidentalmente humanos, ingerem os ovos junto com o alimento. A dissolução do embrióforo, a ativação e liberação do embrião dá-se através do estímulo do suco gástrico. Dessa forma, quando os ovos chegam ao duodeno, a oncosfera é liberada e entra na circulação portal, atingindo os sinusoides hepáticos. Ocasionalmente, atravessam os sinusoides hepáticos e atingem a circulação pulmonar e/ou sistêmica, disseminando-se por outros órgãos, inclusive ossos. A partir daí, desenvolve-se o cisto hidático, forma larval do parasita. O ciclo biológico completa-se quando um carnívoro ingere as vísceras do hospedeiro intermediário e desenvolve em seu intestino a forma adulta do parasita - após invaginação e anexação do cisto no intestino, um indivíduo adulto sexualmente maduro desenvolve-se dentro de 4 a 7 semanas.


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(1) Aliás, os vermes do gênero Echinococcus pertencem à mesma família (Taeniidae) das tênias (gênero Taenia). Sugestão de leitura: Qual é a diferença entre cisticercose e teníase?

> Não existe transmissão da doença (equinococose) entre humanos. O ciclo de vida do verme tipicamente encontra seu fim na nossa espécie, já que não somos presas naturais de carnívoros geralmente envolvidos como hospedeiros definitivos. Humanos são tipicamente infectados ao ingerirem alimentos ou água contaminados com ovos presentes em fezes de carnívoros parasitados.

> Em rebanhos, prevalência de infecção pode variar de 20 a 95% em áreas hiperendêmicas na América do Sul (Ref.5).

> O tamanho dos cistos hidáticos parece variar entre as espécies de vermes. Em pacientes humanos infectados, a taxa de crescimento dos cistos varia de 0 até 15 mm/ano, e o diâmetro desses cistos pode variar de alguns centímetros até cistos gigantes com até 48 litros de volume! É reportado que o diâmetro médio dos cistos do E. canadensis é de 5,9 cm (variando de 3 a 10 cm), enquanto no E. granulosus é de 10,7 cm (variando de 5 a 21 cm). O sistema imune responde ao cisto formando uma cápsula calcificada fibrosa ao seu redor.

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           A maioria dos pacientes (40 a 80% dos casos) possuem uma única lesão cística localizada em um único órgão. O fígado é afetado em 70% dos casos, o lobo direito mais comumente do que o esquerdo. O pulmão é o próximo órgão mais frequentemente afetado (~20% dos casos). Cistos podem ser localizados em praticamente qualquer órgão e estrutura do corpo, como cavidades abdominal ou pleural, rim, baço, osso, cérebro, olho, ovário, testículos e pâncreas. 

          A equinococose cística é geralmente assintomática ao longo do seu curso de evolução, e não é incomum os cistos serem descobertos incidentalmente durante exames de imagens de rotina. Porém, em muitos casos, complicações podem ocorrer, como ruptura dos cistos resultando em infecção ou anafilaxia, desenvolvimento de fístula com estruturas adjacentes (ex.: no trato biliar, intestino e brônquios) ou efeito de massa em estruturas vizinhas são os principais mecanismos pelos quais um cisto geralmente se torna sintomática.

          No efeito de massa, cistos podem eventualmente exercer pressão em estruturas próximas durante o crescimento, produzindo desconforto abdominal e dor. Por exemplo, cistos no fígado podem comprimir os dutos biliares, causando obstrução que pode se manifestação como icterícia obstrutiva, dor abdominal, anorexia e prurido (Ref.7). Quando nos pulmões, os cistos podem irritar as membranas, levando a tosse crônica, dispneia, dor pulmonar pleurítica e hemoptise (tosse com sangue). O período de incubação assintomática da doença pode durar vários anos até que os cistos cresçam a uma extensão que engatilhe sinais clínicos.

          É estimado que um excesso de 1 milhão de pessoas a qualquer momento está infectada com cistos hidáticos, e várias dessas pessoas irão experienciar síndromes clínicas severas as quais podem ser letais caso deixadas sem tratamento. Até mesmo com tratamento, pessoas frequentemente enfrentam reduzida qualidade de vida. Mais de 19 mil mortes anuais ao redor do mundo são associadas à equinococose (Ref.5).

          Tratamento ideal é pela via cirúrgica, para a remoção dos cistos. Mas existem outras alternativas, incluindo terapia percutânea, quimioterapia (fármacos para matar os cistos) e simples observação sem intervenção terapêutica ("observar e esperar"). A prevenção da doença depende da interrupção do ciclo de vida dos vermes. Por exemplo, rastreamento regular e tratamento de cães infectados têm efetivos para erradicar a doença em áreas endêmicas, como na Nova Zelândia. Outras opções preventivas incluem restringir alimentação de cães com animais de criação abatidos (ex.: porcos) e vacinar os hospedeiros intermediários (ex.: bovinos e ovinos).


REFERÊNCIAS

  1. https://www.nejm.org/image-challenge
  2. DOI: 10.5935/0101-2800.20160017 (Link
  3. https://cdn.publisher.gn1.link/jornaldepneumologia.com.br/pdf/2001_27_4_9_portugues.pdf
  4. Higuita et al. (2016). Cystic Echinococcosis. Journal of Clinical Microbiology, Vol. 54, No. 3. https://doi.org/10.1128/jcm.02420-15
  5. https://www.who.int/news-room/fact-sheets/detail/echinococcosis
  6. Casulli et al. (2022). Species and genotypes belonging to Echinococcus granulosus sensu lato complex causing human cystic echinococcosis in Europe (2000–2021): a systematic review. Parasites & Vectors, 15:109. https://doi.org/10.1186/s13071-022-05197-8
  7. Pakala et al. (2016). Hepatic Echinococcal Cysts: A Review. Journal of Clinical and Translational Hepatology, 4(1):39-46. https://doi.org/10.14218%2FJCTH.2015.00036
  8. Casulli et al. (2022). Unveiling the incidences and trends of the neglected zoonosis cystic echinococcosis in Europe: a systematic review from the MEmE project. The Lancet Infectious Diseases, Volume 23, Issue 3, E95-E107. https://doi.org/10.1016/S1473-3099(22)00638-7
  9. https://wcvm.usask.ca/learnaboutparasites/parasites/echinococcus-granulosus.php