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Os probióticos funcionam?

- Artigo atualizado no dia 4 de maio de 2020 -         
     
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         A descoberta dos probióticos, e de suas potenciais propriedade benéficas, deflagrou o surgimento de inúmeros produtos alimentícios e até mesmo de higiene pessoal contendo diferentes tipos desses microrganismos. Nos EUA, estima-se que 3,9 milhões de adultos consomem suplementos pré-bióticos e/ou probióticos, enquanto até 60% dos profissionais de saúde prescrevem probióticos para seus pacientes. Desde o início do século XXI, diversos estudos estão sendo feitos para se verificar a eficácia dos probióticos e otimizá-los. Mas até o momento, os resultados desses estudos têm se mostrado inconsistentes e controversos, especialmente em relação aos probióticos geralmente comercializados a esmo no mercado de alimentos.

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   PROBIÓTICOS

         Os probióticos, por definição, são organismos vivos os quais, quando administrados em quantidades ideais, conferem ao indivíduo benefícios à saúde, principalmente na região intestinal. Esses organismos são representados pelo grupo das bactérias, e a espécie Lactobacillus casei é a mais conhecida, sendo usada para a fermentação de laticínios e incorporada viva, e em grande quantidade, nos leites fermentados (Yakut, por exemplo), com o objetivo alegado de melhorar o funcionamento do intestino. Pesquisas sugerem que os probióticos podem cumprir um importante papel em minimizar os efeitos colaterais de terapias com antibióticos; reduzir os riscos de infecções intestinais comuns; aumentar a tolerância à lactose; facilitar a digestão e absorção de nutrientes; proporcionar um maior bem-estar; otimizar as funções cognitivas; e aumentar a força do sistema imunológico. E assim são vendidos ao consumidor.

          Mas existe um problema: muitas dessas alegações não possuem sólido suporte científico. Além disso, existem probióticos com maior crédito científico de eficácia terapêutica, e existem alguns que nem estudos sérios possuem para confirmar seus benefícios ou, pior, seus possíveis malefícios. Na literatura acadêmica, existe também uma controvérsia quanto ao uso dos probióticos em termos do funcionamento e interação deles junto à microbiota do organismo humano.

           A microbiota - ou mais popularmente 'flora bacteriana' - intestinal dos mamíferos, incluindo nossa espécie, é composta por algo em torno de 100 trilhões de bactérias, dividas em mais de 500 espécies. Nós vivemos uma relação de simbiose com esses microrganismos, onde fornecemos alimentos que as sustentam e estas, através da metabolização desses alimentos, nos proporcionam diversas substâncias benéficas, como, por exemplo, parte do nosso consumo diário de vitaminas K e B, e ácidos graxos de cadeias curtas essenciais à nossa boa saúde (1). Além disso, esse exército de bactérias ajuda no processo de digestão, sendo fundamental em diversos animais, como os ruminantes e os cupins, os quais precisam de certas bactérias no sistema digestivo para quebrarem a celulose vegetal. Diversos estudos também apontam uma relação íntima entre nossa microbiota e a boa saúde do nosso sistema imunológico. E isso sem contar que esse exército impede que vários tipos de vírus e bactérias se proliferem no nosso intestino, nos protegendo de graves infecções.


          Sabendo agora o que é e qual é a importância da microbiota intestinal, é fácil entender a função associada aos probióticos. Se conseguíssemos adicionar mais bactérias benéficas ao nosso intestino, aumentaríamos ainda mais o poder da microbiota, ou recuperaríamos seu equilíbrio saudável após graves desequilíbrios.

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   CONTROVÉRSIAS

          Apesar de existirem muitos probióticos seguros e com significativo potencial benéfico, será que consumi-los irá realmente moldar para melhor nossa microbiota? Nossos parceiros bacterianos representam um ecossistema muito complexo que nos acompanha há centenas de milhares de anos ao longo da linhagem evolutiva do Homo sapiens. Introduzir de forma efetiva e segura novos parceiros nesse ecossistema pode ser algo muito mais difícil do que o visto em análises simuladas em laboratório, especialmente considerando que cada indivíduo possui uma microbiota com uma identidade única.

          No caso dos probióticos vendidos em suplementos alimentares e produtos alimentícios diversos, o primeiro grande problema é que as bactérias ingeridas precisam sobreviver à altíssima acidez estomacal e ao ataque dos sais biliares no duodeno (primeira porção do intestino - os sais biliares podem desestabilizar fatalmente a membrana celular desses seres, através da forte interação lipídica). Mesmo passando pelo teste de fogo (como o Lactobacillus cersei) existe agora a árdua missão delas se fixarem bem no intestino, se adaptarem à ecologia da microbiota local e exercerem suas funções benéficas. Muitos estudos sugerem melhoras na saúde geral do corpo quando probióticos são utilizados, mas ainda é inconclusivo se os resultados vêm das bactérias ou de outros fatores. E mesmo quando benefícios oriundos diretamente dos probióticos são reportados, eles tendem a ser não-significativos. E mais: é preciso haver uma grande quantidade de probióticos vivos no produto para existir alguma chance de proliferação deles no intestino. Análises científicas já acusaram que vários produtos alimentícios, como os leites fermentados, não os fornecem vivos em um número ideal, principalmente se estão nas prateleiras há um bom tempo.

           A maior parte dos benefícios, comprovados ou não, observados em laboratório, são obtidos através de um controle rígido de entrega desses micro-organismos à região intestinal, especialmente a partir de cápsulas de proteção (comprimidos embalados) para protegê-los do ataque ácido estomacal e outros obstáculos ao longo do percurso no trato digestório. Agora, você pegar um iogurte, ou outro tipo de leite fermentado, em uma embalagem estocada no supermercado, feita em processo industrial não-farmacêutico, e esperar que metade dos probióticos ali inseridos estejam vivos e/ou chegando inteiros no intestino é torcer muito para a sorte. Isso sem contar, como já mencionado, o tempo que o produto está parado nas prateleiras, o que pode comprometer muito a saúde da população probiótica vivendo ali. O melhor a se fazer, se você quiser usar os probióticos, é procurar uma ajuda médica e utilizá-los de uma forma mais eficiente, sob orientação profissional. Para se ter uma ideia, 260 tipos de probióticos no mercado, principalmente em produtos alimentícios, tiveram o seu uso e venda vetados pela EFSA (Autoridade Europeia de Segurança Alimentar) por não possuírem provas científicas de eficácia (Ref.14)

          Existe, por exemplo, muitas mulheres que usam os lactobacilos do iogurte para aplicarem diretamente no canal vaginal (sim, a vagina também possui sua microbiota própria), na esperança que eles restaurem ou mantenham o equilíbrio bacteriano saudável na região, prevenindo ou curando as recorrentes  e comuns infecções urinárias. Porém, essa estratégia até agora não possui respaldo científico de eficácia (uma melhor tática seria a adição de bactérias normais de canais vaginais saudáveis e existem pesquisas neste sentido).

EFICAZES?  No caso de danos causados na microbiota saudável de uma pessoa, devido aos efeitos colaterais dos antibióticos , quimioterápicos, gastroenterite (inflamação do trato gastrointestinal que afeta o estômago e o intestino delgado, sendo causada por um rotavírus) e intoxicações alimentares, a recuperação do paciente pode em alguns casos ser auxiliada por cápsulas contendo uma boa quantidade de bactérias probióticas com o objetivo de ajudar na recuperação da microbiota intestinal. Quando tomamos antibióticos, por exemplo, não só matamos as bactérias responsáveis pela enfermidade visada, mas também causamos um estrago na microbiota do intestino, promovendo a proliferação de bactérias deletérias, com efeitos adversos podendo levar anos para serem revertidos completamente (2). Por isso, diarreias, irritação intestinal e problemas na digestão são reações adversas comuns desses medicamentos. Os probióticos podem ajudar a retomar o equilíbrio saudável da microbiota no intestino, introduzindo mais bactérias benéficas. Alguns probióticos parecem ser bem eficazes nesse quesito, como aqueles representados pela espécie Saccharomyces boulardii.


           Mas, reforçando, os probióticos nesse caso são entregues ao intestino com a ajuda de cápsulas e em grandes quantidades, sendo que a maioria irá com a garantia de estarem vivos. Além disso, os pacientes visados se encontram com sua microbiota intestinal drasticamente prejudicada. E, mesmo assim, nem todos os pacientes pós-antibióticos parecem obter resultados positivos com essa estratégia terapêutica, existindo fortes evidências de que boa parte desses pacientes podem ser até mesmo prejudicados com essa intervenção (3).

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        Resumindo as evidências de efeitos dos probióticos no tratamento de doenças ou condições de saúde diversas podemos listar:

1. Alergias: Grávidas, mulheres amamentando e crianças pequenas que usam certos probióticos para a prevenção do desenvolvimento de alergias nos filhos garantem uma menor ocorrência de eczema. Porém, as evidências de suporte para esse benefício são muito limitadas. Para outros tipos de alergia, não existem evidências positivas significativas; (Ref.20)

2. Cólicas infantis: Só existem resultados clínicos conflitantes e estudos de baixa qualidade em relação à administração dos probióticos para o alívio das cólicas em bebês, onde os choros parecem diminuir com o uso da cepa L. reuteri naqueles que estão sendo amamentados, mas não naqueles que usam fórmulas. São necessários mais estudos de grande porte para elucidar a efetividade desse tratamento; (Ref.21)

3. Síndrome do Intestino Irritável: Existem fortes evidências mostrando que os probióticos ajudam a tratar essa síndrome, amenizando os seus sintomas (exceto o excesso de flatulências), mas é incerto quais as espécies de bactérias são as mais indicadas para o tratamento. Porém, alguns artigos de revisão não conseguiram concluir se os probióticos são, ou não, bons tratamentos para essa doença; (Ref.22, 23, 31 e 32)

4. Diarreia causada pelo uso de antibióticos: Parecem existir bons benefícios dos probióticos para tratar esse cenário de diarreia, porém apenas um número limitado de cepas testadas estão associadas a efeitos positivos significativos; (Ref.22)

5. Diarreia em idosos: Também existem boas evidências de efeitos positivos dos probióticos para o prognóstico desse tipo de diarreia. Porém, parece que apenas as bactérias Lactobacillus surtem o efeito clínico desejado; (Ref.29)

6. Constipação Crônica Infantil: Estudos clínicos mostram uma eficácia muito superior dos probióticos quando comparados com o uso de placebos. Porém, os estudos são poucos e faltam análises de longo prazo; (Ref.24)

7. Infecções Pós-operatórias: Os estudos sobre o uso dos probióticos para tratar as perigosas infecções que surgem após cirurgias são muito escassos. Em cirurgias abdominais, parece existir resultados positivos, porém incertos; (Ref.25)

8. Doenças Cardíacas: Existem promessas nessa área, mas, por enquanto, tudo fica no campo das hipóteses e esperanças. Não se sabe ainda os mecanismos ligando os probióticos na microbiota intestinal a efeitos positivos em outras partes do corpo. Provavelmente, através de substâncias produzidas por essas cepas ou inibição do crescimento de bactérias ruins que produzindo substâncias tóxicas para o organismo hospedeiro. Além disso, isso provavelmente depende da genética, idade, entre outros fatores biológicos associados a cada indivíduo; (Ref.26)

8. Infecção pela bactéria Clostridium difficile: As infecções intestinais causadas por essa bactéria são um grave perigo para a saúde pública, levando a fortes diarreias, dores abdominais, inflamações e lesões no intestino. Só nos EUA, 29 mil pessoas morrem todos os anos por causa dessa bactéria. Probióticos são uma esperança de arma contra esses patógenos, mas não existe comprovação de que eles funcionem para esse fim. Várias cepas já foram testadas, mas nenhuma mostrou eficácia significativa contra essas infecções; (Ref.27)

9. Infecção pela bactéria Helicobacter pylori: Outra perigosa bactéria para o intestino também teve tratamentos com probióticos testados. Apesar de nem todas as misturas de cepas surtirem efeito no combate ao H. pylori, algumas geraram resultados positivos e promissores. A vantagem de se usar probióticos para esse tipo de bactéria é que isso dispensa o uso de antibióticos, estes os quais trazem grandes prejuízos para a microbiota normal quando administrados; (Ref.30)

10. Crianças mal nutridas: É sugerido que os probióticos, especialmente aqueles de produtos fermentados, possam contribuir para um melhor crescimento de crianças mal nutridas em países sub- e em desenvolvimento. Apesar de alguns trabalhos reportarem efeitos positivos, outros não veem diferença no uso de probióticos para melhorar a saúde e o crescimento dessas crianças. Ou seja, nada é conclusivo nessa área; (Ref.28)

11. Controle da Glicemia sanguínea: Os resultados, mais uma vez, são conflitantes. Porém, revisões sistemáticas e meta-análises sugerem que certos probióticos podem ajudar a controlar, modestamente, os níveis de glicose no sangue e a otimizar a sensibilidade do corpo à insulina; (Ref.33)

12. Obesidade: Não existem evidências científicas convincentes de que os probióticos ajudem na conquista de uma massa corporal saudável por indivíduos obesos ou com sobrepeso, apesar da microbiota intestinal ser suspeita de interferir no controle do acúmulo adiposo no corpo por mecanismos ainda não esclarecidos; (Ref.34)

13. Saúde bucal: Alguns estudos sugerem que certos tipos de probióticos podem ter efeitos positivos na saúde bucal, mas nenhum deles é conclusivo (Ref.16).

        Como podemos ver, no geral, não existem recomendações conclusivas quando o assunto são probióticos  e seus alegados efeitos positivos na saúde de indivíduos com a microbiota normal, especialmente quando analisamos seu lado 'curandeiro'. No entanto, em casos onde a microbiota intestinal é gravemente desequilibrada - como após o uso de antibióticos - probióticos terapêuticos específicos e usados sob orientação médica podem ajudar, apesar de existirem controvérsias (3). Essas controvérsias e resultados conflitantes são o motivo do FDA (Agência de Drogas e Alimentos dos EUA) não ter aprovado nenhum probiótico para a prevenção ou tratamento de qualquer problema de saúde (Ref.38).

          Aliás, um estudo publicado em 2016 na BMC Medicine (Ref.35) concluiu que os probióticos usados nos últimos anos não parecem modificar significativamente a composição da microbiota de pessoas saudáveis. Para explicar reportes de indivíduos saudáveis que alegam terem obtido benefícios com o consumo de probióticos, os pesquisadores se apoiaram na hipótese de que os probióticos podem promover homeostase na microbiota intestinal, ao invés de mudança na sua composição. Isso mostra o quão longe estamos de entendermos o real papel dos probióticos na nossa microbiota.

          Por outro lado, existe também um acúmulo de evidências no sentido de favorecer o uso dos probióticos. Um estudo de revisão sistemática e meta-análise publicado em 2018 no European Journal of Public Health (Ref.39) mostrou que crianças e bebês que recebem suplementos de probióticos (no caso, de cepas do gênero Lactobacillus e Bifidobacterium) parecem cortar em até 53% o uso de antibióticos, ao diminuir a duração e/ou severidade de certos tipos de infecções agudas comuns. Essa redução no uso de antibióticos diminui substancialmente a exposição aos riscos de efeitos adversos associados a esses medicamentos, especialmente a resistência bacteriana. No entanto, mais estudos precisam ser feitos para corroborarem esse achado e verificarem se indivíduos em outras faixas de idade também são beneficiados da mesma forma.

            Já um estudo publicado na PLOS Biology (Ref.41) encontrou que humanos e outros primatas superiores possuem na superfície das células proteínas chamadas de receptores de ácido hidróxicarboxilico (HCA) que detectam metabólitos produzidos por bactéricas comumente encontradas em alimentos fermentados e engatilham o movimento de células imunes. A maioria dos mamíferos possuem apenas dois tipos desses receptores (HCA1, HCA2), mas os primatas superiores possuem três. Em específico, os pesquisadores encontraram que o metabólito D-fenilático se liga fortemente ao nosso exclusivo terceiro receptor (HCA3), fomentando respostas imunes que podem explicar como os probióticos promovem benefícios ao corpo humano. Aliás, os pesquisadores propuseram que o receptor HCA3 emergiu em um ancestral comum dos humanos e dos outros primatas superiores, como o chimpanzé e o gorila, possibilitando o maior consumo de alimentos que começaram a apodrecer, como frutas colhidas do chão, a partir de uma maior tolerância a bactérias fermentadoras e potenciais bactérias patogênicas.

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   (3) ESTUDOS ISRAELENSES

          Dois estudos publicados recentemente no periódico Cell (Ref.36-37) encontraram resultados que reforçam a controvérsia, trazendo evidências de que os probióticos distribuídos a esmo hoje no mercado são, em geral, bem inúteis, e que aqueles usados via prescrição médica para a recuperação da microbiota intestinal podem trazer prejuízos para o paciente. Os dois estudos, realizados por pesquisadores do Instituto de Ciências de Israel, analisaram diretamente regiões do trato gastrointestinal, não apenas as fezes como outros estudos do tipo geralmente estavam fazendo, o que garantiu resultados bem confiáveis.

          No primeiro estudo, 25 voluntários humanos se submeteram endoscopias e colonoscopias para a retirada de amostras da microbiota em regiões do intestino. 15 desses voluntários foram, então, divididos em dois grupos: em um os voluntários consumiram cepas genéricas de probióticos (11 gêneros mais comumente prescritos), enquanto no segundo houve o consumo de placebo. Ambos os grupos, então, se submeteram a uma segunda rodada de endoscopias e colonoscopias para o acesso ao conteúdo intestinal antes de serem acompanhados por outros dois meses.

          No final desse primeiro estudo, os pesquisadores descobriram que os probióticos colonizaram com sucesso apenas o trato intestinal de algumas pessoas, chamadas de "persistentes", enquanto a microbiota dos "resistentes" rejeitou as novas bactérias. Esse padrão de colonização e rejeição mostrou seguir o perfil genético expresso pelas bactérias nativas no intestino dos indivíduos. Além disso, os pesquisadores mostraram que o conteúdo bacteriano fecal apenas parcialmente estava correlacionado com a funcionalidade da microbiota ativa no intestino, corroborando algumas revisões sistemáticas em anos recentes sobre o assunto.

          Já no segundo estudo, os pesquisadores investigaram se o uso de probióticos sob prescrição médica para repopular a microbiota intestinal era realmente benéfico. Para isso, 21 voluntários receberam um tratamento de antibiótico - para limpar as populações de bactéria no intestino - e, então, foram aleatoriamente divididos em dois grupos. O primeiro grupo recebeu os mesmos probióticos genéricos do primeiro estudo. O segundo grupo foi deixado se recuperando por conta própria, sem nenhuma intervenção terapêutica. E o terceiro grupo recebeu a recente e aclamada técnica de transplante de fezes - no caso um transplante de microbioma fecal autólogo (aFMT) -, com amostras retiradas da própria microbiota dos voluntários antes do tratamento com antibióticos.

           Contrariando o esperado e alegado, o grupo que recebeu o tratamento com probióticos demorou meses para recuperar a microbiota e perfil genético intestinal normais, porque a colonização das bactérias probióticas dificultou a recolonização das bactérias nativas. Já o grupo que recebeu o aFMT recuperou sua microbiota e perfil genético intestinal normais em questão de dias. Esses resultados quebraram o dogma de que prescrever probióticos após o uso de antibióticos é seguro e benéfico para todo mundo.

          Os resultados dos dois estudos sugerem que uma melhor estratégia para a manipulação da microbiota seria um tratamento mais individualizado, dependente de cada paciente e da circunstância clínica, não a prescrição genérica de probióticos.

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   RISCOS À SAÚDE?

           Apesar de serem raros, existem alguns estudos que reportam efeitos negativos do uso de certos probióticos em pacientes com certas enfermidades (Ref. 16). Pacientes imunossuprimidos, por exemplo, podem ficar suscetíveis a infecções após a ingestão de probióticos. Além disso, muitos probióticos lançados no mercado não passam por rígidas análises de segurança alimentar, sendo que acabam tendo sua atividade biológica apenas extrapoladas de outras cepas bacterianas comprovadamente inofensivas e potencialmente terapêuticas. No entanto, a cepa de uma espécie pode ter efeitos completamente diferentes de outra cepa da mesma espécie. Por isso, sempre pesquise antes o probiótico visado para ver se ele possui certificado oficial de segurança alimentar.

           Um estudo publicado na Clinical and Translational Gastroenterology (Ref.38) mostrou que o uso indiscriminado e abusivo de probióticos pode levar ao desenvolvimento de acidose lática e consequente prejuízo para as funções cerebrais, especialmente em pacientes com problemas de motilidade gastrointestinal - assim como aqueles tomando opioides e inibidores de bomba de próton -, os quais reduzem a secreção ácida no estômago, o que por sua vez diminui a destruição natural do excesso de bactérias sendo ingerido. No estudo foram analisados 38 pacientes, dos quais 30 reportaram problemas como confusão e dificuldade de concentração, além de desconfortos com gases intestinais, e todos estavam usando diferentes variedades de probióticos. Os pesquisadores mostraram que esses pacientes estavam com uma quantidade anormal de bactérias no intestino delgado, e alguns deles tinham 2 a 3 vezes a quantidade normal de ácido D-lático - substância temporariamente tóxica para as células cerebrais e que interfere com a cognição, pensamento e sensação de tempo - na circulação sanguínea. As bactérias probióticas produzem esse ácido via fermentação lática. Após descontinuarem o consumo dos probióticos, quase todos pacientes melhoraram completamente. Probióticos devem atuar no cólon, e não no intestino delgado. Isso reforça que os probióticos devem ser tratados como medicamentos, não como suplementos alimentares, onde um profissional de saúde idealmente precisa analisar o paciente e realizar um balanço de riscos e benefícios.

           Para finalizar, temos também outro preocupante problema apontado por um estudo publicado no periódico Cell Host & Microbe (Ref.40). Bactérias probióticas podem evoluir uma vez dentro do corpo hospedeiro, com o potencial de se tornarem menos efetiva e às vezes até mesmo prejudiciais. O estudo analisou ratos que receberam uma cepa da bactéria Escherichia coli - Nissle (EcN), comumente vendida na Europa como um probiótico anti-diarreia - sob diversas situações dietéticas e microbióticas, incluindo exposição a antibióticos. Após algumas semanas, os pesquisadores encontraram várias mudanças (mutações) no DNA das bactérias probióticas, levando-as a adquirir novas habilidades dentro do intestino dos roedores. Em certos cenários experimentais, as bactérias inclusive ganharam a capacidade de se alimentarem da parede protetora cobrindo o intestino, e a destruição desse tecido têm sido ligada ao desenvolvimento da síndrome do intestino irritável. A dieta e o tipo (diversidade) da microbiota intestinal dos ratos analisados influenciaram como e quanto os probióticos evoluíam. Por fim, o uso de antibióticos levou à evolução de resistência nos probióticos.

           Todas as espécies de bactérias em qualquer ambiente tipicamente sofrem rápidos processos evolutivos em curtos espaços de tempo, devido às altas taxas reprodutivas desses seres. No intestino humano, um caso notável é a bactéria Bacteroides fragilis, a qual é uma das mais prevalentes no intestino grosso. Um estudo publicado na Cell Host & Microbe (Ref.42) revelou diversas mudanças adaptativas via mutações de novo - incluindo, no mínimo, 16 genes sob processo de evolução paralela - na B. fragilis entre indivíduos, dependendo da diversidade microbiótica, dieta (mais ou menos fibras, por exemplo) e localização geográfica (mutações adaptativas observadas foram mais frequentes no Ocidente). Em outras palavras, essa bactéria se adapta a cada novo hospedeiro, adquirindo vários novos traços fenotípicos. Nesse sentido, processos evolutivos também precisam ser levados em conta durante o desenvolvimento (estudos clínicos) e prescrição de probióticos, algo que é amplamente ignorado pelos fabricantes e profissionais de saúde.

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   TRANSPLANTE DE FEZES

        Atualmente, existem duas formas, comprovadas e eficazes, de aumentar a saúde da microbiota no trato intestinal. A primeira vem com uma dieta alimentar  equilibrada, rica, principalmente, em fibras (1). Por isso, muitas vezes achamos que os probióticos estão fazendo bem, mas é só nossa dieta que mudou para melhor. A maioria das pessoas, quando procuram os probióticos, estão em um programa de reeducação da própria saúde, buscando um estilo de vida mais saudável, e, com isso, a dieta também acaba sendo privilegiada. O consumo maior de verduras, frutas e alimentos integrais fornece uma rica e variada oferta de fibras alimentares e outros nutrientes essenciais à nossa boa saúde da microbiota intestinal (mas isso não quer dizer que doenças poderão ser curadas ou amenizadas, apenas que as suas bactérias intestinais estarão saudáveis e poderão ajudar a prevenir o surgimento dessas doenças).

         A segunda solução vem ganhando cada vez mais popularidade no meio médico, mas também é bastante estranha. Estou falando da transfusão de fezes (e é isso mesmo que você está pensando!). Qual é a lógica? Temos um paciente que está sofrendo com um desequilíbrio bacteriano na sua microbiota, e eu tenho um doador que está com sua microbiota em perfeitas condições. O que fazer? O óbvio: retiramos fezes saudáveis do doador, rica em bactérias benéficas, e introduzimos no paciente. A flora boa irá colonizar o trato intestinal do enfermo, restaurando a saúde do intestino! E esse tratamento já está sendo bastante usado e dando resultados excelentes - inclusive já mencionado no segundo estudo Israelense. E evidências científicas mais recentes indicam que não só bactérias benéficas, como partículas virais benéficas presentes nas fezes são responsáveis pela eficácia da técnica (Ref.43).

          Com o refinamento futuro do procedimento, o transplante de fezes é até mesmo uma esperança de cura para a síndrome do intestino irritável, a qual ainda é um mistério para a medicina, e um possível tratamento efetivo para a diabetes tipo-2 e para a obesidade.

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   CONCLUSÃO

          Apesar dos probióticos guardarem potenciais benefícios à saúde, a eficácia desses suplementos vivos é controversa no meio acadêmico, e ingeri-los de forma indiscriminada não parece ser a melhor opção, especialmente aqueles associados a produtos alimentícios. Efeitos adversos também estão associados aos probióticos dependendo da condição de saúde do paciente. Além disso, não sabemos ao certo ainda quais cepas e espécies bacterianas são as mais indicadas e potencialmente eficientes para cada tipo de problema específico. Nesse sentido, procure sempre um profissional de saúde antes de iniciar um tratamento visando sua microbiota intestinal e não confie em propagandas que prometem curas milagrosas com os probióticos. Outros tratamentos mais individualizados podem ser bem mais eficazes para resolver o seu problema, como o transplante de fezes.


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REFERÊNCIAS CIENTÍFICAS
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