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Aprender novas línguas vai além da carreira profissional: Pode otimizar o cérebro e prevenir doenças neurodegenerativas

          Linguagem é um dos nossos mais complexos traços e a mais importante ferramenta de comunicação humana. Aliás, nossa espécie (Homo sapiens) é a única conhecida com capacidade de linguagem (1) e existem atualmente ~7 mil línguas faladas (2) por diferentes povos e culturas, além de 293 sistemas de escrita reconhecidos ao redor do mundo (3). Essa grande diversidade resulta de um processo histórico muito similar àquele observado no fenômeno da evolução biológica, incluindo ancestralidade comum com conservação de estruturas linguísticas básicas, adaptação linguística a diferentes ambientes, evolução cultural convergente de características gramaticais e acentuada divergência com o isolamento geográfico dos povos (Ref.3-4) (1). Cerca de metade da humanidade fala mais de uma língua, e vários adultos conseguem ler em mais de uma língua e dominar múltiplos sistemas de escrita.

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          Enquanto o aprendizado de múltiplas línguas é tradicionalmente incentivado como uma ponte para maiores oportunidades acadêmicas e profissionais, estudos nas últimas décadas têm mostrado que indivíduos bilíngues e poliglotas adquirem também vantagens ligadas à performance cognitiva e à integridade cerebral, incluindo proteção contra doenças neurodegenerativas. E isso não deveria ser uma surpresa, considerando que o cérebro humano é estruturado e preparado em especial para a aquisição e uso de linguagem.

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(1) Leitura complementar:


(2) Língua é um sistema de comunicação formado por palavras, frases e regras gramaticais que permite a expressão [verbal e escrita] de ideias e emoções. Ela é específica de uma comunidade linguística e é transmitida de geração em geração (ex.: Inglês, Francês, Português, etc.). Já a linguagem é um sistema mais amplo de comunicação humana, que engloba não só a língua, mas também outros elementos como gestos, expressões faciais, sinais, sons, entre outros. A linguagem é utilizada para a transmissão de informações, ideias e sentimentos entre indivíduos ou grupos e pode ser verbal (ex.: palavras escritas e faladas) e não-verbal (ex.: gestos, desenhos, expressões faciais). A língua é específica de uma comunidade (é a linguagem própria de um povo), enquanto a linguagem é universal e comum a todas as culturas e sociedades humanas. Idioma tipicamente refere-se à língua oficial de um país. Dialeto é uma variação de uma língua dentro de um grupo social ou região específica, e inclui gírias e trejeitos próprios de grupos por laços culturais (ex.: português mineiro, nordestino, carioca, paulista, etc.).

> Válido mencionar que as palavras "língua" e "linguagem" possuem origem Francesa (lange e langage) e não possuem significado diferenciado em todas as línguas ou são tratadas comumente como sinônimos. Por exemplo, no Inglês, o termo language refere-se ao idioma, ao sistema linguístico e também à faculdade humana de linguagem - ou seja, não existe diferenciação entre língua e linguagem na língua Inglesa.

(3) Ao contrário dos sistemas de escrita, línguas faladas consistem de sons humanos (ex.: caracteres acústicos) e não dependem do sistema visual. Um sistema de escrita é um conjunto de caracteres gráficos que, combinados uns com os outros, fornecem uma representação visual de uma ou várias línguas humanas. Um único sistema de escrita (ex.: Latim) pode ser usado para escrever um número de diferentes línguas (ex.: Inglês, Francês, Espanhol, Alemão, etc.). Diferentes sistemas de escrita também podem ser usados para formar uma língua. Escrita é uma inovação relativamente recente na história humana, ocorrendo há alguns poucos milhares de anos e, em um grau muito maior do que as línguas faladas, requerendo um esforço explícito e deliberado de aprendizado e transmissão. Ref.5-6

> O Latim é o sistema de escrita mais usado no mundo (quase 70% da população mundial), representando pelo menos 305 línguas. O Chinês e o Árabe vêm em segundo e terceiro lugares, respectivamente. Existe evidência recente que alguns sistemas de escrita são mais complexos do que outros, desafiando a popular hipótese de que todas as línguas humanas possuem a mesma complexidade (Ref.7).

> Segundo o site Ethnologue, existem 7168 línguas no mundo, as quais variam amplamente em suas propriedades estruturais mas compartilhando vários elementos. E muitas dessas línguas estão sob risco de extinção (Ref.4). As línguas nativas mais comumente encontradas são o Mandarim Chinês (escrito por 20% dos habitantes na Terr), Hindi-Urdu (8,5%), Inglês (7,3%), Árabe (6,4%), Espanhol (5,4%) e Bengali (3,4%).  

> Aproximadamente 17% da população mundial consegue falar Inglês, a maioria como segunda língua. Quase 75% de todas as publicações científicas são em inglês, devido à intensa e crescente influência Norte-Americana ao redor do mundo durante o século XX (através de incursões militares, Hollywood, explosão de pesquisas científicas nos EUA, etc.). Já a partir da década de 1990, o Inglês se tornou uma indisputável Língua Franca - uma língua comum adotada intencionalmente ou criada por pessoas de diferentes línguas para o entendimento mútuo entre elas - a nível global. Ref.8

> Apesar do Brasil ter o português como único idioma oficial, o país é habitado por falantes de mais de 200 línguas. Segundo o INDL (Inventário Nacional da Diversidade Linguística), são faladas no país cerca de 180 línguas indígenas e 30 de imigração, línguas de sinais e afro-brasileiras, todas apresentando uma enorme variabilidade em termos de sons, morfologia e sintaxe. Entre as línguas de imigração, temos o talian, criado a partir de dialetos falados por imigrantes italianos no Rio Grande do Sul e em Santa Catarina. Existe proposta recente de inclusão de seis novas línguas, incluindo o iorubá - falado em casas de religião de matriz Africana de origem nagô ou iorubá - e o hunsrückisch - desenvolvida a partir de uma base dialetal germânica por imigrantes Alemães. Ref.9
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   CÉREBRO MULTILÍNGUE

          Um crescente número de estudos nos últimos anos têm apontado que, quando comparado com monolíngues (indivíduos que dominam apenas uma língua), jovens e adultos bilíngues ou poliglotas exibem alterações em regiões corticais e estruturas de massa cinzenta subcorticais, assim como em estruturas de matéria branca que conectam essas regiões (Ref.10). Isso sugere que o aprendizado e o uso de múltiplas línguas produzem mudanças de longo prazo nas estruturas cerebrais assim como outros processos de aquisição e manutenção de novas habilidades, incluindo malabarismo e uso de novas ferramentas. Os efeitos neuroplásticos associados à aquisição e uso de novas línguas parecem depender de múltiplos fatores, incluindo idade e experiência linguística.

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> Matéria cinzenta é um tipo de tecido no cérebro e na medula espinhal (sistema nervoso central) consistindo de altas concentrações de corpos neuronais, axônios terminais e dendritos. Matéria branca é encontrada nos tecidos mais profundos do cérebro (subcortical), e contém fibras nervosas (axônios), os quais são extensões das células nervosas (neurônios). Várias das fibras nervosas da matéria branca são revestidas por mielina, essa a qual é responsável pela cor branca desse tecido, além de protegê-lo e otimizar a transmissão de sinais nervosos ao longo dos axônios. O tom acinzentado da matéria cinzenta é devido à alta contração de corpos celulares dos neurônios.

Figura 1. O tecido cerebral pode ser dividido em matéria branca - constituída principalmente de axônios empacotados - e matéria cinzenta - composta principalmente de corpos celulares. A matéria cinzenta é encontrada na camada mais externa do cérebro (cortical) e é a sua parte mais importante em termos de permitir funcionamento normal do corpo, controlando movimentos, memória e emoções. Ref.11-14

> O cérebro humano é otimizado para o aprendizado e processos linguísticos e exibe inovações e expansões neuroanatômicas únicas entre os primatas hominídeos para esse fim, incluindo um nervo especial chamado arcuate fasciculus que faz conexões entre os lobos frontal, parietal e temporal que são cruciais para a capacidade da linguagem (Ref.35).

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          No geral, no processo inicial de aprendizado, controle e uso de uma nova língua, observa-se um aumento de tecido de matéria cinzenta no cérebro, refletido como aumentos na espessura ou volume cortical - provavelmente devido ao desenvolvimento de novas espinhas dendríticas e talvez envolvendo neurogênese. Esse aumento é seguido por um lento processo de redução da nova matéria cinzenta formada, à medida que as novas redes neurais formadas se tornam mais eficientes ao longo do tempo e com a prática linguística. E à medida que bilíngues ou poliglotas se tornam mais experientes com a nova habilidade linguística adquirida, temos um aumento na integridade da matéria branca - especificamente em fibras conectando o estriado ao córtex frontal inferior.

          Um estudo publicado em 2020 no periódico Brain Structure and Function (Ref.15), analisando os padrões de desenvolvimento cerebral em >700 participantes com idades de 3 a 21 anos, mostrou que a perda de matéria cinzenta que crianças e adolescentes experienciam durante o desenvolvimento é menos pronunciada em bilíngues do que naqueles que falam apenas uma língua. Além disso, crianças e adolescentes bilíngues mostraram ter uma maior quantidade de matéria branca. Ambos os efeitos foram observados principalmente em áreas cerebrais ligadas ao aprendizado e uso de línguas.

          Nesse sentido, existem também múltiplas evidências apontando que o aprendizado e uso de duas ou mais linguagens induzem neuroplasticidade de longo prazo que protege bilíngues e poliglotas de efeitos adversos cognitivos associados ao avanço da idade. Uma maior integridade da matéria branca pode também persistir em idades mais avançadas e amenizar processos neurodegenerativos. Essa neuroplasticidade pode também otimizar funções cerebrais.


   PROTEÇÃO CEREBRAL

          A média de idade da população global continua subindo ano após ano, acompanhando um crescente número de pessoas sofrendo de doenças associadas com o avanço da idade, como demência. As síndromes demenciais - incluindo a doença de Alzheimer (3) - são caracterizadas pela presença de déficit progressivo na função cognitiva, com maior ênfase na perda de memória, e interferência nas atividades sociais e ocupacionais. Nenhuma atual intervenção farmacológica comprovadamente pode prevenir ou modificar a progressão da demência. Portanto, a identificação de fatores protetores modificáveis é crucial como estratégia preventiva. Entre esses fatores associados com proteção contra a demência, educação, ocupações cognitivamente estimulantes e multilinguismo.

(3) Sugestão de leitura:


          Múltiplos estudos têm apontado uma ação protetiva do domínio de duas ou mais línguas contra a doença de Alzheimer e demências relacionadas. Indivíduos capazes de usar apenas uma única língua estão associados com uma manifestação mais precoce de Alzheimer em relação àqueles que dominam duas ou mais línguas. Um notável estudo de 2016 encontrou que a prevalência de demência em países onde mais de uma língua é falada é 50% menor do que nas regiões onde a população usa apenas uma língua para se comunicar (Ref.16). Enquanto outros fatores sociais e ambientais podem também contribuir para tal robusta diferença de prevalência, a evidência sugestiva trazida por esse estudo se soma a múltiplas outras evidências observacionais e neurobiológicas de que o aprendizado e uso consistente de duas ou mais línguas pode ser um fator de proteção contra doenças neurodegenerativas e cognitivamente debilitantes. Evidência mais recente aponta que bilíngues ativos são diagnosticados com doenças neurodegenerativas 5-7 anos mais tarde do que falantes monolíngues (Ref.17).

          Em um estudo publicado em 2019 no periódico Journal Alzheimer’s Disease (Ref.18), pesquisadores selecionaram e analisaram 325 freiras Católicas Romanas da Escola de Irmãs de Notre Dame, nos EUA, com +75 anos de idade e todas com um background e estilo de vida similares pós-adolescência. Eles encontraram que 6% das freiras que falavam quatro ou mais línguas desenvolveram demência, comparado com 31% daquelas que falavam apenas uma língua.

          Um estudo publicado em 2020 no periódico Neuropsychologia (Ref.19) encontrou que falar duas línguas com frequência regular - e ao longo de toda a vida - aumenta a reserva cognitiva e atrasa o aparecimento de sintomas associados com declínio cognitivo e demência. O estudo foi conduzido na Espanha e analisou 63 indivíduos saudáveis, 135 pacientes com leve problema cognitivo (ex.: perda de memória) e 68 pessoas com Alzheimer - o tipo mais prevalente de demência - em quatro hospitais de Barcelona e na região metropolitana. Os participantes analisados dominavam bem o Catalão e/ou o Espanhol. Indivíduos com um maior nível de bilinguismo receberam um diagnóstico mais tardio de problemas cognitivos. Resultados similares foram observados em um estudo publicado no mesmo ano no periódico  The Journals of Gerontology (Ref.20), mas envolvendo participantes que ativamente falavam Inglês e línguas Chinesas.

          Além de demências, o cérebro humano começa a ter uma piora na performance com o avanço da idade: redução na velocidade de processamento de informações, deterioração de memórias de curto prazo e episódicas, e declínio em habilidades linguísticas, executivas e espaço-visuais. Esse processo é chamado de envelhecimento cognitivo. A nível neuronal, se manifesta através de mudanças anatômicas nas matérias cinzentas e branca em regiões específicas do cérebro. Em um estudo experimental publicado em 2022 no periódico Frontiers in Psychology (Ref.21), analisando 63 adultos saudáveis - e sem histórico de problemas psiquiátricos ou neurodegenerativos - com 60 anos ou mais de idade, pesquisadores encontraram que o bilinguismo pode reduzir e mitigar o curso de mudanças associadas com o avanço da idade no cérebro humano.

          A velocidade na qual o envelhecimento cognitivo ocorre varia e depende da reserva cognitiva - a habilidade do cérebro de lidar com os efeitos danos cerebrais associados com o avanço da idade e de manter performance ótima. Essa reserva é construída ao longo da vida da pessoa, à medida que o cérebro fortalece redes neurais em resposta a vários estímulos externos. Quanto mais complexas as redes neurais são, maior é a reserva cognitiva e menor as mudanças deletérias idade-associadas. Já é provado que a reserva cognitiva é influenciada por exercícios físicos, nutrição, carreira, hábitos de lazer, nível educacional, status sócio-econômico e vários outros fatores. Quanto mais tempo a pessoa estuda e usa duas ou mais línguas e quanto mais fluente é a pessoa em duas ou mais línguas, maior é a reserva cognitiva.

          No caso específico do bilinguismo ou multilinguismo, o controle executivo do cérebro está relacionado ao sistema usado para controlar duas línguas: precisa trocar entre elas, fazendo o cérebro focar em uma delas e então na outra, para evitar uma língua de intrometer na outra durante a fala. No contexto de doenças neurodegenerativas, esse sistema pode contornar os sintomas. Quando algo não está funcionando bem devido à doença, graças ao fato do bilinguismo, o cérebro possui sistemas alternativos eficientes para resolver o problema.

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          Nesse mesmo caminho, existe evidência de que o multilinguismo também melhora a persistência cognitiva, ou seja, a habilidade de aplicar esforço cognitivo para superar dificuldades em tarefas desafiadoras. Esse efeito ocorreria no cérebro através da rede cíngulo-opercular, consistindo do giro frontal inferior bilateral (IFG) e o córtex cingulado anterior dorsal (dACC) (Ref.22).

          Por exemplo, durante conversação em um ambiente barulhento (ex.: boate), um indivíduo com baixa persistência cognitiva pode desistir e parar de escutar a outra pessoa devido à dificuldade de tentar reconhecer e seguir a fala no background ruidoso; já um indivíduo com maior persistência cognitiva pode aumentar o investimento em esforço no sentido de entender com sucesso a fala da outra pessoa. Uma pessoa com menor habilidade cognitiva mas com maior persistência cognitiva pode exibir uma performance melhor em tarefas diversas do que indivíduos com maior habilidade cognitiva mas com menor persistência cognitiva. Portanto, é possível para a persistência cognitiva compensar déficit cognitivo, incluindo declínios cognitivos associados com o avanço da idade.


   VANTAGEM BILÍNGUE

           Existe um contínuo debate sobre o potencial do multilinguismo conferir vantagens em outras áreas da cognição (Ref.23). Comportamentos linguísticos como troca entre línguas no cérebro durante fala, audição ou leitura são frequentemente assumidos de engajar funções executivas de domínio geral que controlam e regulam comportamentos e tarefas diversas, verbais e não-verbais. Mudanças neurais e cognitivas nesse sentido podem melhorar funções executivas, um fenômeno conhecido como vantagem bilíngue. E várias evidências acumuladas têm demonstrado interatividade entre funções linguísticas e não-linguísticas; um exemplo é a evidência recente de que bilíngues e monolíngues processam memórias visuais de forma diferente por causa dos diferentes graus de sobreposição de termos com fonética similar (Ref.24).

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> Funções executivas são um conjunto de processos de controle cognitivo que são centrais para o comportamento complexo. Elas incluem planejamento de ações futuras, inibição de respostas indesejadas, monitoramento do próprio comportamento, atenção, realização de multitarefas e memória de trabalho. Funções executivas são processos endógenos que modulam processos de menor nível em um modo de "topo para baixo", sendo usadas em qualquer processo onde sistemas automáticos falham, independentemente da modalidade sensorial e da estrutura da tarefa.
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          Nesse caminho, é amplamente defendido que indivíduos bilíngues e multilíngues são melhores equipados para lidar com múltiplas tarefas e que eles possuem melhor atenção do que aqueles que falam apenas uma língua. O cérebro bilíngue parece ser também melhor em ignorar informação irrelevante em comparação com o cérebro monolíngue (Ref.25). E, como explicado, isso parece razoável: pessoas  que dominam mais de uma língua precisam constantemente trocar a atenção entre linguagens enquanto falam, e alternam entre palavras e estruturas gramaticais que são distintas entre si. Como resultado, as funções executivas plausivelmente seriam mais eficientes nessas pessoas do que em monolíngues - apesar do cérebro humano também compartilhar mecanismos de combinação de palavras de uma única língua para a combinação de palavras de diferentes línguas (Ref.34).

          Porém, historicamente, evidências científicas de suporte para essa hipótese (vantagem bilíngue) têm sido controvérsias ou conflitantes, em especial devido à dificuldade de isolar diversas covariáveis, incluindo status socioeconômico.

          Em 2019, um rigoroso estudo publicado no periódico Frontiers in Psychology (Ref.26) - Attetion Network Task (ANT) - buscou superar as limitações de estudos prévios, usando uma amostra homogênea de 57 jovens adultos com diferentes proficiências em Inglês-Russo e que haviam iniciado o aprendizado na segunda língua em idade escolar. No estudo, foram avaliadas a eficiência dos participantes em tarefas cognitivas associadas à atenção: estado de alerta (prontidão para o estímulo), orientação (direcionamento de atenção para o estímulo) e controle executivo (troca de atenção de um estímulo para outro). Os resultados trouxeram evidência (ANT Evidence) suportando a correspondência entre bilinguismo e eficiência do controle cognitivo: maior competência na segunda língua [Inglês] estava associada com 8% na variância de controle executivo.

          Um estudo de revisão mais recente, publicado em 2023 no periódico Developmental Review (Ref.27), analisou 147 estudos através de metodologia Bayesiana e concluiu que crianças bilíngues são significativamente superiores em tarefas de função executiva do que crianças monolíngues. Os autores da análise realçaram que a evidência de suporte para essa conclusão era muito forte.

          O simples processo de aprendizado de uma nova língua parece também melhorar as funções executivas. Um estudo publicado no periódico Aging Neuropsychology and Cognition (Ref.28) recrutou 76 adultos com idades de 65 a 75 anos, todos monolíngues, cognitivamente saudáveis e que nunca haviam estudado Espanhol e outras línguas nos últimos 10 anos. Divididos em três grupos - aprendizado linguístico (Espanhol), treino cerebral ou nenhum dos dois -, os pesquisadores mostraram que o grupo submetido ao aprendizado de uma nova língua exibiu melhoras similares nas funções executivas e memória de trabalho em relação ao grupo com treino cerebral. E mais: aqueles aprendendo uma nova língua apreciaram bem mais o tempo gasto na atividade em comparação com aqueles com treinamento cerebral padrão, implicando em maior aderência à intervenção.

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         E as vantagens do multilinguismo nas funções executivas podem já ter significativo impacto antes do primeiro ano de vida. Em um estudo publicado em 2019 no periódico Developmental Science (Ref.29), pesquisadores mostraram que bebês expostos a um ambiente com mais de uma língua exibem melhor controle de atenção do que bebês expostos a apenas uma língua, mesmo processando apenas informações linguísticas auditivas. E atenção é a base para toda a cognição.


> Por que é tão difícil aprender a falar uma nova língua quando adulto?

          Especialização funcional no cérebro é um princípio bem estabelecido de organização neural, e os dois lados cerebrais não dividem igualmente o trabalho para toda função. E enquanto a capacidade para reorganização neural diminui com a idade, essa não completamente desaparece, e a plasticidade neural adulta é essencial para o aprendizado e manutenção de nova informação ou comportamentos.

          A linguagem tipicamente ativa a rede fronto-temporal-parietal e tem sido considerada ser predominantemente lateralizada na parte esquerda do cérebro. Porém, o hemisfério direito parece ser capaz de tomar controle ou suportar a função de linguagem quando necessário (ex.: danos no hemisfério esquerdo). A língua em específico é um constructo complexo, envolvendo representações em multiníveis que podem ser processadas visualmente (leitura), auditivamente (escuta) ou via produção motora (fala/escrita), e evidência acumulada aponta que essas funções são lateralizadas de forma diferente no cérebro.

           Em um estudo publicado em 2020 no periódico Jounal of Neuroscience (Ref.29), pesquisadores usaram imagem por ressonância magnética funcional (fMRI) para comparar a atividade neural entre hemisférios de adultos aprendendo uma nova língua enquanto liam, escutavam e falavam na língua nativa ou nas novas línguas. Nos estágios iniciais do aprendizado linguístico, linguagens nativas ou novas mostraram ser bem similares no cérebro, mas em alunos mais avançados (maior proficiência), as assinaturas neurais das duas línguas eram mais distintas. As línguas nativa e novas eram capazes de recrutar hemisférios opostos para compreensão, mas o ato de falar quaisquer dessas línguas (produção verbal) mostrou permanecer a cargo do hemisfério esquerdo (forte lateralização cerebral).

          Os resultados do estudo sugerem que a produção linguística é específica do hemisfério esquerdo, enquanto compreensão (leitura, escuta) é mais flexível (exibe maior plasticidade neural). Isso pode explicar por que é mais difícil aprender a falar uma nova língua quando adulto, mesmo sendo possível aprender a entendê-la mais facilmente. Isso também explica por que pessoas afetadas por derrame cerebral exibem maior (mas não completa) recuperação na compreensão do que na produção linguística.

> Além do crítico e bem estabelecido envolvimento de regiões no hemisfério esquerdo do cérebro, evidências científicas mais recentes apontam que estruturas em regiões cerebrais abaixo do córtex cerebral (subcorticais) e do cerebelo também atuam de forma importante em processos linguísticos. Especialmente o cerebelo direito parece estar engajado durante vários desses processos, incluindo produção de fala, processamento visual e tarefas fonológicas. Ref.36 

> Apesar de parecer fácil falar, nosso cérebro realiza vários e complexos passos cognitivos na produção linguística verbal - incluindo pré-determinar as palavras que vão ser ditas, planejar movimentos articulatórios diversos e produzir de fato as vocalizações pretendidas. Nosso cérebro realiza esses passos com uma velocidade muito rápido, produzindo cerca de três palavras por segundo na fala natural e com pouquíssimos erros. Vários neurônios altamente organizados no córtex pré-frontal linguagem-dominante são especializados nessa tarefa. Ref.37

> Pessoas multilíngues (poliglotas) possuem maior facilidade do que pessoas bilíngues no aprendizado de novas linguagens, um fenômeno explicado pelo modelo teórico do melhoramento cumulativo de aquisição linguística. Ref.30


REFERÊNCIAS

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  3. Honkola et al. (2018). Evolution within a language: environmental differences contribute to divergence of dialect groups. BMC Evol Biol 18, 132. https://doi.org/10.1186/s12862-018-1238-6
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