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Qual é a maior flor do mundo?


Figura 1. A flor da espécie Rafflesia arnolddi pode medir até ~1 metro de diâmetro. Foto: J. Holden/Current Biology

           Parasitas existem em todos os tipos de formas de vida, incluindo plantas. Plantas parasíticas obtêm água e nutrientes através do haustório, o qual é anexado a raízes ou novos ramos da planta hospedeira. Essas plantas parasíticas consistem das plantas que são capazes de fotossintetizar (hemiparasitas) e aquelas que são incapazes de fotossintetizar (holoparasitas). Um dos clados de plantas cujos membros são holoparasitas é a família Rafflesiaceae. Plantas dessa família não possuem partes vegetativas (ex.: folhas) ou mesmo produzem clorofila (1), e crescem apenas no caule e raízes de plantas do gênero Tetrastigma, em florestas úmidas tropicais do Sudeste Asiático. E um membro específico desse clado, a espécie Rafflesia arnoldii, é famosa por exibir a maior flor única conhecida.

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(1) Leitura recomendadaComo funciona a fotossíntese e o que é a clorofila f?

          Endêmica da Indonésia, a R. arnoldii possui características biológicas únicas, como ausência de caule, folhas e de um sistema verdadeiro de raízes. Na verdade, o único órgão visível dessa espécie é a sua enorme flor. A semente dessa planta cresce ao longo de 2-3 anos dentro da planta hospedeira, através de corpos endofíticos extremamente reduzidos (espessura de uma única célula) que tipicamente se dividem perpendicular ao eixo e sem exibir perceptível diferenciação celular (estado embrionário). Eventualmente, os endófitos entram em um estágio de abrupta diferenciação celular, culminando no processo de floração. A flor visível que acaba completando seu desenvolvimento é também a única estrutura que é exposta ao ambiente externo (Fig.2) e é unissexual. Após maturação, a flor pode medir até 70-110 cm de diâmetro e acumular uma massa de 7 kg, com 5 lobos no perigone, cada um com 22-29 cm de comprimento e 23-33 cm de largura.


Figura 2. Estágios de desenvolvimento da flor Raffesia arnoldii. (A) Estágio de copule. (B) Estágio de transição copule-bráctea; nesse estágio, partes do botão (cp) estão ainda amplamente visíveis, e gradualmente substituídas por brácteas (br). (C) Estágio de bráctea, onde um botão visível é totalmente coberto por bráctea, uma estrutura similar à sépala. (D) Transição bráctea-perigone, onde as brácteas ainda são amplamente reconhecíveis (br) e gradualmente substituídas por lobos de perigone (pr). (E) Estágio de perigone; um botão visível nesse estágio é totalmente coberto por perigone, uma estrutura similar à pétala. (F) Estágio de antese (maturação da flor). É estimado que os indivíduos do sexo feminino de R. arnolddi levam 3-5 anos para completar seu ciclo de vida; indivíduos do sexo masculino 2-4 anos. Referência: Susatya, A., 2020


Figura 3. A espécie R. arnoldii foi primeiro descoberta em 1818 nas florestas tropicais de Sumatra, em uma expedição conduzida pelo médico Dr. Joseph Arnold e promovida pelo Governador-Geral da Companhia Britânica das Índias Orientais e fundador de Singapura, Sir. Thomas Stamford Raffles (daí os nomes 'Rafflesia' e 'arnoldii'). Arnold descreveu a espécie como "o maior prodígio do mundo vegetal". Referência: Samidjo et al., 2022; Foto: Robert Brown/Reserva de Palupu, Indonésia

          Por causa do enorme e anômalo período de tempo para as flores da R. arnoldii - e outras espécies do gênero Rafflesia - se desenvolverem de botões sobre o caule da planta hospedeira até o estágio de antese (em torno de 9 meses), e durarem menos de 1 semana desabrochadas (com subsequente decaimento), é muito difícil observá-las no ambiente natural. Soma-se a isso o período de anos no estágio vegetativo crescendo sobre a planta hospedeira (infecção). Devastação ambiental está também contribuindo para torná-las cada vez mais raras.

          Quando a flor da R. arnolddi desabrocha, um forte odor é emitido, similar àquele de carcaça apodrecendo e visando atrair seus principais polinizadores: moscas. De fato, as flores dessa espécie são frequentemente visitadas por insetos necrófagos e coprófagos (2). Espécies suspeitas de polinizarem essa flor incluem representantes do gênero Lucilia (moscas verdes), Sarcophaga (moscas cinzas), Drosophila (moscas da fruta) e a espécie Calliphora vomitoria (moscas azuis). Além de moscas, potenciais polinizadores incluem formigas pretas (Lasius fuliginosus, ordem Hymenoptera) e estafilínideos (insetos da família Staphylinidae) (Ref.4). A cor vermelha e outros padrões de cor e estruturais da flor também atuam no sentido de simular a aparência e a textura de uma carne apodrecendo no chão da floresta (Fig.3).

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(2) Esse sistema particular de mimetismo - simulação de corpos em decomposição - como estratégia reprodutiva é encontrado também em outras plantas angiospermas, incluindo uma espécie (Amorphophallus titanum) que bate o recorde de maior inflorescência conhecida. Compostos voláteis constituídos de enxofre são responsáveis por produzir o mau-cheiro.  Para mais informações: Cientistas descobrem flor que cheira como um inseto morto para atrair moscas

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Figura 4. As espécies do gênero Rafflesia, no geral, são notáveis pelo grande tamanho da flor (!) e forte cheiro de carcaça podre exalado. A espécie R. cantleyi, por exemplo, emite dois compostos mau-cheirosos, dissulfeto de dimetila (DMDS) e trissulfeto de dimetila (DMTS), e é efetivamente polinizada por moscas da espécie Chrysomya chani. A câmara floral no centro da flor funciona para aprisionar as moscas em ordem de maximizar a duração da visita e a chance de contato entre o polinizador e o pólen. Referência: Wee et al., 2018

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(!) Atualmente são conhecidas 30 espécies de Rafflesia, mas nem todas exibem grandes flores. Algumas espécies exibem flores com pequeno a moderado diâmetro, como as espécies R. manillana (~15 cm) e R. consueloae (~10 cm). É estimado que esse gênero emergiu dentro da família Rafflesiaceae há cerca de 73 milhões de anos, com evolução de gigantismo nos últimos 12 milhões de anos (Ref.6). O grande tamanho das flores é pensado servir para otimizar sua visualização pelos potenciais polinizadores. Durante o percurso evolutivo do gênero, houve substancial transferência horizontal de genes (3) com as plantas hospedeiras (Tetrastigma sp.).

Figura 5. Relações filogenéticas dentro da família Rafflesiaceae, cujos representantes são todos holoparasitas. Curiosamente, essa família é próximo relacionada à família Euphorbiaceae, plantas angiospermas não-parasitas e cujos membros (ex.: Euphorbia sp.) exibem flores com poucos milímetros de diâmetro. Referência: Nikolov & Davis, 2017

(3) Leitura recomendada: Como nova informação genética é gerada durante o processo evolutivo?

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          Interessante também notar que as flores do gênero Rafflesia exibem endotermia (Ref.7). Existe evidência de que as partes internas dessas flores são mantidas alguns graus (1-5°C) acima da temperatura do ar ambiente. Esse aquecimento extra aumenta a emissão de CO2 e plausivelmente a volatilização de compostos mau-cheirosos que a flor produz, potencialmente atraindo mais moscas. 

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          Caso a flor Rafflesia fêmea seja polinizada com sucesso, a estrutura abaixo da coluna que suporta o ovário se transforma em um fruto, carregando milhares de sementes miniaturizadas que serão provavelmente dispersas por pequenos mamíferos como roedores, esquilos e musaranhos. Existe evidência científica de predação dessas flores por trágulos-pequenos (ungulados da espécie Tragulus javanicus) e pelo roedor da espécie Hystrix javanica (Ref.8). Essas sementes irão germinar e penetrar novas plantas hospedeiras - apesar dos mecanismos e etapas desse processo serem ainda pouco esclarecidos.

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CURIOSIDADE: O Pokémon Vileplume é inspirado na espécie R. aroldii (Fig.6). Porém, apenas a aparência (morfologia externa) é similar àquela da R. arnoldii. Ao invés de exibir holoparasitismo, o Vileplume possui clorofila e realiza fotossíntese, além de ser carnívoro. Além disso, o Vileplume não emite mau-cheiro; um dos seus principais ataques especiais é a liberação de uma nuvem tóxica de pólen. Seu estágio anterior, Gloom, é mais similar às flores do gênero Raffasia nesse último aspecto, devido ao fato de emitirem um cheiro extremamente fétido como principal característica defensiva. Referência: Journal of Geek Studies


REFERÊNCIAS CIENTÍFICAS

  1. Renjana et al. (2022). Assessing potential habitat suitability of parasitic plant: A case study of Rafflesia arnoldii and its host plants. Global Ecology and Conservation, Volume 34, April 2022, e02063. https://doi.org/10.1016/j.gecco.2022.e02063
  2. Susatya, A. (2020). The growth of flower bud, life history, and population structure of Rafflesia arnoldii (Rafflesiaceae) in Bengkulu, Sumatra, Indonesia. Biodiversitas Journal of Biological Diversity, Vol.21, No.2. https://doi.org/10.13057/biodiv/d210247
  3. Bouwmeester et al. (2019). The role of volatiles in plant communication. The Plant Journal, Volume 100, Issue 5, Pages 892-907. https://doi.org/10.1111/tpj.14496
  4. Samidjo et al. (2022). Ecophysiology Identification and Flower Morphology of Rafflesia arnoldii at Forest Ecosystem of Bengkulu Province. IOP Conference Series: Earth and Environmental Science, 985 012014. https://doi.org/10.1088/1755-1315/985/1/012014
  5. Wee et al. (2018). Pollinator specialization in the enigmatic Rafflesia cantleyi: A true carrion flower with species-specific and sex-biased blow fly pollinators. Phytochemistry, Volume 153, Pages 120-128. https://doi.org/10.1016/j.phytochem.2018.06.005
  6. Nikolov & Davis (2017). The big, the bad, and the beautiful: Biology of the world's largest flowers. Journal of Systematics and Evolution, Volume 55, Issue 6, Pages 516-524. https://doi.org/10.1111/jse.12260
  7. Patiño et al. (2002). "Is Rafflesia an endothermic flower?" New Phytologist, Volume 154, Issue 2, Pages 429-437. https://doi.org/10.1046/j.1469-8137.2002.00396.x
  8. Kusuma et al. (2018). New Evidence for Flower Predation on Three Parasitic Rafflesia Species From Java. Tropical Conservation Science, 11. https://doi.org/10.1177/1940082918796011