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Por que nós acreditamos em deuses? Intuição ou aprendizado?


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        Por grande parte da história humana, a crença em deuses acompanha intimamente a cultura dos mais variados povos. Mas o que está por trás desse nosso fascínio pelo divino e sobrenatural? Apesar de ser um tópico discutido no meio acadêmico, conclusões ainda não foram alcançadas. Mas um estudo recente realizado por pesquisadores nas Universidades de Coventry e Oxford, e publicado no periódico Scientific Reports (1) investigou a questão e mostrou que as crenças religiosas não estão ligadas à intuição ou contrariamente ligadas ao pensamento racional, algo que desafia a crescente tendência que tenta mostrar uma associação no acreditar em coisas sobrenaturais com algo intuitivo ou que surge naturalmente no ser humano.


   FÉ E RACIONALIDADE

         Estudos nos últimos 20 anos - conduzidos principalmente por psicólogos - frequentemente sugeriam que as pessoas que seguram fortes crenças religiosas são mais intuitivas e menos analíticas, onde quando essas mesmas pessoas começam a pensar mais analiticamente suas crenças religiosas tendem a diminuir. Nesse sentido, essas crenças seriam algo inato, pré-consciente e uma forma não-racional de processar informações experimentais do cotidiano. Um fruto da evolução cognitiva inerente a todos os seres humanos, onde uns seriam mais predispostos do que outros.



   HIPÓTESE DERRUBADA?

          Para investigar a validade dessas alegações, neurocientistas e filósofos Britânicos se juntaram para conduzir um grande estudo sobre o tema e, basicamente, encontraram que as pessoas não "nascem crentes". No novo estudo - o qual analisou peregrinos que faziam parte do famoso Camino de Santiago, através de testes e experimentos com estimuladores cerebrais - não foi encontrado nenhuma ligação entre pensamento intuitivo/analítico, ou inibição cognitiva (uma habilidade de suprimir indesejados pensamentos e ações), e crenças supernaturais.

          Ao invés disso, os pesquisadores concluíram que outros fatores, como educação das crianças e processos sócio-culturais, são mais prováveis de atuarem no estabelecimento de crenças religiosas/sobrenaturais. Esse é o primeiro estudo que encontrou tais resultados, indo contrário à Hipótese da Crença Intuitiva (termo cunhado pelos envolvidos neste estudo), e usando análises bem mais profundas e uma maior colaboração entre acadêmicos.

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   COMO O ESTUDO FOI CONDUZIDO?

          O time de pesquisadores iniciou as investigações em uma das maiores rotas de peregrinações do mundo - o Camino de Santiago de Compostela, no norte da Espanha. Ali, perguntaram aos romeiros sobre a força das suas crenças e tempo gasto na peregrinação, acessando também seus níveis de pensamento intuitivo com tarefas de probabilidade, onde os participantes tinham que se decidir entre uma escolha lógica e uma baseada na intuição.

        Os resultados dos testes iniciais sugeriram a inexistência de qualquer ligação entre a força das crenças sobrenaturais e a intuição.

        Em uma segunda bateria de análises, onde foram usados problemas matemáticos para aumentar o assessoramento intuitivo, também não foi encontrado nenhuma ligação entre os níveis de pensamento intuitivo e a crença sobrenatural.

        Já na última parte da pesquisa, os pesquisadores usaram estimuladores cerebrais para aumentar os níveis de inibição cognitiva, a qual é creditada por regular o pensamento analítico. Para isso, correntes elétricas indolores entre dois eletrodos colocados no escalpo dos participantes foram usadas para ativar o giro frontal inferior direito, uma parte do cérebro que controla o sistema inibitório. Aliás, estudos anteriores já chegaram a mostrar que os ateístas usavam essa área do cérebro mais quando eles queriam suprimir ideias sobrenaturais.

        Os resultados dessa última parte experimental mostraram que enquanto a estimulação cerebral aumentava os níveis de inibição cognitiva, isso não mudou os níveis da crença religiosa/sobrenatural dos participantes, sugerindo que não existe uma ligação direta entre inibição cognitiva e crenças do tipo.

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   CONCLUSÃO DOS PESQUISADORES

        Os acadêmicos envolvidos no estudo concluíram que o fenômeno da religião é um processo derivado de ações educacionais e se desenvolve por causa de processos sócio-culturais. Ou seja, uma pessoa pode ter um excelente processo analítico, mas ser um crente religioso pesado sem muitas barreiras, dependendo da sua criação. Na fala de um dos pesquisadores que lideraram o estudo:


          Aliás, essa conclusão também entra em convergência com outros estudos que mostram diferentes áreas do cérebro estando envolvidas ou na geração de uma razão baseada na crença (o córtex pré-frontal medial ventral) ou na razão lógica (córtex pré-frontal direito).

         Além disso, a hipótese que traduz a crença sobrenatural como um subproduto natural de uma cognição ordinária não explica facilmente as centenas de milhões de pessoas que rejeitam tais crenças. E soma-se a isso o fato de que a hipótese dos não-crentes serem capazes de inibir cognitivamente a suposta tendência natural de acreditar em algo sobrenatural é também improvável de uma perspectiva evolucionária, já que isso iria requerer muito esforço cognitivo para continuamente suprimir ideias e atribuições sobrenaturais.

         Os autores do estudo ainda acrescentam que a ideia de que a crença é algo natural encontra raízes históricas nas tentativas de acadêmicos mais antigos de buscarem Deus na natureza. Nesse sentido, estaria na hora dos psicólogos focarem mais os estudos em uma base cultural das crenças e não em uma base intuitiva e inata.


COMPLEMENTO: Existe uma hipótese científica que defende a criação das religiões na sociedade como um fator crucial para unir os povos primitivos, antes do surgimento das grandes civilizações. Para saber mais, acesse o artigo: Religião e Desenvolvimento Humano.


(1) Publicação do estudo: Nature

Referência adicional: Coventry University