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Os misteriosos Círculos de Pedra


- Atualizado no dia 6 de março de 2022 -

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           A História da humanidade guarda vários segredos e mistérios, e construções como as Pirâmides são ainda alvos de grande admiração e questionamentos. Nessa mesma linha, os famosos e misteriosos monumentos de pedra dispostos em círculos ou elipse em várias partes do mundo despertam a curiosidade de muitos. Aparentemente construídos por diferentes razões ao longo da história, os mais conhecidos exemplos se encontraram na região da Grã-Bretanha, com mais de 1000 deles preservados, incluindo os notórios Avebury, Ring of Brodgar e Stonehenge.

          Por estarem localizados em vários pontos do globo, entre civilizações bem diferentes, várias pessoas criaram a crença que esses monumentos poderiam ser sinais de visitas alienígenas, especialmente aqueles formados por blocos de pedra com massas superiores a 10 toneladas, supostamente impossíveis de serem transportados com a tecnologia da época (na verdade, ambos argumentos errôneos também usados para as pirâmides). Mas, afinal, qual era o propósito desses estranhos círculos?

Alguns exemplos dos Círculos de Pedra; na primeira imagem, vemos um desses monumentos em um local submerso em Atlit, Israel, por causa do degelo no final da Era do Gelo, sendo considerado a mais antiga dessas construções no mundo, com idade que pode ultrapassar os 8 mil anos. Porém, não são considerados os mais antigos megalitos.

 
Göbekli Tepe, na Turquia, é o local arqueológico com os mais antigos megalitos conhecidos, construído por humanos do Neolítico entre ~9500 e 8000 a.C., ou seja, há cerca de 11 mil anos. É um monte artificial com 15 metros de altura e área de ~9 hectares, localizado em uma região montanhosa na Província de Şanlıurfa. É sugerido que caçadores-coletores foram os primeiros construtores e usuários nesse local. É também considerado o mais antigo santuário conhecido, potencialmente derrubando a ideia de que religião [organizada] apenas emergiu em sociedades humanas economicamente e socialmente "mais avançadas". Ref.19-20

 
Um dos megalitos em Göbekli Tepe. Os megalitos nesse local exibem um formato de T e possuem altura variando entre 3 e 4 metros. Existem dois pilares de pedra centrais com até 5,5 metros de altura. Assim como os megalitos, várias estruturas no local exibem gravuras de vários animais selvagens. (Foto: acesse aqui)

          A Escócia é cheia de locais onde esses monumentos de pedra podem ser encontrados. Orkney, Shetland, Dumfries & Galloway e Argyll são todas regiões no país que guardam esses círculos antigos. Estudos sugerem que os primeiros círculos foram construídos nas terras escocesas há 5 mil anos, quando os primeiros grupos humanos se fixaram nessa parte da Grã-Bretanha. E a verdade seja dita, até hoje os arqueólogos conseguem apenas especular sobre os propósitos na disposição dessas massivas pedras (conhecidas como Megalitos), onde alguns locais podem ter servido para cerimônias diversas, possivelmente religiosas. Alguns sugerem até mesmo que essas construções serviam como uma espécie de amuleto para os povos antigos e outros hipotetizam que elas tinham algum propósito astronômico (ferramentas para a observação dos fenômenos vistos no céu).

          Mesmo com o emprego de avançadas tecnologias de análise, nada ainda pôde ser concluído, e as reais funções culturais dessas pedras podem ficar perdidas na história para sempre. Sabe-se que esses círculos de pedras foram feitos em sua maioria durante o Neolítico, passando pelo Chalcolítico e a Era do Bronze, através de datações com radiocarbono (1). 

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(1) Entenda mais sobre esse processo de datação no artigo Como calcular a idade da Terra?

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   ORIGEM DOS MEGALITOS

          Os característicos Megalitos - termo derivado do Grego μέγας (mégas), “grande,” e λίϑος (líthos), “pedra” - constituintes dos círculos de pedra não eram arranjados exclusivamente na forma de 'círculos', e vários exemplos em diferentes disposições podem ser citados, incluindo tumbas megalíticas, pedras levantadas, alinhamentos e templos ou construções megalíticas. Existem cerca de 35 mil estruturas megalíticas na Europa, a maioria construída durante o Neolítico e a Idade do Cobre, e estão localizadas nas áreas costeiras.

          Se no passado - a partir do século XIX até as primeiras décadas do século XX - a maioria dos antropólogos acreditavam que os Megalitos tinham uma origem única no Oriente Próximo ou no Mediterrâneo para depois se espalharem pela Europa, acadêmicos nas últimas décadas começaram a trabalhar mais com a hipótese de que essas estruturas simbólicas emergiram de forma independente em diferentes partes do globo - incluindo dentro da Europa -, em diferentes épocas e em diferentes culturas ao longo da pré-história.

          No entanto, um robusto estudo publicado em 2019 no periódico Proceedings of the National Academy of Sciences (Ref.12) pode ter encontrado evidências conclusivas que derrubam parcialmente ambas as hipóteses. Realizado pela arqueóloga Bettina Schulz Paulsson, da Universidade de Gothenburg, na Suécia, o estudo analisou dados de datação de radiocarbono de 2410 antigos sítios arqueológicos ao longo da Europa para reconstruir uma linha do tempo pré-histórica de eventos. As datações radioativas ocorreram em sua maioria em vestígios humanos enterrados no local dos Megalitos, incluindo também as assim chamadas tumbas pré-megalíticas, as quais trazem
 elaboradas estruturas de enterro feitas de barro mas sem a presença de grandes pedras. O estudo também incluiu dados sobre a arquitetura, uso de ferramentas e costumes de enterro.

          Os resultados das análises revelaram que os mais antigos Megalitos na Europa vieram do noroeste da França, na região hoje pertencente à Brittany, há quase 7000 anos (~4700 a.C.), englobando as famosas pedras de Carnac, uma densa coleção de fileiras de pedras levantadas, montes, e tumbas cobertas chamadas de 'dolmens'. Nessa época, a região era habitada por humanos coletores-caçadores. Gravuras em pedras na área retratando a vida marinha (baleiras cachalotes, por exemplo) sugerem que os humanos nesses locais também participavam de atividades de pesca e exploração geral de recursos marinhos.



          E, nessa mesma região na França, Schulz Paulsson também encontrou a mais antiga estrutura pré-Megalítica, datando de ~5000 a.C., evidenciando também características de uma "evolução dos Megalitos" nessa região e em regiões próximas, gradualmente com o tempo se espalhando para outras regiões dentro e fora da Europa, e assumindo diferentes estruturas (círculos, fileiras, etc.). Isso significa que ali foi provavelmente onde os Megalitos primeiro emergiram e influenciaram culturalmente outras sociedades. Aliás, muitos Megalitos e suas disposições são muito similares dentro da Europa para terem sido erguidos de forma original múltiplas vezes.

          Segundo o estudo, há cerca de 4300 a.C. os Megalitos se espalharam para regiões costeiras no sul da França, o Mediterrâneo, e para a costa do Atlântico da Península Ibérica. Ao longo dos próximos milhares de anos, as estruturas continuaram emergindo ao redor das regiões costeiras da Europa, incluindo na Escandinávia, em três grandes fases. Stonehenge é pensado de ter sido erguido no ano de ~2400 a.C., mas outros Megalitos nas ilhas Britânicas datam de ~4000 a.C. A abrupta emergência de estilos megalíticos específicos nas regiões costeiras mas nunca no interior do continente sugere que essa tradição arquitetônica estava sendo espalhada por navegantes pré-históricos, o que pode empurrar a emergência de avançado comércio marítimo na Europa cerca de 2000 anos mais cedo do que se supunha. Corroborando essa ideia, a expansão dos Megalitos na Europa coincidiu com outras mudanças econômicas e sociais nas sociedades Neolíticas e da Era do Cobre. 

          No entanto, enquanto várias regiões na Ásia e na Europa podem ter sido influenciadas pelos Megalitos Franceses, o estudo não conseguiu eliminar completamente a ocorrência independente dessas estruturas em outras partes do mundo. Megalitos dispostos em círculo encontrados submersos em Israel parecem ser ainda mais antigos do que aqueles encontrados na França, datados em torno de 6000-6500 a.C.. Além disso, não é garantido que outras estruturas pré-megalíticas ou megalíticas mais antigas possam ser descobertas na Europa. Mas, até o momento, tudo indica que os Megalitos na Europa tiveram um ancestral comum que emergiu em Brittany.

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   CONSTRUÇÃO E TRANSPORTE

            As dimensões das pedras usadas e o formato final dos arranjos variavam muito. Alguns círculos chegavam a ultrapassar os 400 metros de diâmetro, mas a maioria possuía entre 15 e 25 metros (aliás, esses diferentes diâmetros podem indicar o tamanho do grupo humano responsável por eles, considerando que a comunidade ficava em seu centro realizando cerimônias). Alguns tinham o formato de um círculo perfeito, enquanto outros eram elipses (erro de construção?). Alguns até mesmo nem completavam o círculo, ficando apenas com um semi-círculo de megálitos. Com o tempo, muitos desses monumentos começaram a ficar mais complexos, onde duplos e triplos arranjos circulares começaram a ser construídos.

           O número de pedras também mudava bastante de monumento para monumento, mas, no caso dos círculos encontrados na Grã-Bretanha, ficava entre 10 e 12 delas na média (com algumas, obviamente, chegando a ter dezenas, enquanto outras não passavam de 6 ou 8). Já as pedras tinham tamanhos variados, onde algumas podiam alcançar os 5 metros de altura e pesar de 10 toneladas a 40 toneladas. Além disso, essas pedras podiam também ser de diferentes tipos até mesmo dentro de um mesmo círculo, como no caso do Ring of Brodgar. E o formato delas, para variar, eram bem diferentes de um círculo para outro. Provavelmente, a oferta de pedras em uma certa região e tradições locais determinavam essas diferenças.

          Para transportar as pedras mais massivas, aliás, a maior parte dos especialistas concordam que elas eram colocadas em plataformas de madeira e, estas, sobre rolamentos, tornando a tarefa plenamente possível para os povos na época. E segundo estudos recentes, o número de pessoas necessárias para transportar, por exemplo, uma pedra de 40 toneladas seria em torno de 100 (Ref.8). Portanto, não é necessário alienígenas ou fenômenos sobrenaturais para explicar a manipulação dessas pedras, mesmo com muitos desses pesados megálitos tendo que percorrer dezenas de quilômetros da sua fonte original para o local de construção. 

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   STONHENGE

          Geólogos sabem há um longo tempo que os construtores do Stonehenge usaram dois tipos de pedras: um silcreto, conhecido como 'sarsen', usado para os grandes monolitos, e uma variedade de 'bluestones' usados para as pedras menores eretas. Essas bluestones têm origem das Colinas de Preseli, em Pembrokeshire, uma região no oeste de Wales, a uma distância de 230 km do local onde se encontra o monumento. A principal pedreira de onde as bluestones foram retiradas - pelo menos 5 delas - é conhecida como Carn Goedog, ao norte das Colinas de Preseli (Ref.13).


É estimado que o Stonehenge foi construído em três fases, requerendo pelo menos 10 milhões de horas de trabalho para ser concluído! As pedras eretas mediam mais de 5 metros e pesavam em torno de 25 toneladas

  


          Mais recentemente - via análise espectroscópica com raios-X -, foi revelado que as pedras maiores (sarsens) tiveram provável origem de uma floresta chamada Weste Woods, Wiltshire, situada 25 km ao norte de Stonehenge  (Ref.14). Originalmente eram cerca de 80 sarsens presentes no monumento, das quais apenas 52 persistiram. Contando com a parte enterrada sob o solo, esses megalitos possuíam uma extensão de 6 a 7 metros e uma massa média de 20 toneladas, e com a maior dessas pedras alcançando 9,1 metros e a mais massiva cerca de 30 toneladas (a parte acima do solo). Os sarsens eram constituídos por 99% de sílica.

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> Extensiva caracterização petrológica e geoquímica dos blocos maiores de pedra do Stonehenge: http://dx.doi.org/10.1371/journal.pone.0254760 
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          Evidências indicam que o Stonehenge foi inicialmente um círculo de pilares de bluestones construídos há cerca de 5 mil anos (3000 a.C.), em uma área próxima do atual Stonehenge (Planície de Salisbury), conhecida como Aubrey Holes. A pedras maiores (sarsens), junto com as bluestones, teriam sido transportadas para a Planície de Salisbury ~500 anos mais tarde.



          Em um estudo de 2019 publicado no periódico Science Advances (Ref.15), investigando os ossos de 131 porcos de complexos do Neolítico Tardio (2800-2400 a.C.) em Stonehenge e Avebury, via análises isotópicas, pesquisadores mostraram que a maioria desses animais - usados para rituais festivos pré-históricos nesses locais - eram criados em regiões bem distantes desses monumentos, na Escócia, Nordeste da Inglaterra e Oeste de Wales. Porcos representavam o principal alimento nesses rituais e o estudo indica que pessoas de localidades bem distantes viajavam vários quilômetros trazendo esses suínos como contribuição. O achado aponta para uma grande escala de movimento de pessoas e um alto nível de complexidade social associados a esses círculos de pedra. De fato, essas reuniões festivas podem representar os primeiros eventos culturais unificados nas Ilhas Britânicas, com pessoas vindo de todas os cantos da Bretanha para festejarem, e envolvendo grande comprometimento de cooperação, especialmente considerando o enorme esforço para transportar os porcos por dezenas de quilômetros, incluindo elaborados sistemas de salgamento e/ou defumação.

          Aliás, falando nos porcos, existem fortes evidências de que as pedras eram transportadas para a construção do Stonehenge com a ajuda de lubrificação oriunda da gordura desses animais, visando facilitar o rolamento nos trenós de madeira usados para o transporte (Ref.16).
 

   APENAS LENDA?

           Na mais antiga história sobre as origens de Stonehenge, sob o título de History of the Kings of Britain (1136 d.C.), Geoffrey de Monmouth descreve como o monumento foi construído usando pedras do círculo de pedra Giants' Dance ("Dança de Gigantes"), na Irlanda. Localizado no lendário Monte Killaraus, o círculo teria sido desmontado pelo famoso mago Merlin e levado até Amesbury na Planície de Salisbury através da força de 15 mil homens, estes os quais teriam derrotado os Irlandeses e capturado as pedras. De acordo com essa lenda, Stonehenge teria sido construído para comemorar a morte dos Britões que haviam sido traiçoeiramente mortos pelos Saxões durante diálogos de paz em Amesbury. Merlin queria as pedras do Giants' Dance por causa dos seus supostos poderes mágicos e propriedades de cura.

           Obviamente, essa lenda é apenas fantasia, já que Stonehenge foi erguida durante a pré-história, e não durante o período medieval como sugerido na história de Geoffrey (Saxões surgiram no século IV d.C.). Porém, pode existir um fundo de verdade nessa lenda. O fato das pedras 'bluestones' do Stonehenge terem origem de Wales, bem longe de Salisbury, tem levantado especulações de que Stonehenge pode ter sido originalmente construído em outro lugar, e depois "transportado" para a atual planície onde se encontra.

           Em um recente estudo publicado no periódico Antiquity (Ref.17), pesquisadores revelaram um círculo de pedras de 110 metros de diâmetro - a mesma dimensão do círculo original em Stonehenge (o centro de ritual foi rearranjado múltiplas vezes ao longo dos seus 1000 anos de atividade) - na região de Wales, próximo da Colina de Preseli, a cerca de 200 km da Planície de Salisbury. O círculo, chamado de Waun Mawn, tinha várias pedras removidas, e análises de radiocarbono mostraram que essas pedras haviam sido erguidas no local entre 3400 e 3200 anos a.C., e então removidas 300 ou 400 anos mais tarde, coincidindo com o início da construção de Stonehenge.





             Assim como em Stonehenge, a entrada do círculo de Waun Mawn estava orientada na direção do nascer do Sol no solstício de meio de verão. Essas evidências sugerem fortemente que povos antigos, de fato, desmontaram o círculo de Wawn Mawn e o moveram para a área de Aubrey Holes, acompanhando uma grande migração das Colinas de Preseli para a Planície de Salisbury. Análises isotópicas de antigos vestígios de animais de criação e de humanos associados ao Stonenhege sugerem também esse cenário migratório. Os achados e especulação do novo estudo corroboram também as evidências bem estabelecidas indicando que Stonehenge foi inicialmente um círculo formado apenas com pedras bluestones

            A hipótese reforça o importante valor simbólico dos círculos de pedra para essas pessoas, talvez carregando simbologias ancestrais e de poder capazes de unir o povo e de clamar novos territórios.

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    PROPÓSITO DOS CÍRCULOS

         Continuando o foco em Stonehenge - um dos mais valiosos registros arqueológicos do mundo, e construído em torno de 2400-3000 a.C. -, os arqueólogos especulam que o local pode ter servido não apenas para festividades envolvendo o consumo de porcos, mas também para propósitos que vão desde sacrifícios humanos até observações astronômicas. Acadêmicos tendem a concordar que esses locais seriam melhor interpretados como pontos de encontro para comunidades que viviam se locomovendo , e acabavam se reunindo periodicamente nos círculos para celebrar festividades/rituais diversos.

          Aliás, referente aos propósitos astronômicos, um estudo recente realizado pela Universidade de Adelaide, Austrália, deixou claro que os mais antigos círculos de pedra na ilha Britânica, incluindo Stonehenge, foram construídos com base referencial nos movimentos do Sol e da Lua no céu (Ref.7). Essa base arcaica de referência astronômica continuou até 2000 a.C., com a emergência de círculos de pedra cada vez menores. Somando-se a isso, o estudo também mostrou que os círculos também acompanhavam a orientação da paisagem local, assim como o movimento do Sol e da Lua pelo horizonte. Ou seja, de uma forma ou de outra, esses povos antigos estavam conectando o céu com a Terra. Mas ainda resta a dúvida do porquê desse alinhamento. É provável que o interior dos círculos abrigava cerimônias diversas, mas será que havia, em geral, um propósito exclusivamente astronômico? Um local parecido com um observatório para melhor observar as estrelas?
 
         Existe um interessante trabalho acadêmico publicado em 2004 pela iniciativa Orkney Archaeological Trust (Ref.8) que não corrobora com a ideia de que esses círculos eram usados para observações astronômicas, já que a matemática envolvida seria aquém da capacidade desses grupos humanos. Segundo sugere seu autor, Colin Richards, temos que parar de pensar tão logicamente nas finalidades de usos dessas construções, porque talvez o próprio processo de construção pode ser o real significado desses círculos! Todo o tremendo esforço para arrastar e levantar as gigantescas pedras (especialmente os círculos maiores) pode ter sido o valor simbólico mais importante aqui. E usando como exemplo dois círculos em Orkney - Ring of Brodgar e Stones of Stenness- , fica óbvio que as pedras vieram de várias partes dessa região, onde é visível significativas diferenças estruturais entre elas. Já que foram achados túmulos ao redor de alguns círculos, pode ser que esses locais eram utilizados para rituais religiosos ou de respeito aos mortos, mas também pode ser que o relocamento das pedras marcasse complexas relações sociais entre grupos rivais!

          Nessa última linha de pensamento, cada grupo rival estaria competindo, através da magnitude de esforço, ao transportar as pedras e, ao mesmo tempo, esses eventos de competição poderiam ter sido uma forma de fortalecer certos laços entre esses grupos distintos (como fica sugerido pelas festividades com porcos em Stonehenge e Avebury). Outro ponto de vista é conceber tais esforços como um rito de passagem dentro de um mesmo grupo. Nesse sentido, pode ser que os círculos prontos não tenham um propósito de serventia, mas, sim, o esforço em construí-los. Sob essa perspectiva, círculos supostamente incompletos não foram um trabalho desperdiçado, mas apenas um rito em desenvolvimento. O estudo também explora a possibilidade de que os círculos possam indicar uma "marcação" de território de grande valor e status para a história dos grupos humanos responsáveis pela construção desses monumentos. Seria algo similar à bandeira de guerra fincada por forças inimigas em um território que é conquistado.


Ring of Brodgar, à esquerda, e Stones of Stenness, à direita


           Porém, a sugestão de "esforço simbólico" pode não ser válida para todos os círculos de pedra. O mais notável deles, Stonehenge, como apontando pelas mais recentes evidências, parece ter tido um real valor simbólico inerente à sua estrutura completa, justificando inclusive seu provável transporte por mais de 200 km acompanhando a migração da sociedade associada.
            
          No contexto de valor simbólico, Gordon Noble, da Universidade de Aberdeen, e especialista em arqueologia neolítica, acredita que esses locais representavam uma forma de culto aos mortos (Ref.9). Noble argumenta que a estrutura de vários desses círculos de pedra eram similares às construções das moradias típicas dos humanos nessa época e, portanto, eles provavelmente representam grandes casas para os mortos e espíritos. Noble concorda que vários círculos parecem ter realmente alinhamentos astronômicos, mas acha improvável que esses povos fizeram tais estruturas apenas para marcar os ciclos lunares e observações afins. Na opinião dele, seria um gigantesco esforço desnecessário. Nesse nível de árduo trabalho e escolhas das maiores pedras possíveis, seria clara a existência de um objetivo de adoração ritualística e também de exibição de poder, ou seja, quanto maior os arranjos, maior seria o poder simbolicamente passado pelo grupo.


   CALENDÁRIO SOLAR?

          Em um estudo mais recente, publicado no periódico Antiquity (Ref.18), o pesquisador e professor Timothy Darvill, da Universidade de Bournemouth, Reino Unido, concluiu que o Stonehenge era um calendário baseado em um ano tropical solar de 365,25 dias, construído no contexto de expansão de cosmologias solares durante o 3° milênio a.C. e com o objetivo de regularizar festivais e cerimônias. 


          Como mostrado na imagem acima, a representação do ano seria feita pelo Círculo Sarsen, ou seja, pela pedras eretas mais externas em Stonehenge. Cada uma das 30 pedras nesse círculo corresponderiam a um dia solar dentro de um mês de 30 dias, com S1 representando Dia 1, e S11 e S21 representando a divisão do mês em três "semanas" ou 'decanos', cada um com 10 dias; as pedras anômalas associadas (S1 e S21) marcam o início do segundo e terceiro decanos, com o primeiro começando na pedra S1. Doze ciclos mensais de 30 dias nos dá 360 dias solares. 

          Para completar o requerimento básico para um ano tropical precisamos de mais 5 dias: um mês intercalado de dias conhecido em calendários antigos como dias epagômenos. Os cinco componentes da Ferradura Trilithon (!), situada proeminente no centro da estrutura, cumprem esse papel. Orientadas a partir do norte-leste, essas estruturas crescem incrementalmente em estatura, com a mais alta - conhecida como o Grande Trilithon (S55 e S56, padieira S156) - ao sul-oeste. Para esses dias, não existem ainda nomes, mas eles podem representar deidades de grande significância. Com a adição do mês intercalado, temos 365 dias solares.

  

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(!) Triliton é uma estrutura que consiste em duas grandes pedras verticais que suportam um terceiro conjunto de pedra horizontalmente em cima do topo (padieira). É comumente usado no contexto de monumentos megalíticos.
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          Considerando o calendário solar como perpétuo, nos quais os dias, decanos e meses acompanham as estações do ano e os movimentos do Sol para descrever um ano solar tropical com acuracidade, teríamos que ter um ajuste periódico, especificamente a adição de um dia a cada quatro anos para criar um ano intercalado de 366 dias solares. Nesse caso, as quatro Pedras Estacionárias fornecem um meio para manter uma referência com o objetivo de adicionar um sexto dia no mês intercalado a cada quatro anos.


          Com base nesses parâmetros temporais, e reconhecendo o eixo solsticial e considerando a marcação do meio do inverno em relação ao movimento do sol, temos um calendário solar do Neolítico Tardio, segundo concluiu o autor do estudo.

          Fisicamente, o Dia do Ano Novo, ou Mês 1/Dia 1 (equivalente ao 24 de dezembro no calendário Gregoriano proléptico moderno, ou CGP) é simbolizado pela Pedra 1. Seis meses (18 decanos ou 180 dias solares) depois, Mês 6/Dia 29 (19 de junto do CGP), é o início do solstício de verão, cujos cinco dias de pausa compreendem os últimos três dias do Mês 6 e os primeiros dois dias do Mês 7 (19-23 de junho do CGP). Seis meses depois, Mês 12/Dia 30 (18 de dezembro do CGP) marca o início do mês intercalado de 5 dias epagômenos, formando o período do solstício de inverno (19-23 de dezembro do CGP): o final do Ano Velho. Um dia adicional seria adicionado ao mês intercalado a cada quatro anos para manter os solstícios alinhados com as observações dos movimentos do sol em relação ao eixo principal do monumento. 

          O uso do alinhamento solsticial asseguraria que o calendário ficasse sincronizado com movimentos celestiais e a mudança das estações. Segundo o estudo, o arranjo de todo o complexo ao redor de um eixo principal pode estar relacionado ao movimento processional, e um sentido de ordem, sequência e significado associado ao modo como o local era usado: uma força direcional com poder físico, visual e emocional.

          O calendário solar proposto encontra também suporte em outros calendários similares na antiguidade. Por exemplo, durante o início do terceiro milênio a.C., o crescente interesse em deidades solares, como o culto de Rá, levou ao desenvolvimento no Egito de um calendário solar de 365 dias, conhecido como Calendário Civil. Assim como em Stonehenge, esse calendário compreendia 12 meses de 30 dias cada um, junto com um mês intercalado de 5 dias epagômenos; e cada mês era dividido em três semanas de 10 dias. Os 12 meses eram nomeados em homenagem às constelações do zodíaco, e os dias epagômenos marcavam festivais celebrando os cinco filhos de Geb (Deus da terra) e sua esposa Nut (Deusa do céu): Osíris, Hórus, Seth, Ísis e Néftis. O calendário Civil parece ter sido iniciado em 2773 a.C.

          Nesse sentido, também é incerto se o proposto calendário solar em Stonehenge teria sido criado de forma independente pelo povo-cultura ali presente, ou se foi inspirado no calendário de outra civilização ou cultura. Em Stonehenge, um novo interesse no ciclo do sol do terceiro milênio tardio a.C. pode ter substituído ideologias lunares prévias; ao combinar o ciclo solar e o ciclo natural da vida na forma de um monumento, os dias, semanas, meses e anos podem ter servido para rituais cíclicos de responsabilidade e obrigação.

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   FIM DA 'MODA'   

         A fase final de construção dos círculos de pedra ocorreu no meio da Idade do Bronze (2200-1500 a.C.), onde podemos ver vários desses arranjos sendo feitos com pedras bem menores e em grande número. Acredita-se que esses últimos já representavam propriedades de unidades familiares, diferente dos grandes círculos feitos com massivas pedras, estes os quais necessitavam de um grande número de pessoas para a concretização das obras.

         Em torno do ano de 1200 a.C., os círculos pararam de serem feitos, e especialistas estimam que isso se deu devido às mudanças de padrões climáticos na época, as quais fizeram com que as pessoas abandonassem as áreas mais elevadas e deixassem de lado essa tradição. A introdução de novas religiões e culturas também pode ter sido decisiva, fazendo com que novas formas de celebrar a vida e a morte surgissem.

        Nesse último cenário, um recente estudo publicado na Nature (Ref.11) mostrou que, após a análise do DNA de 400 esqueletos do Neolítico, Idade do Cobre e Idade do Bronze na Europa, os povos associados com as cerâmicas Bell Beaker migraram em grandes levas para o Reino Unido e substituíram aproximadamente 90% da carga genética dos Britânicos em poucas centenas de anos, trazendo novas culturas e estilo de vida da Europa Central e da Ibéria. Provavelmente esse foi o principal fator que levou ao rápido abandono das tradições envolvendo os círculos nas Ilhas Britânicas.


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OBS.: É importante ficar atento com os termos 'rituais' e 'cerimônias'. Durante todo o texto, essas palavras foram usada para representar as atividades que esses povos faziam dentro dos círculos de pedra. Mas, não podemos confundir a nossa visão atual de 'ritual' ou 'cerimônia' com a visão desses povos pré-históricos (anacronismo), já que para esses povos os "rituais" e atividades diárias podiam ser a mesma coisa. É incerto inferirmos se eles sabiam distinguir as supostas atividades especiais nesses locais da vida cotidiana. Por exemplo, as pessoas hoje no Brasil celebram o Carnaval, mas elas sabem diferir bem as atividades de Carnaval das atividades cotidianas "normais". Talvez, para os povos há milhares de anos, festejar dentro dos círculos podia apenas ser uma forma de imitar os afazeres diários em maior escala e em grupo.
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Artigo Relacionado: Por que as estátuas europeias antigas possuem pênis tão pequenos?


REFERÊNCIAS CIENTÍFICAS
  1. http://mancarch.org.uk/the-great-stone-circles-project/
  2. http://link.springer.com/referenceworkentry/10.1007%2F978-1-4614-6141-8_122
  3. http://www.stonehenge.co.uk/about.php
  4. https://www2.stetson.edu/neolithic-studies/stone-circles/stonehenge-stone-circle-near-amesbury-wiltshire-england/
  5. http://bradscholars.brad.ac.uk:8080/bitstream/handle/10454/5531/2012Timeforachange.pdf
  6. https://content.historicengland.org.uk/images-books/publications/iha-prehistoric-henges-circles/prehistorichengesandcircles.pdf/
  7. https://www.adelaide.edu.au/news/news87022.html 
  8. http://www.orkneyjar.com/archaeology/dhl/papers/cr/index.html 
  9. http://www.bbc.com/earth/story/20161012-the-strange-origin-of-scotlands-stone-circles
  10. https://web.archive.org/web/20110606070650/http://www.emu.edu.tr/underwater/Symposiums/symposiums1/abstracts/marineachology.html 
  11. https://www.nature.com/articles/nature25738
  12. https://www.pnas.org/content/early/2019/02/05/1813268116
  13. https://www.cambridge.org/core/journals/antiquity/article/megalith-quarries-for-stonehenges-bluestones/AAF715CC586231FFFCC18ACB871C9F5E
  14. https://advances.sciencemag.org/content/6/31/eabc0133
  15. https://advances.sciencemag.org/content/5/3/eaau6078
  16. https://science.sciencemag.org/content/304/5679/1889.1.full
  17. https://www.cambridge.org/core/journals/antiquity/article/original-stonehenge-a-dismantled-stone-circle-in-the-preseli-hills-of-west-wales/B7DAA4A7792B4DAB57DDE0E3136FBC33
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