YouTube

Artigos Recentes

Cientistas reportam os primeiros anuros peçonhentos conhecidos

Pererecas adultas das espécies (A) Aparasphenodon brunoi e (B) Corythomantis greeningi. Em (C-D), ampliação da margem rostral dos crânios do (C) A. brunoi e (D) C. greeningi, mostrando os espinhos ósseos na cabeça desses anuros. Ref.1

- Atualizado no dia 7 de julho de 2020 -

        Para quem achava que não existiam anuros (sapos, rãs e pererecas) peçonhentos, apenas venenosos (sem capacidade de ativamente injetar veneno; ex.: pele tóxica), terá que rever esse conceito com duas espécies descritas em 2016 no periódico Current Biology (Ref.1).

- Continua após o anúncio -


         Tanto a Corythomantis greeningi - popularmente conhecida como perereca-de-capacete - quanto a Aparasphenodon brunoi possuem um tipo de coroa de pequenos espinhos na cabeça que servem para forçar o veneno produzido por glândulas especiais a entrar na circulação sanguínea do alvo azarado. Esses anuros atacam com a cabeça para cravar os espinhos e abrir uma ferida na pele, facilitando a entrada do veneno. Em outras palavras, ambas as espécies podem ser consideradas animais peçonhentos, por estarem ativamente injetando veneno. Isso é algo nunca antes descrito em anfíbios!


Corythomantis greeningi é uma espécie de anuro endêmica da caatinga brasileira, que possui uma cabeça co-ossificada com o crânio ("casque head"), utilizada como tampa quando o animal penetra de ré em pequenas frestas, protegendo-se contra predadores e contra a dessecação, em um comportamento denominado fragmose.



          A descoberta inicialmente foi feita por acidente pelo pesquisador do Instituto Butantã, Carlos Jared, quando esse último estudava espécies de anuros no Nordeste brasileiro (habitat das duas espécies descritas). Ao manipular a C. greenini, Jared foi atingido pelos espinhos, com uma forte cabeçada, e ficou com a mão bastante dolorida por 5 horas. Através de uma biópsia do tecido atingido, foi verificado a existência de um veneno. A Pbrunoi possui uma toxina ainda mais poderosa, cerca de 25 vezes mais potente do que as cobras brasileiras da família Crotalinae (vulgarmente conhecidas como Cobras-Covinhas), particularmente as jararacas do gênero Bothrops. Ou seja, dependendo da quantidade injetada, o veneno produzido pela A. brunoi é potencialmente letal para humanos (!) - apesar do sistema de entrega de toxina desse anfíbio ser muito menos efetivo do que aquele de jararacas. A C. greenini mostrou ter um veneno 2 vezes mais potente e letal do que as jararacas Bothrops.

----------
> Dentre os anfíbios anuros da família Hylidae ocorrem espécies conhecidas como casque-head ou, em uma tradução literal, “cabeças cascudas”. São animais que possuem a derme da cabeça totalmente mineralizada e unida aos ossos do crânio, formando uma estrutura única, muitas vezes com projeções em forma de espinhos na direção da superfície do corpo - como no caso das espécies P. brunoi e C. greenini. Pelo fato de a maioria dessas espécies viverem em ambientes áridos, é tradicionalmente proposto que a presença da camada calcificada e a co-ossificação da cabeça serviam apenas para proteção contra perda d'água.

(!) Nos experimentos do estudo, secreções da cabeça ou corpo de ambas as espécies mostraram ser letais para camundongos quando injetadas intraperitonealmente em quantidades na escala de microgramas. A dose letal (LD50) da A. brunoi foi de: 3,12 μg (cabeça); 4,36 μg (corpo). O LD50 da C. greeningi foi de: 51,94 μg (cabeça); 49,34 μg.
------------

          Tipicamente, os sapos, pererecas e as rãs possuem veneno distribuído pela pele, produzido por glândulas cutâneas. São perigosos, portanto, se ingeridos ou se a pele tóxica entra em contato com as nossas mucosas (ex.: olhos). Com a descoberta desse mecanismo de peçonha em duas espécies de anuros, fica agora perigoso até mesmo pegar nesses animais sem antes conhecer a espécie.


ATUALIZAÇÃO: Evidência mais recente sugere que cecílias-aneladas podem também ser caracterizadas como anfíbios peçonhentos. Para mais informações: 


REFERÊNCIAS
  1. Brodie et al. (2016). Venomous Frogs Use Heads as Weapons. Current Biology, Volume 25, Issue 16, P2166-2170. https://doi.org/10.1016/j.cub.2015.06.061
  2. https://repositorio.butantan.gov.br/handle/butantan/3335