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Faz mal estalar os dedos?


- Atualizado no dia 25 de setembro 2021 -

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           Estalar (ou estralar) os dedos é um hábito bastante comum, sendo parte íntima do cotidiano de algo entre 25 e 45% da população mundial. Mas, diferente do que as pessoas acreditam, o ato não tem nada a ver com atritar um osso contra o outro. Esse atrito, em condições normais, é impossível. Mas, independente disso, estalar os dedos promove danos para as mãos? Facilita o desenvolvimento de uma artrite?



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   MECANISMO SONORO

          O barulho que ouvimos ao estalar os dedos - ou outras articulações do corpo - está relacionado à movimentação de ar dissolvido quando esprememos ou esticamos o material presente junto à cartilagem das articulações. Esse material, chamado de 'fluido sinovial', é um fluído viscoso, com a consistência de uma clara de ovo, e cuja principal função é em reduzir a fricção entre as cartilagens articulares. Ali chegam, junto com o sangue, diversos gases, como o dióxido de carbono, nitrogênio e oxigênio, os quais acabam presos e dissolvidos. Até pouco tempo atrás, ainda era muito debatido qual o exato mecanismo responsável por liberar esse ar, mas um estudo publicado em 2015 no Plos One, usando a técnica de Imagem por Ressonância Magnética (IRM), trouxe claras evidências de que o processo estava relacionado com a formação de cavidade por tribonucleação.

            Esse processo de tribonucleação é caracterizado por uma rápida separação de superfícies com uma subsequente formação de cavidade. No caso dos estalos, a partir de uma força suficiente, a atração viscosa entre as superfícies articulares é vencida, resultando em uma rápida separação entre as mesmas. Essa rápida separação gera uma drástica redução de pressão, esta a qual força os gases dissolvidos no fluido a saírem e formarem uma cavidade, sendo nesse momento também a formação do som típico dos estalos. Essas cavidades preenchidas com ar não desaparecem após o estalo por um bom tempo, explicando o porquê da impossibilidade de se estalar novamente aquela articulação dentro de cerca de 20 minutos. Por muito tempo considerou-se que o processo de produção sonora do estalo era devido ao colapso de bolhas de ar já existentes no fluído sinovial via cavitação, explicação esta proposta em 1971, mas esse mesmo estudo de 2015 propôs que o som era gerado durante a formação das bolhas de ar, e não durante um colapso delas (de fato, bolhas de ar ainda continuam persistindo no fluido sinovial), apesar dessa hipótese não explicar satisfatoriamente a magnitude dos sons gerados.

          Nesse sentido, um estudo mais recente publicado na Scientific Reports (Ref.15) trouxe fortes evidências teóricas de que o mecanismo proposto em 1971 pode não estar de todo errado, contrariando o modelo proposto em 2015 para explicar a formação do som. Os pesquisadores no novo estudo mostraram que, de fato, ocorre uma rápida separação entre as superfícies articulares e uma rápida redução de pressão (via tribonucleação), e subsequente formação de bolhas, mas esse não é o fim da história.

           Os pesquisadores criaram um amplo modelo matemático que descreve os eventos do estalo associados à geração sonora. Junto com evidências experimentais acumuladas nas últimas décadas, eles mostraram que tanto a magnitude quanto a frequência dominante (83 dB e 129 Hz, respectivamente) da assinatura acústica da dinâmica das bolhas no fluido sinovial durante o ato de estalar encontram perfeita correspondência com a resolução de três equações matemáticas presentes no modelo teórico desenvolvido, este o qual considera que existe um colapso das bolhas - e não a formação dessas últimas - como fonte sonora (e provavelmente gerada primariamente pelo colapso de uma cavidade de ar maior no centro da articulação, onde a pressão alcança seu menor valor). E para explicar a persistência das bolhas no líquido sinovial após o estalo, os pesquisadores também mostraram, matematicamente, que seria necessário apenas que uma quantidade parcial delas formadas durante o estalo sejam colapsadas para gerar os sons característicos.

           Interessantemente, esse debate sobre o processo de formação do som de estalo já se arrasta desde o início do século XX! 


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   PREJUÍZO ÀS ARTICULAÇÕES?

            O hábito de estalar os dedos tem sido alvo de um razoável número de estudos nas últimas duas décadas visando investigar possíveis danos às articulações. E o resultado: nada. O ato não parece causar alterações deletérias nas mãos. Um médico e cientista californiano, Donald Unger, intrigado com esta questão (Ref.7), desde muito jovem começou a estalar apenas uma das mãos, duas vezes ao dia, todos os dias, e deixando a outra intacta, e, depois de 60 anos, as duas apresentaram o mesmo estado de conservação (ele até ganhou o IgNobel de Medicina pelo estudo nada convencional, mas dedicado)! Por outro lado, foi sugerido por um estudo publicado na BMJ (Ref.1) na década de 1990 que quando você estala as mãos com frequência, sua força de pegada diminui um pouco, mas não por causa de danos. Nesse último caso, ainda não existe explicação para o alegado fenômeno ou mais estudos corroborando-o. Pelo contrário, um estudo publicado em 2017 no periódico Hand Surgery and Rehabilitation (Ref.9), não encontrou nenhuma associação entre força de pegada e o hábito de estalar os dedos. Existem também, porém raros, casos de pessoas que se machucaram ao forçar muito as juntas para tentarem estalar o mais alto possível (Ref.4, 12).

           As evidências acumuladas, portanto,  permitem a conclusão de que estalar os dedos é um hábito seguro e não associado a danos nas articulações. Também não existe evidência de danos em outras articulações do corpo caso o estalo não seja feito com força exagerada. Aliás, como estalar as articulações é um hábito muito comum entre os humanos, e não existe evidência de danos associados, alguns cientistas sugerem que possa existir algum benefício à saúde envolvido.

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IMPORTANTE: Existe uma ligação entre estalar o pescoço e o risco de derrames para certas pessoas, mas não devido ao processo do estalo em si. Segundo especialistas, alguns indivíduos podem ter os vasos sanguíneos ao longo do pescoço mais frágeis, e bruscos movimentos podem romper os tecidos conectivos associados, levando a perigosos bloqueios no fluxo sanguíneo arterial. Nesse sentido, é recomendável tomar mais cuidado com os estalos no pescoço. Manipulações quiropráticas no pescoço, nesse sentido, estão também associados a eventos adversos raros mas de alta gravidade. Para saber mais, acesse: Até onde as evidências científicas dão suporte à quiropraxia?
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   PAQUIDERMODACTILIA

           A paquidermodactilia - primeiro descrita na literatura acadêmica em 1973 - é uma aparentemente rara e benigna proliferação nos dedos de fibroblastos que mais frequentemente afetam indivíduos jovens do sexo masculino. Pacientes afetados desenvolvem progressivo engrossamento dos dedos, e podem portanto ser diagnosticados erroneamente com artrite inflamatória. A etiologia da paquidermodactilia é desconhecida; no entanto, trauma mecânico repetitivo é pensado de atuar na patogênese. Isso inclui vários fatores potencialmente causais, como trabalhos manuais, frequentes estalos de dedos, jogos de computador ou console (esforço repetitivo no teclado ou no controle), entre outros, e transtornos psiquiátricos e idade como fatores de risco. Até o momento, foram reportados menos de 170 casos na literatura acadêmica.


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            Existem cinco tipos descritos de paquidermodactilia: (a) clássica, (b) localizada, - ambas associadas com traumas mecânicos locais -, (c) transgrediens - estendendo às articulações metacarpofalangeanas -, (d) familiar, e (e) associada esclerose tuberosa. A forma clássica da doença pode simular condições reumatológicas incluindo artrite inflamatória poliarticular juvenil com envolvimento de pequenas articulações das mãos, então diagnóstico acurado é crítico para evitar tratamento desnecessário com medicamento imunossupressivo.

           Na paquidermodactilia, a extensão de movimento dos dedos não é afetada, nenhuma anormalidade óssea é notada em exames de radiografia e de ultrassom, e nenhuma anormalidade está também associada em exames laboratoriais. Importante, a condição é marcada por ausência de inflamação.

           Para exemplificar, em um recente relato de caso publicado no periódico Rheumatology (Ref.17), um adolescente de 14 anos de idade foi apresentado ao hospital com um histórico de 5 anos de progressivo e indolor inchaço das articulações interfalangeanas proximais de ambas as mãos - com exceção dos polegares e mindinhos (Figura A) - sem sinal de artrite ou de envolvimento sistêmico. Ele tinha uma personalidade ansiosa e um intenso hábito de estalar os dedos. Não existia histórico de doenças reumáticas. Exame sanguíneo estava normal, e exame de raio-X e imagem por ressonância magnética (MRI) revelou tecido mole inchado ao redor das articulações de interesse, mas sem anormalidades ósseas (Figura B). 



            Porém, apesar do possível envolvimento do estalar de dedo, a paquidermodactilia parece estar mais associada a outros hábitos, como jogar videogame de forma excessiva. Nesse sentido, podemos citar três relatos de caso descritos em um estudo publicado em 2020 no periódico Pediatric Dermatology (Ref.18) de adolescentes com 14, 16 e 18 anos que desenvolveram a condição como resultado de um histórico de 24 até 60 horas semanais de jogos (controle e teclado). 



           Não existe tratamento padrão para a paquidermodactilia. Prognóstico é variável, e regressão espontânea pode ocorrer anos mais tarde. Cessação de qualquer trauma mecânico repetitivo ou exposições ocupacionais ajuda, mas pode apenas levar à estabilização da doença do que regressão ou melhora. 

          Alguns especialistas sugerem um efeito hormonal em indivíduos geneticamente predispostos ao problema dada a típica ocorrência durante a puberdade.


REFERÊNCIAS CIENTÍFICAS
  1. http://ard.bmj.com/content/49/5/308.short
  2. http://www.jabfm.org/content/24/2/169.short
  3. http://jaoa.org/Article.aspx?articleid=2092739
  4. http://europepmc.org/abstract/med/10067714
  5. http://www.jrheum.org/content/36/11/2624.1.short
  6. http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC1009952/
  7. http://ignobel.com/airchives/press/2009/bmj-2009-10-06.pdf 
  8. http://www.bbc.com/future/story/20120917-is-it-bad-to-crack-your-knuckles 
  9. http://www.sciencedirect.com/science/article/pii/S2468122916301049 
  10. http://pubs.sciepub.com/bse/3/2/1/ 
  11. https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/27846331
  12. https://mospace.umsystem.edu/xmlui/handle/10355/56518
  13. http://link.springer.com/article/10.1007/s11999-016-5215-3 
  14. http://journals.plos.org/plosone/article?id=10.1371/journal.pone.0119470
  15. https://www.nature.com/articles/s41598-018-22664-4
  16. https://www.health.harvard.edu/blog/knuckle-cracking-annoying-and-harmful-or-just-annoying-2018051413797
  17. Bocutcu et al. (2021). Pachydermodactyly in an adolescent boy: is it more common than we think? Rheumatology. https://doi.org/10.1093/rheumatology/keab453
  18. Dagrosa et al. (2020). Pachydermodactyly associated with extensive computer gaming: A report of three cases. Pediatric Dermatology. https://doi.org/10.1111/pde.14271