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Como funciona a Terapia Genética?

- Atualizado no dia 11 de outubro de 2019 -

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          Antes apenas uma hipótese e promessa na medicina, agora a terapia genética faz parte de diversos tratamentos. Só nos EUA, o FDA (Agência de Drogas e Alimentos) já aprovou quase 50 tratamentos do tipo para testes clínicos. Aqui no Brasil, um paciente com câncer terminal de 62 anos de idade teve alta após essa terapia ser usada de forma inédita no país (1). Aproveitando-se principalmente de um mecanismo de ação viral, os cientistas conseguiram criar uma via altamente eficaz de entregar genes faltantes, ou substituintes, ao DNA do paciente. Doenças que antes eram intratáveis apenas com medicamentos, são agora tratáveis e até mesmo curadas com a ajuda daqueles popularmente reconhecidos por serem nossos grandes inimigos: os vírus.

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   TERAPIA GENÉTICA

          Os vírus são, basicamente, parasitas que tomam controle de certas células e fazem com que elas trabalhem para eles. Esses organismos fazem isso injetando seu material genético dentro da célula alvo. No caso dos retrovírus, esse material genético é integrado ao DNA do hospedeiro com a ajuda de enzimas virais, e, com isso, o maquinário celular passa a criar mais vírus com as novas instruções 'implantadas'. Aliás, parte significativa do nosso genoma é constituído de material genético viral integrado ao longo de milhões de anos de evolução (2).

Sugestão de leitura:

           Seguindo esse raciocínio, os pesquisadores começaram a usar vírus modificados geneticamente para servirem de vetor de genes específicos. Se uma doença é caracterizada pela falta de um certo gene ou defeito nesse último, basta enviar a versão saudável do gene ao material genético das células e solucionar o problema. Você coloca o gene alvo dentro de um vírus e este "infecta" a pessoa com a 'cura'. Se um gene que sofreu mutação faz com que uma proteína necessária se torne defeituosa, podemos usar a terapia genética para introduzir uma cópia normal do gene no maquinário celular visando restaurar a função da proteína. E ainda você consegue uma especificidade muito grande, porque você pode pegar um vírus que infecta apenas um determinado tipo de célula para entregar os genes apenas àquelas células do  paciente, evitando efeitos colaterais indesejáveis.


            E o melhor é que com o novo gene anexado ao DNA do paciente, posteriores divisões das células consertadas (renovação celular) também carregarão o novo gene recém-implantado com as cópias geradas. Em outras palavras, geralmente basta uma única dosagem do vírus para tratar o paciente para sempre, já que o corpo se encarrega de continuar propagando o gene de cura através do maquinário genético (3). Essa é uma das grandes vantagens dessa via terapêutica, já que o paciente não precisa ficar para sempre recebendo injeções e visitando o hospital para um pesado monitoramento e retratamentos. 

Sugestão de leitura: 

           Os vírus são geneticamente modificados para não causarem nenhuma doença quando usados nas pessoas. Alguns tipos de vírus, como os retrovírus, integram o material genética (incluindo o novo gene) no cromossomo da célula humana. Outros vírus, como o adenovírus, introduzem seu DNA no núcleo da célula, mas o DNA não é integrado em um cromossomo. O vetor pode ser injetado ou dado de forma intravenosa (via IV) diretamente em um tecido específico do corpo, onde é assimilado individualmente pelas células. De forma alternativa, uma amostra das células do paciente pode ser removida e exposta ao vetor em ambiente laboratorial. As células contendo o vetor são então retornadas ao paciente. Se o tratamento tiver sucesso, as células passarão a sintetizar a proteína correta ao invés da defeituosa e potencialmente irá curar a doença alvo.

          Entre as estratégias terapêuticas mais utilizadas na terapia genética, podemos citar:

- Substituição de um gene mutado que causa doença com uma cópia saudável do gene.

- Inativação, ou desligamento, de um gene mutado que não está funcionando apropriadamente.

- Introdução de um novo gene no corpo que ajude a combater uma doença.

           Nesse sentido, não são apenas os vírus os únicos vetores sendo utilizados nas pesquisas envolvendo a terapia genética. Em alguns casos, outros vetores podem também ser geneticamente modificados para entregar um novo gene ao paciente ou corrigir um gene:

- DNA plasmídeo: Moléculas circulares de DNA - tipicamente encontradas em bactérias e responsáveis em grande parte pela resistência desses organismos aos antibióticos (4) - podem ser modificados para carregarem genes terapêuticos em células humanas. 

Sugestão de leitura

- Vetores bacterianos: Bactérias podem ser modificadas para preveni-las de causarem doenças - assim como nos vírus - e então usadas como veículos para a entrega dos genes terapêuticos.

- Tecnologias de edição genética: O objetivo aqui é desabilitar certos genes perigosos no corpo ou reparar genes que sofreram mutações. Grandes avanços estão sendo feitos através do popular editor genético CRISPR-Cas9 (5). Alguns exemplos:


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   PERSPECTIVAS E ATUAIS APLICAÇÕES

           Com um futuro muito promissor, as pesquisas nesta área avançam a passos largos, com estudos clínicos nesse campo sendo frequentemente reportados em periódicos diversos de alto impacto. Claro que empecilhos sempre surgem, principalmente na questão da segurança biológica, onde certos vírus modificados podem escapar de laboratórios e potencialmente causar danos ambientais. Por causa disso, as estratégias preventivas são trabalhadas muito mais do que as vias terapêuticas. Mas especialistas dizem que as chances são remotas de um acidente grave ocorrer e ninguém vai sair virando zumbi como ocorre na franquia Resident Evil (o famoso e ficcional T-Vírus foi produto de terapia genética para melhoramentos das habilidades humanas, mas...Come on, people!).

          Por enquanto, devido aos possíveis e potenciais riscos envolvidos (especialmente de longo prazo), apenas doenças que não possuem tratamento efetivo ou cura estão sendo usadas para se testar a terapia genética em humanos.

           No vídeo abaixo (do excelente canal Brit Lab) podemos ver a terapia genética na prática, onde um paciente é tratado com um vírus que entregará um gene para resolver um problema ocular. Podemos ver que a carga viral modificada é injetada no tecido ocular através de uma agulha especial. Antes dele, outros seis pacientes foram tratados com sucesso, com um deles voltando a recuperar totalmente a visão normal!  *O vídeo está em inglês, mas é possível acessar legendas em inglês e selecionar o idioma português para tradução.


         

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ATUALIZAÇÃO (15/03/17): Um grande avanço no tratamento da anemia falciforme foi alcançado! Usando terapia genética, cientistas conseguiram curar (pelo menos até agora, 15 meses após o tratamento) um adolescente dos sintomas da doença, no primeiro procedimento do tipo no mundo, realizado no Hospital das Crianças Necker, em Paris.

 A anemia falciforme é uma doença genética caracterizada pela produção de células vermelhas (hemácias) defeituosas pela medula óssea - presente dentro dos ossos. Elas ficam com um formato de foice e acabam morrendo prematuramente (reduzindo o número de hemácias no sangue, ou seja, ´anemia´) - e algo que atrapalha o transporte de oxigênio - e também podem bloquear o sangue em diversos pontos do corpo, levando à fortes dores, danos viscerais e até à morte. Para tratá-la, no método tradicional, é necessário transfusões sanguíneas todos os meses para diminuir a quantidade de células vermelhas defeituosas e/ou uso de medicamentos específicos. Em alguns casos, pode-se realizar transplantes de medula óssea.

 O que os pesquisadores fizeram agora foi pegar a medula óssea do paciente, injetar vírus carregando o material genético correto para corrigir o DNA defeituoso e colocá-la de volta no paciente. Assim, a produção de células vermelhas passa a ser normal, suprimindo a doença.

 Até agora, 15 meses após o procedimento, o adolescente tratado continua produzindo células vermelhas saudáveis em grande quantidade e sem apresentar sintomas marcantes da doença. Porém, ainda é necessário um maior acompanhamento para saber se doença realmente não voltará mais.

 Apesar das comemorações, existe um problema nesse tratamento. Como é muito caro e complexo, seria difícil implantá-lo de forma ampla em países mais pobres, especialmente na África, a mais afetada, de longe, pela doença. Os pesquisadores estão pensando em vias para baratear a técnica.

Publicação do Estudo: NEJM

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ATUALIZAÇÃO (13/05/17): Uma nova e potencial cura para a diabetes em humanos pode ter sido alcançada por pesquisadores no Centro de Ciências Médicas da Universidade do Texas. O novo tratamento, usando terapia genética, foi capaz de curar ratos com a diabetes Tipo 1, esses os quais, depois de 1 ano, continuaram curados e sem efeitos colaterais!

A insulina, hormônio que diminui os níveis de glicose no sangue, é feita somente pelas células betas no pâncreas. Na diabetes Tipo 1, as células betas são destruídas pelo sistema imune da pessoa, fazendo com que esta não produza mais insulina. Na diabetes Tipo 2, o número de células betas cai e a produção de insulina diminui, e, somando-se a isso, o corpo passa a não usar esse hormônio de forma eficiente.

Para entender o novo tratamento, é preciso lembrar que, além das células betas, o pâncreas possui diversos outros tipos de células para a realização de várias outras funções para o órgão. Sabendo disso, os pesquisadores resolveram alterar essas outras células para que elas começassem a produzir insulina no lugar das betas e apenas quando o nível de glicose no sangue subisse!

Nesse sentido, vírus foram usados para levar genes de produção de insulina ao material genético dessas células para alterarem o mesmo. Assim, ratos tratados dessa maneira voltaram a ter o pâncreas produzindo insulina, com as células geneticamente modificadas se comportando como verdadeiras células betas! E nem é preciso modificar um grande número de células, já que a diabetes Tipo 1 só é detectada pelo indivíduo quando mais de 80% das células betas são destruídas. Ou seja, retornando com, no mínimo, 20% da capacidade de produção da insulina no pâncreas já é suficiente para a cura da doença! E, claro, com a técnica, a diabetes Tipo 2 acaba sendo também beneficiada com uma cura.

Mas os pesquisadores lembram que o sistema endócrino dos ratos é, obviamente, diferente daquele encontrado nos humanos, e que o tratamento precisa ser testado em pacientes humanos para saber se também funcionará de acordo. Inicialmente, a promissora nova cura será testada em primatas, para depois começar os testes em humanos.

Referência: Texas University

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ATUALIZAÇÃO (18/10/17): Acesse: FDA, pela primeira vez, irá aprovar a terapia genética para tratar uma doença!


ATUALIZAÇÃO (04/11/17): Acesse: Terapia genética supera todas as expectativas e cura doença letal em bebês


ATUALIZAÇÃO (09/11/17): Acesse: Uma criança com uma rara doença ganha uma nova pele, graças ao uso de células-tronco transgênicas


ATUALIZAÇÃO (01/01/18): Acesse: Terapia genética alcança mais uma vitória: conseguiu parar episódios de sangramentos em hemofílicos


ATUALIZAÇÃO (20/02/19): Acesse: Terapia genética reverte surdez congênita em ratos

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(1) ATUALIZAÇÃO (11/10/19): Um paciente de 62 anos que tinha linfoma em fase terminal e tomava morfina diariamente devido às fortes dores colaterais deve receber alta no sábado (12/10) após ser submetido a um tratamento inédito na América Latina. Ele deixará o hospital livre dos sintomas do câncer graças a um método 100% brasileiro baseado em uma técnica de terapia genética desenvolvida no exterior e conhecida como CART-Cell (Ref.5).

Os médicos e pesquisadores do Centro de Terapia Celular (CTC-Fapesp-USP) do Hemocentro, ligado ao Hospital das Clínicas de Ribeirão Preto, apontam que o paciente está "virtualmente" livre da doença. Os especialistas, no entanto, não falam em cura ainda porque o diagnóstico final só pode ser dado após cinco anos de acompanhamento. Tecnicamente, os exames indicam a "remissão do câncer".

Os pesquisadores da USP - apoiados pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp) e pelo Conselho Nacional de Pesquisa (CNPq) - desenvolveram um procedimento próprio de aplicação da CART-Cell (método que consiste na manipulação de células do sistema imunológico para que elas possam combater as células causadoras do câncer). O paciente não vinha respondendo à radioterapia e à quimioterapia, e o tumor acabou se espalhando para ossos. Com terríveis dores e dificuldade para andar, o paciente tinha apenas mais 1 ano de vida estimado.



Essa técnica, ainda recente, foi criada nos EUA - e já utilizada também na Europa, na China e no Japão -, está em fase de pesquisas e é pouco acessível. No EUA, os tratamentos comerciais já receberam aprovação e podem custar mais de US$ 475 mil (quase R$ 2 milhões). Os pesquisadores esperam que a versão terapêutica Brasileira esteja disponível no SUS em um futuro próximo.