Por que os machos de algumas espécies de marsupiais morrem em sincronia após o sexo?
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Figura 1. Espécie Antechinus stuartii, um marsupial que exibe semelparidade obrigatória. |
Semelparidade é uma estratégia reprodutiva na qual organismos se reproduzem apenas uma única vez (semel) ao longo da vida e, então, tipicamente morrem pouco tempo depois desse evento. A estratégia reprodutiva alternativa é chamada de iteroparidade, caracterizada por repetidos (itero) eventos reprodutivos ao longo da vida de um organismo. Nossa espécie (Homo sapiens), por exemplo, exibe iteroparidade, onde indivíduos do sexo masculino e do sexo feminino engajam em múltiplas atividades sexuais e potenciais gravidezes ao longo da vida. Na semelparidade, os organismos alocam a maior parte da energia e dos recursos em um único evento reprodutivo, alcançando o maior sucesso reprodutivo por unidade de esforço reprodutivo; após o alto investimento, indivíduos machos ou de ambos os sexos morrem.
A semelparidade evoluiu múltiplas vezes em vários grupos de organismos vivos, e é mais amplamente prevalente em invertebrados e plantas. Entre os invertebrados semélparos podemos citar aranhas das espécies Latrodectus geometricus e L. hasselti (Fig.2), cigarras do gênero Magicicada, efemerópteros da espécie Rhithrogena germanica e polvos da espécie Enteroctopus dofleini. Entre as plantas, destaque para as angiospermas; um exemplo notável é a bromeliácea da espécie Puya raimondii (Fig.3). Mas esse fenômeno de "sacrifício reprodutivo" também evoluiu em algumas espécies de vertebrados, como peixes do gênero Oncorhynchus e um número de mamíferos marsupiais.
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(!) Curiosidade: Os espinhos curvos nas folhas da P. raimondii podem ser um perigo para as aves que interagem com essa bromeliácea e podem facilmente prender esses animais e forçá-los no sentido da base das folhas. Eventualmente, a ave presa nos espinhos morre e se decompõe dentro da folhagem da planta, fornecendo uma rica fonte de fertilizante. Nesse sentido, a P. raimondii pode estar agindo como uma planta "proto-carnívora", adaptada para explorar ao máximo seus inquilinos aviários. Essa notável forma de aquisição nutricional proposta (hipótese) tem sido também observada em pelo menos três outras bromeliáceas. Ref.6
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Figura 4. Espinhos nas folhas da espécie Puya raimondii. |
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> Na Botânica, o termo iteroparidade é comumente substituído por policarpia, e semelparidade por monocarpia.
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Todos os casos de semelparidade ocorrem nas famílias de marsupiais Dasyuridae (dasiurídeos) e Didelphidae (didelfídeos). Assim como em outros grupos de plantas e animais, a semelparidade em marsupiais varia entre extremos de um espectro (Ref.7), com algumas espécies exibindo semelparidade parcial ou facultativa. Em marsupiais com semelparidade obrigatória, fêmeas são monoestrais (ciclo reprodutivo anual) e parem apenas uma vez ao ano, e podem sobreviver para uma segunda temporada reprodutiva. Em dramático contraste, todos os machos morrem em sincronia imediatamente após a primeira e única temporada de acasalamento. Essa mortalidade em massa e sincrônica ocorre em todos os machos dasiurídeos do gênero Antechinus (15 espécies), Phascogale (3 espécies) e Dasykaluta (1 espécie).
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Figura 9. O quoll-setentrional (Dasyurus hallucatus) é o maior mamífero com algum nível de semelparidade. Machos dessa espécie podem alcançar até 1,2 kg de massa corporal. Em algumas populações, até 50% dos machos podem ocasionalmente sobreviver após o período de acasalamento - mas comumente essa taxa de sobrevivência não ultrapassa 12,5%. Abundância de fêmeas parece influenciar de forma importante na taxa de sobrevivência dos machos. Geralmente esses animais copulam entre julho e setembro, com o período exato sendo influenciado pelas chuvas. Fêmeas exibem paternidade múltipla, gerando ninhadas de até 8 filhotes e cada um com um pai diferente. Nesse sentido, machos copulam com diferentes fêmeas o máximo possível. Esse marsupial está em perigo de extinção e uma das principais ameaças são os sapos cururus (Rhinella marina) venenosos e invasivos. Ref.15-16 |
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Na América, pelo menos quatro espécies de didelfídeos exibem semelparidade obrigatória, incluindo os gêneros Marmosops (M. incanus e M. paulensis), Gracilinanus (G. agilis) e Thylamys (T. bruchi). Mas ao contrário dos marsupiais dasiurídeos, ambos os sexos morrem após a temporada de acasalamento (Ref.16).
Condições ambientais variáveis e imprevisíveis tipicamente tendem a favorecer iteroparidade, mas parece existir notável e paradoxa exceção entre anuros (Ref.18). Já sazonalidade e previsibilidade de recursos são dois fatores que favorecem semelparidade - justificando um longo período de espera e máximo investimento de recursos reprodutivos em um período específico. Quando as condições ambientais são caóticas e inesperadas, torna-se muito arriscado esperar muito ou apostar todos os recursos em uma janela temporal limitada.
No cenário ambiental de alta previsibilidade de recursos, intensa competição de esperma entre machos parece ser crítico para o estabelecimento da semelparidade caracterizada por morte pós-copulatória exclusiva de machos (Ref.21). E, de fato, testículos em dasiurídeos semélparos são grandes em relação ao porte corporal (pressão seletiva para maior produção de espermatozoides). Essa competição de esperma é causada pela forte pressão de seleção sexual imposta pelas fêmeas ao encurtar e sincronizar o período de acasalamento e reprodução e copular com múltiplos parceiros. Por outro lado, em didelfídeos, fatores ambientais, e não apenas competição entre machos, também parecem ser determinantes para a evolução da semelparidade. Além do período muito estendido de sobrevivência pós-copulatória observado no T. bruchi, em regiões de mais baixa latitude aqui no Brasil as espécies G. agilis e M. paulensis exibem períodos estendidos de acasalamento de ~7-8 meses (Ref.20).
O mecanismo fisiológico que leva à morte dos marsupiais dasiurídeos machos (conhecido como "síndrome do acasalamento") é pensado de ser ativado por uma prolongada elevação de corticoesteroides durante a curta e intensa temporada de acasalamento, exacerbada por uma elevação progressiva no nível de testosterona no plasma sanguíneo. Excesso de corticosteroides, os quais inibem função imune e resposta inflamatórias em animais, atuam de forma crucial na cascata de efeitos que levam a infecções patogênicas, infestação de parasitas e falhas de órgãos induzidas por estresse, resultando eventualmente em morte. Desenvolvimentos patológicos e letais incluem úlceras estomacais, hemorragias gastrointestinais e abscessos hepáticos. Portanto, os mecanismos hipotalâmicos de feedback que normalmente reduzem os níveis de corticosteroides aparentemente são ausentes nos machos, mas não nas fêmeas - pelo menos nos marsupiais dasiurídeos.
Em pelo menos duas espécies (A. swainsonii e A. agilis), machos sacrificam um tempo significativo de sono em prol da atividade sexual no período de acasalamento (~3 semanas): redução diária de 3 horas de sono (Ref.22). Porém, essa perda de sono não parece ser um fator significativo de estresse contribuindo para a síndrome do acasalamento.
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Nos didelfídeos, além do esforço excessivo no período de acasalamento, escassez ou limitação de recursos no ambiente seguindo o período de acasalamento parece contribuir para a mortandade em massa em ambos os sexos após suficiente desenvolvimento dos filhotes. Por exemplo, senescência acelerada e programada pós-acasalamento - no sentido de reduzir a disputa entre adultos e filhotes por recursos - pode ser um possível fator causal. Na espécie T. bruchi, inverno severo no Deserto Monte parece agir como um fator limitante significativo no balanço energético de machos e fêmeas adultos, servindo como pressão seletiva que contribui para uma expectativa de vida mais curta (Ref.16).
Aliás, machos de marsupiais com semelparidade facultativa são capazes de sobreviver para uma segunda temporada de acasalamento se recursos suficientes estiverem disponíveis no ambiente. No caso do D. hallucatus - o maior mamífero semélparo - esforço físico excessivo e menor tempo de descanso no período de acasalamento parece explicar a alta taxa de mortalidade pós-copulatória dos machos (Ref.23).
REFERÊNCIAS
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