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Qual é a origem mitológica dos Dragões?

Figura 1. Cena da série A Casa do Dragão (House of Dragons, 2° temporada, HBO).

 - Atualizado no dia 22 de setembro de 2024 -

          No Ocidente, o dragão é tipicamente retratado como uma temível, poderosa e enorme criatura com grandes asas de morcego, habilidade de voar, capacidade de cuspir fogo e a voraz necessidade de comer pessoas e outros animais. Permeando a cultura, arte e literatura antiga, medieval e moderna, os dragões no contexto contemporâneo se tornaram muito famosos nos jogos de RPG (Role-Playing Game), jogos eletrônicos, livros de fantasia, séries e filmes, onde são geralmente retratados como monstros maléficos ou destrutivos. As séries Game of Thrones e House of the Dragons, no canal HBO, ajudaram a popularizar ainda mais a figura do dragão ocidental nos últimos anos. Mas qual é exatamente a origem mitológica do dragão? E qual a diferença entre o dragão ocidental e o dragão Chinês?

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   COBRAS E DRAGÕES

          A palavra dragão (dragon em inglês) é derivada do termo Grego δράκων (drakon) e do seu cognato no Latim draco. Os antigos Gregos e Romanos aplicavam o termo originalmente para fazer referência a grandes cobras constritoras (ex.: jiboias). Autores de trabalhos antigos e medievais sobre história natural tipicamente listavam o 'dragão' entre os vários tipos de cobras. Ao longo dos séculos, erros na descrição de dragões foram se acumulando por causa de traduções incorretas, exageros, aceitação de folclores e mitos como verdades, e mistura de textos descritivos sobre diferentes animais - incluindo cobras, peixes marinhos e fraudes taxidérmicas. Como resultado, já na Renascença, o dragão emergia como a criatura fantástica que estamos hoje habituados.

          Portanto, dragões nasceram como reais criaturas - especificamente cobras - que com o passar dos séculos se transformaram em monstros alados e cuspidores de fogo.

Figura 2. Linha do tempo mostrando a origem e destacando importantes transformações das criaturas referenciadas como dragões ao longo da história. Carlos Lineu (1707-1778) foi um botânico, zoólogo e médico Sueco, responsável por popularizar a nomenclatura binomial e a classificação científica, sendo assim considerado o "pai da taxonomia moderna". Ref.1

Figura 3. Quatro diferentes dragões representativos de diferentes períodos históricos. Essas ilustrações estão presentes em um trabalho de compilação do médico e naturalista Suíço Conrad Gessner (1516–1565). O trabalho em questão (Schlangenbuch), publicado em 1587, é focado no estudo de cobras descritas na literatura Europeia. Ref.1

          A obra Ilíada, de Homero, provavelmente escrita no século IX a.C., é a mais antiga fonte escrita conhecida a usar a palavra drakon. Esse termo é mencionado em seis passagens da obra e todas fazendo referência direta ou indireta a cobras, mas sem especificar o tipo de cobra. Em uma dessas menções, Homero aponta que a porção final da Quimera é um drakon. Quimera é uma criatura mitológica cujo corpo é formado pela mistura de três animais: leão, bode e cobra. A cobra faz o papel da cauda na Quimera (Fig.4). Em Ilíada e nos textos subsequentes da Grécia Antiga, os termos drakon e ophis são usados como sinônimos para fazer referência a cobras. Porém, drakon é mais comumente usado em contextos religiosos ou míticos, enquanto que ophis é mais comum em contextos ordinários. 

 

Figura 4. A Quimera na Ilíada é descrita como uma criatura de três cabeças, cuja parte da frente é um leão, a parte do meio um bode e a parte de trás (cauda) uma cobra. A Quimera também é descrita como capaz de baforar poderosas labaredas de fogo. Na Mitologia Grega, essa criatura causou grande destruição em Lícia e regiões ao redor, sendo finalmente morta pelo herói Belerofonte com o auxílio do cavalo alado Pégaso. Montado no Pégaso, Bellerophon conseguiu atirar de cima com suas flechas contra o monstro. Ref.2-4

          Na literatura sobre História Natural, a mais antiga referência ao termo drakon conhecida é uma passagem de autoria do filósofo Grego Aristóteles (384-322 a.C.), na obra Historia dos Animais (Historia Animalium). Nessa passagem, Aristóteles diz que "a águia é um inimigo do drakon porque a águia come cobras". Mas assim como Homero, Aristóteles não especifica o tipo de cobra referenciado pelo termo drakon. Nesse sentido, a mais antiga especificação ofídica para drakon em registro é feita pelo médico e poeta Grego Nikandros, no século II a.C., em uma série de poemas (Theriaca) descrevendo animais peçonhentos e os efeitos das suas mordidas e picadas. Porém, o termo drakon é usado para descrever uma cobra não-peçonhenta, exibindo "barba" amarela e corpo azul-esverdeado, com dieta que inclui aves e ovos, e com uma mordida que não machuca muito. Uma cobra compartilhando essas características e nativa da Europa é a espécie Zamenis longissimus (Fig.5). Essa espécie era aparentemente mantida em templos de Esculápio, o Deus da Medicina e da Cura na Mitologia Grega.


Figura 5. Espécimes de Zamenis longissimus encontrados na região de Trácia, Grécia: em (A) um indivíduo adulto e, em (B), um indivíduo juvenil. Essa cobra é uma das maiores cobras da Europa e nativa de regiões central, sul e leste do território europeu, e foi muito usada durante rituais de curandeirismo na Grécia Antiga. Pode crescer até ~2 metros de comprimento e exibir coloração corporal amarronzada, oliva ou acinzentada, além de um "queixo" e lábios amarelos. Importante, pode exibir coloração oliva-esverdeada anteriormente e escuro-azulada posteriormente. Cobras dessa espécie escalam árvores e se alimentam de aves, pequenos mamíferos e répteis, usando constrição para dominar as presas. Ref.5-6

           A partir do século I a.C., várias descrições usando o termo drakon ou dracon começam a fazer referência a cobras constritoras de grande porte, possivelmente pítons (!), muitas vezes com exageros no tamanho e poder desses animais - alguns inclusive descritos como capazes de matar elefantes através de constrição.

Sugestão de leitura:


           O naturalista Romano Plínio, o Velho, no século I d.C., usa o termo draco [drakon] para descrever grandes cobras constritoras encontradas na Índia e na África. Porém, com Plínio - na obra Naturalis historia - já vemos um elemento folclórico - e não apenas um exagero - sendo introduzido na descrição do draco: afirma que esses ofídios na África cruzam o oceano usando suas cabeças erguidas como velas. Isso possivelmente faz referência ao famoso comportamento de najas, que achatam e alargam o pescoço.

           Na obra Dissertation, do século II d.C., o filósofo Grego Máximo de Tiro menciona que certos Indianos mantiveram um drakon de ~152 metros, alimentando-o com bovinos. Segundo o professor Romano Cláudio Eliano (175-235 d.C.), na obra Sobre as Características dos Animais, o rei Grego Alexandre, o Grande possuía grande interesse por essas cobras e, na Índia, teria encontrado um enorme drakon que era adorado e mantido em uma caverna pelo povo local.

          Em mitos Gregos, cobras [drakones] fantásticas equivalentes ao Pégaso e a outras criaturas mitológicas eram descritas como aladas e encarregadas de puxar as carruagens de Medeia e do herói Triptólemo. Mas no mundo real, Antigos Gregos e Romanos não consideravam cobras [drakones] como possuidoras de asas. Descrições de alegadas cobras aladas no mundo real tiveram início com o teólogo e filósofo Agostinho de Hipona (354-430 d.C.) - ou mais comumente conhecido como Santo Agostinho - e, aqui, a figura dos dragões modernos começa a ganhar forma. Nos Salmos de Agostinho, os dragões eram os maiores animais conhecidos, capazes de voar e habitantes de cavernas subterrâneas.

          Embora os Salmos de Agostinho não objetivassem ser trabalhos de história natural, sua descrição dos dragões passou a ser citada em enciclopédias de história natural, incluindo obras como Speculum naturae, Etymologiae e o já mencionado Schlangenbuch (Fig.3). Essa crença em Agostinho por historiadores naturais pode talvez ser explicada pela ascensão do Cristianismo na Europa. Nesse novo contexto Cristão, templos de Esculápio foram fechados pelo final do século IV d.C. e importações de pítons para Europa parecem ter sido cessadas após o século I d.C., tornando a maior parte da população na Grécia, Roma e outros territórios Europeus pouco familiarizadas com os reais drakones [dragões] historicamente descritos.

          A razão exata pela qual Agostinho atribuiu capacidade de voo aos dragões é incerta. Uma possibilidade é a luta entre o Arcanjo Miguel e um dragão no Apocalipse 12 da Bíblia, a qual ocorre no céu e sugere que essas criaturas voam. Uma segunda possibilidade é o uso do estandarte Dragão (Drako) pelos militares Romanos, no século II até o século V d.C., esses os quais lembravam birutas adornadas com a cabeça de uma feroz criatura de boca aberta (Fig.6). O fato do estandarte Dragão ser mantido no alto, esvoaçando com o vento, pode ter contribuído para a imagem popular de drakones como criaturas voadoras.

 

Figura 6. (A) Ilustração de um militar Romano carregando um estandarte Dragão (Drako). (B) Foto de uma real cabeça de Dragão Romano, exibida no Museu Britânico.

           No século XIII d.C., artistas Europeus começaram a retratar dragões com asas, e essas criaturas passaram a ser comuns em ilustrações de bestiários medievais. Nesse mesmo período, pelo menos nas artes, os dragões começaram a ser comumente retratados com pernas e pés, uma prática que havia sido iniciada já no século X. Na literatura acadêmica de história natural, dragões continuaram sendo retratados como um tipo de cobra, sem membros - apesar de asas serem aceitas como verdade. No entanto, fraudes taxidérmicas começaram a aparecer a partir do século XVI retratando dragões como bípedes, geralmente também alados, e se tornaram comuns no Mediterrâneo. Cobras eram preparadas via taxidermia, deformadas e mescladas com partes de outros animais. Alguns desses espécimes enganaram naturalistas, alcançando obras acadêmicas. Contos de viajantes também reforçaram a alegada existência de enormes cobras bípedes.

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> No decorrer desse período onde asas e membros foram incorporados aos drakones, erros de tradução e referências inadequadas também começaram a comumente atribuir o status de criatura peçonhenta a esses animais, tanto no ideário popular quanto em obras acadêmicas. Isso inclui incorreta tradução do termo Hebreu Tannîyn no Velho Testamento - que pode significar um monstro marinho mítico e venenoso - para drakon. No famoso manuscrito Beowulf, feito no século VIII ou X, um dragão peçonhento é citado. E várias histórias de santos despachando dragões peçonhentos foram criadas. No século XII, dragões/drakones venenosos como reais animais começaram a ser descritos na literatura Europeia de história natural.

> Nessa confusão, criaturas marinhas como enguias e raias também chegaram a ser referenciadas como drakones (Fig.7), incluindo descrições acadêmicas de dragões marinhos peçonhentos.

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Figura 7. Ilustrações de falsos dragões produzidos durante a Renascença: (A) uma raia seca e mutilada vendida como um dragão, em 1640; (B) uma composição taxidérmica feita a partir de uma cobra da espécie Natrix natrix com o torso de um peixe e os membros dianteiros de um sapo comum (Bufo bufo), em 1640; (C) outra composição taxidérmica envolvendo uma cobra, em 1557. No meio acadêmico, a presença de asas em drakones foi provavelmente validada por relatos em textos clássicos referenciando cobras aladas Egípcias mencionadas - mas não confirmadas - pelo historiador e geógrafo Grego Heródoto. Ref.1

          Finalmente, no século XVII, o jesuíta Alemão e acadêmico polímata Athanasius Kircher (~1601-1680), no tratado geológico Mundi subterranei (1678), afirmou que alguns dragões eram quadrúpedes, incluindo um alegadamente abatido pelo cavaleiro Deodato de Gozón no século XIV, e que esses animais eram capazes de produzir fogo.

           Enquanto produção de fogo em dragões já era "padrão" no folclore Europeu, esse traço não era aceito na literatura de história natural. Desde o século XIV, histórias na literatura popular comumente retratavam dragões que cuspiam veneno - algo que realmente é observado em certas cobras peçonhentas (ex.: Naja nubiae), apesar destas não representarem os drakones originais - e algumas que também cuspiam fogo. Inclusive alguns meteoros "queimando o céu" chegaram a ser descritos como dragões. O mais antigo registro escrito conhecido trazendo dragões cuspidores de fogo é o texto Atos de Filipe, um apócrifo Grego do Novo Testamento produzido no século IV d.C. É incerta a origem da ideia de "cuspir fogo" nos dragões, mas pode ser derivada da forte e nova associação entre dragões e capacidade de cuspir veneno. Veneno, por sua vez, tem sido comumente ligado à ideia de fogo, ardência ou queima ao longo da história, incluindo em descrições no Velho Testamento de cobras peçonhentas - provavelmente devido à sensação de ardência causada por picadas venenosas.

          Em sua obra de 1678, Kircher inclusive cita como "evidência" de que dragões cospem fogo um relato testemunhal de 1619 do que provavelmente era um meteoro cruzando o céu sobre o Monte Pilatos, na Suíça. 

          Até o século XVII, a figura de dragões como reais criaturas ofídicas com asas, cuspidoras de fogo, habitantes de cavernas e eventualmente quadrúpedes foi progressivamente enraizada tanto no ideário popular quanto na literatura acadêmica. 

          Nos séculos XVIII e XIX, acadêmicos começaram a enfaticamente rejeitar a existência dos dragões como reais criaturas. Referências antes tratadas como factuais, como o trabalho de Kircher, passaram a ser avaliados de forma mais crítica, com valorização de evidências empíricas confirmadas por observações independentes. Mas na cultura popular, a criatura pseudocientífica persistiu fortemente enraizada, evoluindo como um mito em histórias e formas diversas.

Figura 9. Representação artística de Smaug, um terrível e ganancioso dragão retratado na obra fantástica O Hobbit (1937), de J. R. R. Tolkien. Dragões na cultura Ocidental frequentemente são retratados com asas similares àquelas de morcego e a presença de quatro pernas para locomoção terrestre. Em outras representações, os dragões exibem apenas duas pernas e membros dianteiros transformados em asas - com anatomia similar àquela de morcegos e aves.

          Dragões nasceram como cobras factuais e se transformaram ao longo dos séculos no monstro fantástico e temível hoje imortalizado em múltiplas obras literárias e audiovisuais modernas no Ocidente. 

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> Falando em "dragões" peçonhentos, a espécie Vipera berus é a cobra peçonhenta mais comum na Europa e exibe um amplo espectro fenotípico em termos de cores e padrões. O fenótipo mais comum é um cinza pálido (machos) ou marrom claro (fêmeas), com um ziguezague preto dorsal, e visa camuflagem (críptico). Por outro lado, existem espécimes com uma notável coloração preta (melanísticos), uma adaptação que favorece o aquecimento corporal sob exposição solar (Fig.10). O fenótipo "preto" é popularmente conhecido como "víbora do inferno" e é particularmente muito temido. A víbora do inferno faz parte do folclore Europeu, especialmente em países falantes do Germânico, sendo considerada altamente venenosa e letal em narrativas e contos diversos. Porém, a fama nefasta dessa víbora preta fica apenas no mito: todas as variações fenotípicas da V. berus exibem um perfil tóxico similar e nenhuma delas oferece grande perigo para humanos. Ref.16

 

Figura 10. Variações fenotípicas da Vipera berus. Em (f), o fenótipo melanístico (víbora do inferno). Adultos possuem um comprimento médio de 50-70 cm, raramente excedendo 80 cm. Filhotes se alimentam primariamente de pequenos anfíbios e répteis, enquanto adultos também caçam aves e pequenos mamíferos. A espécie é popularmente conhecida como "víbora-europeia-comum". A mordida em humanos raramente causa quadros severos de envenenamento ou morte, mas sempre é importante buscar pronto atendimento médico em caso de acidente. Ref.17-20

> A palavra Grega Drakon [Dragon em Inglês e Dragão em Português] faz referência à visão aguçada de grandes cobras constritoras, frequentemente também atribuída a cobras em geral no contexto da Grécia Antiga. Em italiano, dragões são chamados de Drago e Dragone, e, em Francês, "un dragon".

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   DRAGÃO CHINÊS

          Apesar de compartilharem o mesmo nome no Ocidente, o "dragão" Chinês não parece ter nenhuma clara relação etimológica, histórica, mitológica ou iconográfica com o Dragão Europeu. Na China e na cultura Chinesa, o caractere no Mandarim que faz referência à lendária criatura mística que nós conhecemos como "dragão Chinês" é o 龙, que pode ser expresso como long, loong ou liong no sistema de escrita do Latim (Ref.7-8). Esse conflito de nomenclatura entre Ocidente e Oriente acaba representando uma potencial fonte de confusão.

          Como previamente explorado, Europeus originalmente conceberam dragões como reais cobras. Artistas Europeus começaram, então, a adicionar asas e membros nos dragões durante a Idade Média, resultando em uma criatura voadora, tipicamente longilínea e de grande porte que acabou ressoando uma certa similaridade visual com o loong.

           Apesar de incerta origem mitológica (Ref.9), é geralmente sugerido que o loong sempre foi concebido milenarmente como um quadrúpede voador escamado e em um contexto místico, espiritual. E, ao contrário do dragão Ocidental, que representa tipicamente maldade, ganância e destruição, o loong representa poder, autoridade, sorte, riqueza, dignidade, prosperidade, conhecimento e bondade. Na China Antiga, o loong era a simbolização de imperadores. Em meio à grande popularização da canção 李建复 ("Descendentes de Loong", de autoria do músico taiwanês Hou Dejian) na década de 1970, o povo Chinês passou a considerar a si mesmo como filho de loong (Ref.10) e a China tem sido chamada de "dong fang ju loong" - que pode ser traduzido como "a China é um grande país Oriental" (Ref.11). Ainda hoje as pessoas na China associam o Loong a sorte e prestígio, e celebram sua figura em festivais diversos. Ultimamente, o loong é um fenômeno cultural único da China e um símbolo da civilização Chinesa.

 

Figura 10. Trabalho artístico em madeira retratando um Loong ("dragão Chinês") na porta de um templo na China. De acordo com a mitologia Chinesa, essa criatura lendária possui superpoderes, sendo capaz inclusive de acabar com secas e trazer pesadas chuvas, aliviando o sofrimento das pessoas. Com um longo corpo serpentino, o loong voa pelo céu na primavera - apesar de geralmente não exibir asas - e vive sob a água no outono. O loong também tipicamente exibe barba - ou um tipo de juba ao redor do pescoço - e dois chifres na cabeça. No geral, o loong é uma mistura de múltiplos animais, e alguns acadêmicos alegam que sua criação ocorreu em períodos pré-históricos. Ref.12

          Portanto, é inadequado traduzir loong como dragão, e vice-versa. São entidades distintas em diversos aspectos.

          Esclarecer a diferença entre dragão e loong é importante não apenas como uma curiosidade histórica, cultural e linguística.

         No final de 2006, um fervoroso debate ocorreu na China após o professor WU You-fu, da Universidade de Xangai de Estudos Internacionais, sugerir em entrevista que o país deveria abandonar o loong como ícone nacional da China, devido ao fato do termo Ocidental para essa criatura [dragão] fazer referência a um ser maléfico e agressivo - algo que poderia prejudicar a imagem da China no contexto internacional (Ref.13). A maioria da população Chinesa se opôs à sugestão de WU, reafirmando o lugar especial do loong na mitologia Chinesa e a enraizada presença dessa criatura na cultura do país (Ref.13-14).

 

Figura 11. Ilustração de um loong. Além do loong, a fênix, o qilin (um ser quimérico) e a tartaruga mítica são considerados criaturas sagradas na mitologia Chinesa.

          E este ano, a mídia estatal Chinesa fez questão de abraçar o termo loong para fazer referência em inglês ao tradicional Year of the Dragon ("Ano do Dragão"), rejeitando o termo dragon (Ref.15). Essa rejeição ocorre em meio aos esforços do líder Chinês Xi Jinping nos últimos anos de reforçar a identidade cultural do país frente à influência do Ocidente.


REFERÊNCIAS

  1. Senter et al. (2016). Snake to Monster: Conrad Gessner’s Schlangenbuch and the Evolution of the Dragon in the Literature of Natural History. Journal of Folklore Research, 53(1), 67. https://doi.org/10.2979/jfolkrese.53.1-4.67 
  2. Bazopoulou-Kyrkanidou, E. (2001). Chimeric creatures in Greek mythology and reflections in science. American Journal of Medical Genetics, 100(1), 66–80. 
  3. https://www.museodelprado.es/en/the-collection/art-work/a-chimera/67a1c861-3132-459f-bf4c-c5f2dfef0efb
  4. https://www.britishmuseum.org/collection/object/G_1842-0728-1135
  5. Christopoulos et al. (2023). New distribution records for the Aesculapian snake Zamenis longissimus in Greek Thrace. Herpetological Bulletin, 164:33-36. http://dx.doi.org/10.33256/hb164.3336
  6. https://www.londonzoo.org/zoo-stories/blog/aesculapian-snakes-london
  7. Yuan, L. (2015). Cultural Differences of Chinese Loong and Western Dragon. Studies in Literature and Language, Vol. 10, No. 3, pp. 40-43. https://doi.org/10.3968/6673
  8. Bi, W. (2015). Fear Arising Out of Misinterpretation: Cultural Differences between the Loong and the Dragon. Facing Our Darkness: Manifestations of Fear, Horror and Terror, Pages: 163–171. https://doi.org/10.1163/9781848884298_018
  9. https://voices.pitt.edu/TeachersGuide/Unit10/Descendants%20of%20Dragon.htm
  10. Cziráková, D. Z. (2023). Descendantes of the Dragon: The Dragon as a Symbol of Chinese National Identity. Asian and African Studies, Volume 32, Number 1. https://doi.org/10.31577/aassav.2023.32.1.04
  11. Meccarelli, M. (2021). Discovering the Long : Current Theories and Trends in Research on the Chinese Dragon. Frontiers of History in China, Vol. 16, Issue 1: 123-42. https://doi.org/10.3868/s020-010-021-0006-6
  12. Smolarski, P. (2021). The Dragon in Chinese Hongshan Culture. Link do PDF
  13. Ling-cai, Z. (2008). Western dragon and Chinese Long: Mistranslation and resolution. US-China Foreign Language, Volume 6, No. 9. Link do PDF
  14. http://www.china.org.cn/english/culture/192617.htm 
  15. https://edition.cnn.com/2024/02/16/china/happy-new-year-of-the-dragon-or-loong-intl-hnk/index.html
  16. Schulte et al. (2024). Comparative venom analysis between melanistic and normally coloured phenotypes of the common adder (Vipera berus). Royal Society Open Science, Volume 11, Issue 9. https://doi.org/10.1098/rsos.241268
  17. https://www.aaem.pl/-Vipera-berus-bites-in-Eastern-Poland-a-retrospective-analysis-of-15-case-studies,71865,0,2.html
  18. https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/20976951/
  19. Hamilton et al. (2019). Severe Systemic Envenomation Following Vipera berus Bite Managed with ViperaTAb Antivenom. Wilderness & Environmental Medicine, Volume 30, Issue 1, Pages 56-58. https://doi.org/10.1016/j.wem.2018.08.002
  20. Mittendorf & Winskog (2024). Anaphylaxis as probable cause of death in a rare case of fatal Vipera berus bite. Forensic Science, Medicine and Pathology. https://doi.org/10.1007/s12024-023-00776-2