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Qual a maior cobra conhecida que já habitou a Terra?

Figura.1. Representação artística de uma Titanoboa predando um crocodiliano; na imagem menor em destaque, comparação de uma vértebra do Titanoboa com uma típica anaconda moderna.

- Atualizado no dia 4 de abril de 2024 -

           A espécie Titanoboa cerrejonensis é a maior cobra já descrita (Fig.1). Com fósseis encontrados no nordeste da Colômbia datados em 60-80 milhões de anos atrás (Fig.2), as dimensões estimadas para a T. cerrejonensis são assustadoras: um comprimento corporal de 13 metros e massa de ~1,14 tonelada! Habitando florestas úmidas nos trópicos da América do Sul, as temperaturas neotropicais provavelmente favoreceram o gigantismo dessa espécie; animais ectodérmicos ("sangue frio"), como os répteis, são tipicamente favorecidos em climas quentes em relação ao máximo tamanho corporal.

 

Figura 2. (a-j) Vértebras fossilizado de Titanoboa cerrejonensis, espécie de jiboia extinta pertencente à subfamília Boinae. Em (a), comparação de uma vértebra pré-cloacal do T. cerrejonensis com a vértebra pré-cloacal de uma jiboia da espécie Boa constrictor de 3,4 metros de comprimento. Head et al., 2009

           Animais poiquilotérmicos como as cobras - ou seja, animais cujas temperaturas internas variam consideravelmente - possuem geralmente o tamanho máximo limitado pela taxa metabólica, e, nesse sentido, é sugerido que a T. cerrejonensis teria requerido uma temperatura média anual no ambiente de 30-34°C, corroborando modelos climáticos de que os neotrópicos do Paleoceno eram muito quentes devido a altas concentrações de dióxido de carbono (CO2) atmosférico (Ref.1). Mas outros cientistas argumentam que essa espécie não representa um bom termômetro paleoclimático por causa justamente do seu enorme tamanho corporal, cujo metabolismo associado geraria calor excedente suficiente para manter uma temperatura interna adequada de forma parcialmente independente do ambiente externo; um clima quente demais, pelo contrário, poderia superaquecer esse animal (Ref.2). 

          Outro gigante recentemente descrito e descoberto na Índia, é a cobra da espécie Vasuki indicus, que viveu há aproximadamente 47 milhões de anos, durante um intervalo geológico quente (~28°C de temperatura média) do Eoceno Médio. Pertencente à extinta família Madtsoiidae, análise de fósseis da espécie sugerem um comprimento entre 11 e 15 metros quando adulta (Fig.3). A V. indicus parece representar uma linhagem de grandes cobras que se originou no subcontinente Indiano e se espalhou através do sul da Eurásia até a África durante colisão com o continente Asiático no Eoceno, aproximadamente 56 a 34 milhões de anos atrás.

Figura . Reconstrução artística de uma cobra Madtsoiidae e o provável posicionamento de algumas das vértebras fossilizadas da espécie Vasuki indicus. As vértebras descritas da espécie medem entre 37,5 e 62,7 milímetros de comprimento e entre 62,4 e 111,4 mm de espessura, sugerindo um corpo largo e cilíndrico. Provavelmente possuía locomoção lenta e retilinear, apostando em emboscadas e constrição para a captura de presas, similar às sucuris modernas. Ref.10-11

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   ATUAIS RECORDES DE ESPÉCIES MODERNAS

          As famílias Boiadae (jiboias) e Pythonidae (pítons) englobam hoje as maiores cobras ainda vivas. Entre as jiboias - cobras encontradas na América do Sul -, temos a famosa sucuri-verde (Eunectes murinus) (Fig.3). Sucuris-verdes são cobras semi-aquáticas que se destacam mais pela massa do que pelo comprimento, porém existem alegações e registros anedóticos [sem comprovação científica] de indivíduos alcançando 10-12 metros de comprimento (Ref.3) e por isso são popularmente consideradas as maiores cobras do mundo. Tipicamente, adultos machos possuem massa corporal de 2-14 kg e comprimento máximo de 3,4 metros, enquanto fêmeas possuem 8-80 kg e um tamanho máximo de 6,5 metros. Registro documentado [científico] de recorde para a sucuri-verde é representado por um indivíduo com 6,7 m e ~200 kg (Ref.4).

 

Figura 3. A E. murinus frequentemente habita pântanos, lagos e rios na América do Sul, particularmente ao redor das bacias fluviais do Amazonas, Orinoco, Paraná e Uruguai, e sendo encontrada desde a Venezuela até o norte da Argentina. De hábitos solitários, essa jiboia é muito críptica no seu habitat e frequentemente estão submergidas na água, com apenas os olhos e narinas para fora. Outra característica notável é que essas cobras são vivíparas, com desenvolvimento interno dos filhotes; existe também ocorrência de partenogênese.

 

Figura 4. Recentemente pesquisadores identificaram uma nova espécie de cobra (Eunectes akayima) - e popularmente chamada de sucuri-verde do norte -, localizada no Território Baihuaeri Waorani, na Amazônia Equatoriana. Uma das fêmeas registradas media 6,3 metros de comprimento. Relatos anedóticos do povo Waorani reportados pelos pesquisadores apontavam possíveis sucuris na área medindo mais de 7,5 metros e somando ~500 kg de massa corporal. Ref.9

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         Entre as pítons, as pítons-reticuladas (Malayopython reticulatus), encontradas no Sudeste Asiático, se destacam (Fig.4). As maiores píton-reticuladas já registradas, criadas em zoológico, alcançaram >8,5 e 10 metros de comprimento e 145-158 kg (Ref.4-5). Pítons-reticuladas fêmeas tipicamente alcançam um comprimento máximo de 6 metros e massa máxima de 75 kg (machos, 3,5 metros e 20 kg). Nesse sentido, na literatura acadêmica, as pítons-reticuladas detêm o atual recorde de comprimento corporal entre as espécies não-extintas - enquanto as sucuris-verdes detêm o atual recorde de massa corporal.


Figura 4. Diferente das sucuris-verdes, a M. reticulatus é ovípara (bota ovos). Com acasalamento a cada 2-4 anos, as fêmeas botam 242 ovos na média a cada ninhada. Embora não sejam semi-aquáticas como as sucuris-verdes, as pítons-reticuladas são ótimas nadadoras e frequentemente são observadas em ambientes aquáticos, como rios, lagos e até no mar; aliás, essas cobras colonizaram várias ilhas no Sudeste Asiático atravessando o mar.

          Jiboias e pítons são poderosos constritores, enrolando o corpo nas presas e usando seus poderosos músculos para restringir a circulação sanguínea e a respiração da vítima (1). Esse tipo de ataque provoca colapso pulmonar e cardíaco - e pode matar rapidamente as presas ao causar super pressurização [sanguínea] cerebral e disrupção da função neural. Essas cobras são capazes de engolir presas que são tão ou levemente mais massivas do que o próprio corpo. Considerando que algumas dessas cobras podem somar mais de 150 kg, é esperado que humanos sejam considerados presas desses animais (2). Uma píton-reticulada ou uma sucuri-verde com 5 metros de comprimento e uma massa de >35 kg pode plausivelmente dominar e ingerir humanos de pequeno a médio porte (ex.: crianças) (Ref.7).

          Aliás, de fato, existem vários reportes de pítons engolindo ou tentando predar humanos em diferentes contextos, a maioria dos casos envolvendo crianças e frequentemente pítons-reticuladas. Porém, muitos dos casos envolvendo humanos sendo efetivamente engolidos não são reportes científicos e, sim, relatos anedóticos e midiáticos que não podem ser cientificamente validados. Por outro lado, um número de casos são comprovados. Apenas na Indonésia, entre 2017 e 2020, foram confirmados cinco ataques e/ou mortes de pessoas por pítons-reticuladas (Ref.7).

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(1) Cobras não possuem um mecanismo acessório de ventilação (ex.: diafragma em mamíferos) e portanto dependem inteiramente de movimentos das costelas para a respiração. Interessante apontar que a constrição de presas impõe, a princípio, forte risco de colapso pulmonar nesses animais. Um estudo publicado em 2022 no periódico Journal of Experimental Biology (Ref.8) mostrou que a jiboia da espécie Boa constrictor - famosa pela capacidade de constrição de grandes presas, como porcos - modula a região de esforço respiratório no sentido de usar os segmentos de vértebras que não estão envolvidos diretamente com o aperto. Essa estratégia mantém ventilação e aporte de oxigênio adequados durante o estrangulamento da presa, e provavelmente é refletida em outras espécies de jiboias constritoras. O mesmo mecanismo de modulação da ventilação pulmonar é crucial também durante o processo de ingestão de grandes presas. O vídeo abaixo demonstra esse mecanismo em um espécime macho.

             

(2) CURIOSIDADE: Em 2004, cientistas reportaram a descoberta de vestígios fossilizados do Pleistoceno de uma píton Africana da espécie Python natalensis (Fig.5) e de um humano da espécie Homo erectus (Ref.4). Considerando a vértebra de 17 mm de comprimento da píton, o espécime provavelmente excedia 5 metros; o H. erectus é uma espécie humana com 1,85 m de altura máxima e uma massa máxima de 68 kg. Pítons Africanas possuem uma massa na faixa de 55-65 kg, e considerando os vestígios fósseis misturados, é provável que píton predou esse humano arcaico.

 

Figura 5. A P. natalensis habita o Sul da África, e adultos podem alcançar um tamanho máximo de 5,6 metros. Em 2002, um notável caso reportado pela mídia: uma cobra dessa espécie de ~6 metros teria engolido um menino de 10 anos de idade próximo de Durbin. O ataque e a ingestão foi testemunhado por outras crianças, incluindo um menino de 11 anos (Khaye Buthelezi) que subiu em uma árvore com medo do ataque da cobra; as crianças teriam observado o amigo sendo engolido pela cobra ao longo de 3 horas.

           

REFERÊNCIAS CIENTÍFICAS

  1. Head et al. (2009). Giant boid snake from the Palaeocene neotropics reveals hotter past equatorial temperatures. Nature, 457(7230), 715–717. https://doi.org/10.1038/nature07671 
  2. https://www.nature.com/articles/nature08224 
  3. https://animaldiversity.org/accounts/Eunectes_murinus/ 
  4. Angelici & Rossi (2020). Giant Snake-Human Relationships. Problematic Wildlife II [Springer]. https://doi.org/10.1007/978-3-030-42335-3_19
  5. https://zooatlanta.org/animal/reticulated-python/
  6. Murphy & Crutchfield (2019). Giant Snakes, A Natural History. [Livro].
  7. Natusch et al. (2020). Biting off more than you can chew: Attempted predation on a human by a giant snake (Simalia amethistina). Austral Ecology, 46(1), 159–162. https://doi.org/10.1111/aec.12956
  8. Capano et al. (2022). Modular lung ventilation in Boa constrictor. Journal of Experimental Biology, Volume 225, Issue 6. https://doi.org/10.1242/jeb.243119
  9. Rivas et al. (2024). Disentangling the Anacondas: Revealing a New Green Species and Rethinking Yellows. Diversity 16(2), 127. https://doi.org/10.3390/d16020127
  10. Datta & Bajpai (2024). Largest known madtsoiid snake from warm Eocene period of India suggests intercontinental Gondwana dispersal. Scientific Reports 14, 8054. https://doi.org/10.1038/s41598-024-58377-0
  11. https://www.scientificamerican.com/article/this-nearly-50-foot-snake-was-one-of-the-largest-to-slither-the-earth/