Tecido mamário acessório: O que é a polimastia?
Uma mulher de 26 anos desenvolveu uma massa axilar com uma secreção branca (leite) após um parto vaginal espontâneo (Figura A). A hipertrofia de uma massa na região da axila no período pós-parto com liberação de leite é consistente com polimastia, ou seja, a presença de tecido mamário acessório ao longo da linha mamária embriônica que falhou em regredir e desaparecer. A paciente foi reassegurada sobre a natureza benigna da sua condição. O caso foi reportado no periódico The New England Journal of Medicine (Ref.1).
POLIMASTIA
A glândula mamária é um órgão altamente especializado que emergiu durante a linhagem evolutiva dos mamíferos (1), presente em pares (um em cada lado da parede peitoral anterior). A função primária desse órgão é a secreção de leite. Apesar de presente em ambos os sexos, é bem desenvolvido nas fêmeas e rudimentar nos machos (2). Representando um órgão acessório vital do sistema reprodutivo das fêmeas, a estrutura da glândula mamária é dividida em três partes: a pele, o parênquima e o estroma. Na pele (estrutura externa), encontramos o mamilo e a aréola:
- Mamilo: Uma eminência cônica, está presente no quarto espaço intercostal. Quinze a vinte dutos lactíferos atravessam o mamilo, este o qual também contém fibras musculares lisas circulares e longitudinais, além de ser ricamente enervado. Esses músculos lisos ajudam a tornar o mamilo ereto após estimulação. O mamilo não possui qualquer glândula sudorípara, tecido adiposo (gordura) e cabelos.
- Aréola: A área fortemente pigmentada (rosada ou amarronzada) ao redor do mamilo é chamada de aréola. É uma região rica em glândulas sebáceas modificadas. Essas glândulas produzem secreções oleosas que previnem ressecamento e rachaduras no mamilo e na aréola. Notavelmente, a aréola é desprovida de gordura e cabelo.
Leitura recomendada:
- (1) Qual a origem do ato de amamentar e a sua relação com o soluço?
- (2) Homem de 63 anos com câncer de mama masculino
Polimastia é uma condição congênita rara presente em 1% a 5% da população. Clinicamente se caracteriza pela presença de duas ou mais mamas e pode ocorrer em ambos os sexos. Essa condição - também conhecida como tecido mamário acessório ou supranumerário - pode se apresentar com ou sem a presença de mamilos e aréolas extras.
Durante a sexta semana de desenvolvimento embriônico humano, a linha láctea (linha de leite ou crista mamária), a qual representa dois espessamentos ectodérmicos, se desenvolve ao longo dos lados do embrião, estendendo da região axilar até a virilha (!). No desenvolvimento normal, a maior parte dos picos mamários embriônicos desaparecem, exceto os dois segmentos na região do peitoral, os quais eventualmente se transformam nas glândulas mamárias, aréolas e mamilos. Falha na regressão e degeneração em qualquer porção da linha mamária pode levar ao quadro de polimastia, com ou sem os complexos papilares da aréola. Portanto, a mama ectópica (fora da região normal de expressão) geralmente ocorre ao longo da linha láctea.
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(!) Um exemplo reportado e descrito em 2018 no periódico Mastology ilustra perfeitamente a linha láctea, onde uma paciente do sexo feminino expressava 8 tecidos mamários, localizados bilateralmente desde as axilas até próximo da virilha. Para imagens do pré-operatório, acesse: Polimastia múltipla ao longo da linha de leite
IMPORTANTE: Um estudo publicado em 2021 no periódico PRS Global Open (Ref.15) potencialmente identificou um novo traço anatômico nos humanos, consistindo de distintos montes de gordura subcutânea - derivados provavelmente de tecido mamário vestigial - ao longo das linhas de leite. O achado foi feito com base em análise de 10 indivíduos adultos do sexo masculino e 10 do sexo feminino com índice de gordura corporal (IMC) normal. Isso sugere que polimastia, em algum grau, está presente em todos os humanos como um vestígio embriológico, ou seja, não representaria uma condição "anômala" ou "patológica" como tradicionalmente descrita.
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De ocorrência incomum, mas com relatos na literatura médica, tecido mamário ectópico pode também estar localizado na face, no pé, costas, pescoço, tecido subcutâneo do braço, nos linfonodos axilares, períneo, vulva, nádegas, cavidade pélvica e no ânus (Ref.29). Essas localizações fora da linha láctea podem ser explicadas pela migração de células mamárias primordiais durante o desenvolvimento da parede peitoral ou através da modificação de glândulas apócrinas de suor.
Aproximadamente um terço dos indivíduos afetados pela polimastia possuem mais de um local de desenvolvimento do tecido mamário ectópico. Na maior parte dos casos, esse tecido não é evidente ou possui significância fisiológica, mas alguns podem aumentar de tamanho no início da puberdade, na gravidez ou na lactação (influências hormonais), e podem ser até mesmo locais para o desenvolvimento de carcinomas. Aproximadamente 67% dos tecidos mamários ectópicos ocorrem nas porções torácica ou abdominal da linha láctea, frequentemente um pouco abaixo da dobra inframamária e mais frequentemente no lado esquerdo do corpo; os outros 20% ocorrem na axila (Ref.5-6).
Indivíduos do sexo feminino são duas vezes mais afetadas pela condição (2-6%) do que a população masculina (1-3%), e é bem mais raro o tecido mamário ectópico sofrer hipertrofia no sexo masculino (Ref.7-8).
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> As mamas ectópicas podem sofrer variações de desenvolvimento próprias da mama normal nas várias fases da vida da mulher. Durante a infância, o tecido mamário acessório pode apresentar-se como uma simples mancha ou uma marca de formato côncavo. Desta forma, muitas mulheres só percebem a presença da mama ectópica após a puberdade ou durante a gravidez, quando estas, geralmente, aumentam em volume. Na puberdade, hormônios como a prolactina, a progesterona e osestrógenos levam ao desenvolvimento dos lobos, enquanto a secreção de glicocorticóides e somatotrofina levam ao desenvolvimento dos ductos. Durante a gestação pode ocorrer a produção de leite nas mamas supranumerárias e secreção de leite a partir de fístulas lácteas .
Leitura recomendada:
- Homens [sexo masculino] podem produzir leite?
- É normal liberação espontânea de leite das mamas de lactantes durante atividade sexual?
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Embora muitas vezes assintomática, a polimastia pode englobar sintomas como inchaço e sensibilidade ao toque da região afetada, espessamento da axila e limitação de movimento do ombro, e irritação a roupas. Os sintomas são geralmente agravados com a puberdade e a gravidez.
Em alguns casos, outro sintoma notável da polimastia é a secreção de leite a partir de fístulas no tecido mamário acessório. Uma fístula láctea é uma conexão anormal entre a pele da mama e um duto de leite em uma mulher lactante, resultando em um vazamento constante ou esporádico de leite. Essas fístulas podem ser resultado de abcessos, acidentes traumáticos ou complicações cirúrgicas, como biópsia (agulha) ou intervenção cirúrgica em pacientes lactantes (Ref.21). Raramente, essas fístulas podem ocorrer de forma espontânea. Nesse último caso, uma possibilidade é o desenvolvimento inicial de uma galactocele (cisto lácteo) no tecido mamário com subsequente trauma leve na pele que permite o vazamento de leite. A fístula pode ou não secar espontaneamente enquanto a lactação continua, e esse fechamento pode levar várias semanas. O único meio confiável de interromper um vazamento de leite nesse cenário é suprimir a lactação - embora isso não seja recomendado durante o período de amamentação do bebê por óbvia razão.
Importante realçar o risco de câncer. O tecido mamário acessório possui a mesma capacidade de sofrer alterações benignas e malignas observadas no tecido mamário normal. No entanto, câncer de mama em tecido mamário acessório (ex.: carcinomas) é incomum (0,3% a 0,6% de incidência), a maioria afetando a região axilar (Ref.25). Câncer de mama masculino - que representa aproximadamente 1% dos casos desse tipo de câncer - pode também envolver tecido mamário ectópico (Ref.27). Existem múltiplos reportes de alterações benignas, como fibroadenomas [mais comuns] ou hiperplasias, mas a incidência dessas alterações em mamas acessórias é incerta. Como mencionado, a polimastia pode se apresentar como uma forma aberrante que não é acompanhada por um mamilo ou aréola, sendo comumente confundida com lipoma, linfadenopatia ou hidradenite.
Raros casos pediátricos de fibroadenomas em tecidos mamários acessórios têm sido descritos na literatura médica, mas nenhum caso pediátrico confirmado de carcinomas (Ref.28).
É relevante também destacar que a polimastia é tradicionalmente classificada em oito tipos (Ref.7):
- Classe I consiste de uma mama completa, incluindo tecido glandular, mamilo e aréola (Fig.5)
- Classe II consiste de apenas tecido glandular e mamilo, sem aréola.
- Classe III consiste de apenas tecido glandular e aréola, sem mamilo.
- Classe IV consiste de apenas tecido glandular.
- Classe V (pseudo-mama) consiste de apenas mamilo e aréola, sem tecido glandular.
- Classe VI (politelia) consiste de apenas o mamilo.
- Classe VII (politelia areolaris) consiste de apenas a aréola.
- Classe VIII (politelia pilosa) consiste de apenas um tufo de cabelo.
No caso da politelia, o termo é usado para descrever a presença de múltiplos mamilos - geralmente 2 ou 3 - em uma única mama ou peito. Frequentemente, um deles é funcional, e os outros são rudimentares. Polimastia e politelia combinadas ocorrem em quase 0,2% a 5,6% da população feminina, porém a politelia é mais comum em indivíduos do sexo masculino. Na politelia, o tecido mamário ectópico associado pode ser funcional ou disfuncional.
A maior parte dos casos de polimastia parecem ser esporádicos, mas aproximadamente 6% são hereditários, com possível traço dominante autonômico. Por exemplo, em 2001, no periódico European Journal of Pediatrics (Ref.13), foi reportado seis casos de politelia ao longo de três gerações de uma família, com o membro mais novo (menina de 11 anos) expressando também uma glândula mamária acessória sob a mama esquerda normal.
O diagnóstico é, geralmente, realizado através do exame físico e de exames complementares como a mamografia, a ultrassonografia mamária e citologia aspirativa com agulha fina. Depois de realizado o diagnóstico, há duas formas de tratamento para essa patologia: o expectante e o cirúrgico. No expectante, é realizado simples acompanhamento do caso, sem intervenção terapêutica. O tratamento cirúrgico é indicado nos casos em que a mama causa desconforto podendo ser decorrente do aumento do volume, dor e/ou produção de secreção láctea e por alterações estéticas.
A intervenção cirúrgica de preferência e recomendada envolve a remoção do tecido mamário acessório, além do tecido adiposo e da pele associados. A remoção cirúrgica total é especialmente recomendada para indivíduos com histórico de câncer de mama na família.
Tanto a polimastia quanto a politelia - quando expressas ao longo da linha láctea - representam um típico exemplo de atavismo em populações naturais. Atavismo é a espontânea reaparição de características ancestrais em membros individuais de uma espécie, ou seja, informações genéticas "adormecidas" em uma espécie que são despertadas ou ativadas por fatores diversos. Em outros mamíferos (canídeos, felinos, roedores, etc.), várias glândulas mamárias se desenvolvem ao longo da linha látea, e os humanos e outros primatas são descendentes evolutivos de mamíferos com a mesma característica. De fato, nosso desenvolvimento embrionário inicial é muito similar ao de vários outros animais, incluindo degeneração de cauda presente no embrião humano.
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> Para todos os mamíferos, o número de tetas (ou mamas) naturalmente presentes ao longo da linha láctea está correlacionado com o número de filhotes por parto. A média de filhotes por parto é igual à metade do número de tetas e o máximo de filhotes por parto é igual ao número total de tetas presentes, como regra geral. Ref.19
> Polimastia, como anomalia, pode ocorrer também em outros mamíferos além dos humanos. Ref.19
CURIOSIDADE: O ato de soluçar - frequentemente disparado quando comemos rápido - é associado exclusivamente aos mamíferos e está fortemente ligado à amamentação. Leitura recomendada para mais informações: Qual a origem do ato de amamentar e a sua relação com o soluço?
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REFERÊNCIAS CIENTÍFICAS
- https://www.nejm.org/image-challenge
- Lopez, M. E., & Olutoye, O. O. (2017). Breast Embryology, Anatomy, and Physiology. Endocrine Surgery in Children, 365–376.
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- Nayak S, Acharjya B, Devi B. Polymastia of axillae. (2007). Indian J Dermatol;52:118-20.
- https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC3336208/
- https://faseb.onlinelibrary.wiley.com/doi/abs/10.1096/fasebj.31.1_supplement.lb7
- https://link.springer.com/chapter/10.1007/978-3-319-45704-8_6
- https://zdravlje.eu/wp-content/uploads/2012/10/10-1348127749.pdf
- https://journalajcrs.com/index.php/AJCRS/article/view/30147/56568
- https://www.sciencedirect.com/science/article/abs/pii/S0190962203004675
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