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Qual a causa da nossa curiosidade mórbida?


             É notável que as pessoas são curiosas sobre informações muito intensas e negativas (morte, violência, acidentes, etc.). Esse fenômeno, frequentemente referido como curiosidade mórbida, espelha a grande popularidade de séries criminais (ex.: CSI, Dexter) (1) e envolvendo assassinos em série (serial killers), filmes de terror, cobertura nos noticiários de crimes violentos e tragédias, e a existência de fenômenos como o "turismo-de-desastre" (atração das pessoas por pontos turísticos que testemunharam tragédias ou intensa violência) e o "rubbernecking" (quando o trânsito fica engarrafado porque as pessoas nos veículos param para observar acidentes).

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(1) Sugestão de leitura: 

> Curiosidade pode ser definida como uma "lacuna de informação" entre o que a pessoa quer saber e o que ela atualmente sabe. Curiosidade é refletida na busca por informação que pode reduzir ou resolver essa discrepância. Estímulos positivos e negativos podem fomentar interesse, um conceito próximo relacionado à curiosidade.

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            Aliás, um estudo publicado em 2017 (Ref.1), analisando 53 estudantes da Universidade de Amsterdã, Holanda, demonstrou que dada a escolha para ver uma imagem "neutra" (uma que não evoca uma forte resposta emocional) ou uma imagem mórbida envolvendo morte, violência (ex.: cenas de guerra), mutilação corporal ou ameaça natural (ex.: acidente com tubarão), as pessoas escolhiam ver as imagens mórbidas e socialmente negativas com muito mais frequência. Ao longo de três experimentos, os resultados do estudo mostraram que pessoas diversas deliberadamente se sujeitam a imagens negativas. Esse fenômeno têm sido apelidado de "Paradoxo do Horror": ao invés de evitar todas as situações que elicitam emoções negativas como medo e ansiedade, várias pessoas intencionalmente buscam experienciar essas situações no contexto de entretenimento ou consumo de notícias mórbidas.

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            Mas qual a razão para essa curiosidade mórbida que parece fortemente inerente à natureza humana? Há mais de 2 mil anos, Aristóteles chegou a sugerir que a tragédia era popular porque isso permitiria às pessoas "purgar a si mesmas de emoções difíceis como piedade e medo".

            Apesar da literatura acadêmica ser relativamente escassa sobre esse tema específico, cientistas comumente argumentam que as pessoas investem especial atenção em atos repudiantes e seus terríveis detalhes porque nós humanos fomos programados ao longo do percurso evolucionário para sermos vigilantes sobre pessoas, predadores e ações que podem nos ferir ou matar. O nosso "apelo ao horror" seria uma adaptação evolutiva de vigilância protetiva: nós investimos mais atenção a eventos que podem nos prejudicar para que possamos evitar circunstâncias semelhantes (Ref.2).

              Ameaças à sobrevivência impostas por predadores e indivíduos hostis da mesma espécie engatilharam processos evolutivos fornecendo aos animais arquitetura cognitiva capaz de lidar com essas ameaças. Alguns animais exibem curiosidade por predadores engajando em arriscados comportamentos de "inspeção" - por exemplo, gazelas podem se aproximar de leões ou guepardos quando esses últimos não estão se movendo ou quando as gazelas estão em grandes grupos, com aparente fim de observação e aprendizado. Os custos associados com o aprendizado sobre predadores e outras ameaças são altas na maioria das espécies no reino animal. Porém, em humanos, a habilidade de imaginar situações e agentes ameaçadores - e de descrever visualmente ou verbalmente detalhes de  eventos trágicos para outros humanos - reduziu dramaticamente os custos de aprendizado sobre ameaças. É sugerido que essa redução de custo resultou no fenômeno da curiosidade mórbida, uma acentuada motivação para aprender sobre potenciais ameaças (Ref.3). O drive evolutivo para o aprendizado de potenciais ameaças somado com a segurança proporcionada para esse aprendizado acabaram super-estimulando nossa espécie no sentido de consumir conteúdo mórbido.

           Essa estratégia evolutiva de vigilância proposta é também corroborada por diferenças entre mulheres e homens na preferência por diferentes conteúdos mórbidos. Por exemplo, mulheres são consumidoras notavelmente  mais prevalentes do gênero "crimes reais", incluindo conteúdos de podcast, livros, séries, etc. que abordam crimes não-fictícios envolvendo extrema violência (Ref.4). E isso não é surpreendente considerando que as mulheres são as principais vítimas de crimes violentos no mundo real, como feminicídio, assassinatos em série, violência doméstica, estupro, entre outros. Entender o comportamento criminal associado aos crimes violentos é um fator adaptativo importante que pode ajudar a mulher a evitar ser vítima desses crimes. E maior chance de sobrevivência significa potencialmente maior chance reprodutiva.

            Existe evidência que homens possuem maior curiosidade mórbida do que mulheres - talvez devido à participação mais ativa dos machos em perigosas atividades de caça e defesa contra predadores e aos violentos conflitos intraespecíficos entre machos ao longo da nossa história evolutiva -, mas mulheres parecem exibir significativamente mais interesse em conteúdo mórbido não-fictício (crimes reais) do que homens (Ref.2). 


REFERÊNCIAS

  1. Oosterwijk, S. (2017) Choosing the negative: A behavioral demonstration of morbid curiosity. PLoS ONE 12(7): e0178399. https://doi.org/10.1371/journal.pone.0178399
  2. Harrison et al. (2020). Interested in serial killers? Morbid curiosity in college students. Current Psychology. https://doi.org/10.1007/s12144-020-00896-w
  3. Scrivner, C. W. (2022). The Psychology of Morbid Curiosity. University of Chigago [Tese], 29162798.
  4. https://lions-talk-science.org/2023/09/27/what-does-she-see-in-that-serial-killer-the-psychology-of-morbid-curiosity/