Artigos Recentes

Onde fica o ânus dos escorpiões?

Figura 1. Escorpião da espécie Hottentotta tamulus. A seta aponta a localização do ânus.

           O ânus e parte do sistema digestivo dos escorpiões - aracnídeos da ordem Scorpiones - estão localizados no metassoma ("cauda") desses aracnídeos, a parte traseira do opistossoma ("abdômen"). Especificamente, na porção final da cauda (Fig.1). E ainda mais interessante, escorpiões do gênero Ananteris possuem a capacidade de autotomia, desprendendo voluntariamente parte da própria cauda do corpo como defesa contra predadores (Ref.1). Nesse processo, acabam perdendo permanentemente a parte posterior do sistema digestivo - incluindo o ânus - e a capacidade de defecar. Após cicatrização, os escorpiões sem ânus conseguem sobreviver, se locomover, se alimentar e acasalar normalmente por vários meses, acumulando continuamente fezes no opistossoma (Fig.2). A perda do ferrão reduz significativamente a habilidade de caça e de defesa dos escorpiões Ananteris (Ref.2-3). Pressão interna das fezes acumuladas parece promover perda de outros segmentos da cauda e é esperado que cause morte do indivíduo a longo prazo (Ref.2).


Figura 2. Macho adulto da espécie Ananteris solimariae 25 dias após autotomia da cauda, com perda do ferrão e do ânus. (A) Escorpião sem a porção final da cauda se alimentando de uma ninfa de grilo. (B) Tentativa de picar o dedo de um humano mesmo sem o ferrão, e exibindo um opistossoma inchado. (C) Acúmulo de excrementos evidenciado como áreas brancas dentro do opistossoma (seta preta). Pelo menos 14 espécies do gênero Ananteris possuem a habilidade de autotomia, com completa cicatrização dentro de alguns dias. A clivagem da cauda pode ocorrer a partir de diferentes segmentos (I e II, II e III, ou III e IV). Autotomia é mais comum nos machos. Ref.1


          


> Assim como vários outros aracnídeos, escorpiões exibem pré-digestão externa da presa. Especificamente, a presa é mastigada através das quelíceras, enquanto enzimas digestivas secretadas das glândulas coxais das pernas I e II agem nos tecidos da presa. Os fluídos da presa pré-digerida são, então, sugados para a cavidade oral através da ação dos músculos de bombeamento nas paredes da câmara faríngea. Uma vez que os fluídos são bombeados para essa câmara, eles são direcionados para o tubo digestivo central (intestino médio) que corre ao longo de quase toda a extensão do corpo do escorpião. Esse trato intestinal é fortemente ramificado, alcançado até as pernas do animal, e as ramificações terminam em diferentes partes do hepatopâncreas, um órgão responsável pela digestão interna, absorção e armazenamento do alimento ingerido. A parte final (posterior) do trato digestivo leva o bolo alimentar digerido para sua expulsão através do ânus, localizado pouco antes da vesícula de peçonha. Ref.4


Figura 3. Morfologia geral (visão lateral) do sistema digestivo de um escorpião e sua localização. Ref.5

> Escorpiões se alimentam de forma infrequente e podem sobreviver mesmo após vários meses sem alimentação. Ref.4

> O gênero Ananteris é encontrado na parte norte da América do Sul, incluindo territórios Brasileiros.


Leitura recomendada


REFERÊNCIAS

  1. Mattoni et al. (2015) Scorpion Sheds ‘Tail’ to Escape: Consequences and Implications of Autotomy in Scorpions (Buthidae: Ananteris). PLoS ONE 10(1): e0116639. https://doi.org/10.1371/journal.pone.0116639
  2. García-Hernández & Machado (2020). 'Tail' autotomy and consequent stinger loss decrease predation success in scorpions. Animal Behaviour, Volume 169, Pages 157-167. https://doi.org/10.1016/j.anbehav.2020.08.019
  3. García-Hernández & Machado (2021). "Short- and long-term effects of an extreme case of autotomy: does “tail” loss and subsequent constipation decrease the locomotor performance of male and female scorpions?" Integrative Zoology, Volume17, Issue5, Pages 672-688. https://doi.org/10.1111/1749-4877.12604
  4. Simone et al. (2022). Metabarcoding analysis of different portions of the digestive tract of scorpions (Scorpiones, Arachnida) following a controlled diet regime shows long prey DNA half-life. Environmental DNA, Volume 4, Issue 5, Pages 1176-1186. https://doi.org/10.1002/edn3.311
  5. Fuzita et al. (2015) Biochemical, Transcriptomic and Proteomic Analyses of Digestion in the Scorpion Tityus serrulatus: Insights into Function and Evolution of Digestion in an Ancient Arthropod. PLoS ONE 10(4): e0123841. https://doi.org/10.1371/journal.pone.0123841