Qual tubarão produz ovos com formato de parafuso?
Figura 1. Ovo de um tubarão do gênero Heterodontus. |
Peixes da subclasse Elasmobranchii - animais aquáticos cartilaginosos que incluem tubarões e raias - evoluíram várias adaptações ao longo de uma história evolucionária de ~400 milhões de anos, incluindo complexos e diversos modos reprodutivos. Fertilização interna é universal nesse grupo de peixes (elasmobrânquios), mas a duração na qual as fêmeas retêm os ovos fertilizados no corpo varia. Formas ovíparas (que depositam ovos) mantêm os ovos fertilizados por um curto período de tempo antes de depositá-los em um substrato ou anexá-los em estruturas. Formas vivíparas (desenvolvimento interno até o parto) retêm o embrião internamente, permitindo o desenvolvimento completo dentro do útero, antes de parir os filhotes (1). Em ambas as formas, os filhotes nascem totalmente desenvolvidos.
(1) Sugestão de leitura:
A maioria dos tubarões modernos são vivíparos, com apenas três famílias conhecidas utilizando oviparidade: Heterodontidae, Scyliorhinidae e Orectolobidae (!). Os ovos dos elasmobrânquios consistem de uma membrana embrionária gelatinosa, vitelo (reserva de nutrientes) e um embrião em desenvolvimento. A cápsula (ou casca) do ovo é constituída de múltiplas camadas de colágeno e são resistentes e extremamente duráveis. Essas cápsulas são depositadas em um substrato ou anexadas a estruturas na zona bêntica, frequentemente em pares, e servem como a única proteção para o embrião. Tempo de incubação varia enormemente entre as espécies, geralmente durando alguns meses e, em outras espécies, supera 1 ano.
A morfologia das cápsulas dos ovos é altamente variável entre os diferentes grupos de elasmobrânquios. Tubarões geralmente produzem cápsulas arredondadas e elipsoidais, no entanto, existem várias exceções. Em particular, os tubarões da família Heterodontidae produzem notáveis ovos com formato de parafuso.
Os Heterodontiformes são uma ordem de tubarões que compreendem uma única família (Heterodontidae) e um único gênero (Heterodontus). Esses tubarões representam uma das primeiras linhagens de elasmobrânquios modernos com dentes fossilizados e distinguíveis datados do Jurássico Inferior, há ~175 milhões de anos (Ref.2). São caracterizados por cabeças grandes e achatadas com cristas proeminentes acima das órbitas, e uma boca pequena e quase terminal (Fig.5). Além disso, exibem um grande espinho [atóxico] na frente de ambas as nadadeiras dorsais e uma na nadadeira anal. Habitando o solo oceânicos, existem atualmente 10 espécies reconhecidas no gênero: H. francisci (no leste do Pacífico); H. galeatus (no leste da Austrália); H. japonicus (no noroeste do Pacífico); H. mexicanus (no leste do Pacífico); H. omanensis (no noroeste do Oceano Índico); H. portusjacksoni (no sul da Austrália); H. quoyi (do leste do Pacífico); H. ramalheira (do oeste do Oceano Índico; H. zebra (ocorrendo desde o norte da Austrália até o Japão); e, mais recentemente descrita, H. marshallae (noroeste da Austrália).
Figura 3. Visão dorsal (a) e lateral (b) de um espécime macho (adolescente) da espécie Heterodontus marshallae. Ref.2 |
Os ovos dos tubarões do gênero Heterodontus possuem um formato cônico e uma estrutura externa helicoidal que facilita a fixação segura do ovo entre rochas e fissuras (Fig.6). Os ovos possuem tipicamente entre 11 e 12 cm de comprimento e podem ou não exibir estruturas filamentosas na ponta final posterior. Esses filamentos estão presentes nos ovos das espécies H. galeatus, H. mexicanus, H. omanensis, H. marshallae e H. zebra, mas ausentes nas espécies H. francisci, H. japonicus, H. portusjacksoni e H. quoyi. A presença ou ausência de filamentos aparentemente são adaptações que otimizam a uma melhor fixação ou anexação dos ovos em diferentes ambientes: cápsulas sem filamentos são geralmente depositadas em fendas rochosas e sob pedras; em contraste, ovos com filamentos parecem facilitar a anexação em substratos como corais, algas marinhas ou esponjas (Fig.7-8).
Figura 9. (A) Visão lateral de um espécime macho de Heterodontus mexicanus. (B) Cápsula de ovo de um H. mexicanus. (C) Maxilares de H. mexicanus. Ref.7 |
Figura 10. Nas fotos (Jean/Wikimedia), cápsulas de ovos do H. francisci (à esquerda) e do tubarão Cephaloscyllium ventriosum, no Birch Aquarium, San Diego. |
Em inglês, os tubarões do gênero Heterodontus são conhecidos como horn sharks ("tubarão-de-chifres"), fazendo referência ao espinho (~10 cm de comprimento) que evoluiu como um mecanismo de defesa e de ancoragem em cada nadadeira dorsal (Ref.9). Outra curiosidade é que os tubarões desse gênero conseguem comer e respirar ao mesmo tempo, bombeando ativamente água para dentro e para fora das guelras - algo incomum entre tubarões (Ref.10). Isso também significa que esses tubarões não precisam se mover para respirar, e, portanto, podem ficar imóveis por longos períodos, descansando e se escondendo no solo oceânico, como mostrado neste vídeo.
No registro fóssil, existem ovos de tubarão fossilizados que exibem estruturas helicoidais e evidências de filamentos terminais muito similares àqueles dos ovos de Heterodontiformes modernos, sugerindo funções adaptativas similares (Fig.12). Apesar da semelhança entre os ovos, os antigos tubarões associados aos fósseis citados são consensualmente incluídos na extinta família Hybodontidae, ordem dos Hybodontiformes, com base na distribuição geográfica e temporal (Ref.10).
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(!) Importante realçar que mesmo as espécies vivíparas de tubarões produzem ovos capsulados. Em um número de espécies vivíparas, os ovos são podem ser tratados como um estágio intermediário, onde o embrião se desenvolve dentro da cápsula e, uma vez que ocorre eclosão, o desenvolvimento continua no útero. Em outras espécies, a cápsula persiste ao longo de todo o desenvolvimento interno e pode até mesmo ser incorporada ao útero. Na espécie Cephaloscyllium sarawakensis, habitante do Mar do Sul da China, existe um modo de oviparidade até o momento não observado em outras espécies onde o ovo é mantido dentro do oviduto até o embrião alcançar um tamanho considerável; nesse ponto, o ovo é depositado fora do corpo da mãe onde o desenvolvimento é continuado. Ref.2
Alerta: Os tubarões em geral estão fortemente ameaçados devido à caça excessiva desses peixes por humanos e falta de efetivas campanhas de conscientização. Muitas espécies estão próximas da extinção. Para mais informações: Sopa de barbatanas e injusta má fama estão dizimando os tubarões
Sugestão de leitura: Qual é a função e o recorde de protusão do maxilar entre tubarões?
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REFERÊNCIAS
- Bass et al. (2021). Preliminary observations on the movement ecology of a crested horn shark ( Heterodontus galeatus ). Journal of Fish Biology. https://doi.org/10.1111/jfb.14898
- White et al. (2023). Species in Disguise: A New Species of Hornshark from Northern Australia (Heterodontiformes: Heterodontidae). Diversity 15(7), 849. https://doi.org/10.3390/d15070849
- Canfield et al. (2022). Little Sharks in a Big World: Mitochondrial DNA Reveals Small-scale Population Structure in the California Horn Shark (Heterodontus francisci), Journal of Heredity, Volume 113, Issue 3, Pages 298–310. https://doi.org/10.1093/jhered/esac008
- https://www.floridamuseum.ufl.edu/discover-fish/species-profiles/heterodontus-francisci/
- https://australian.museum/learn/animals/fishes/crested-horn-shark-heterodontus-galeatus-gunther-1870/
- https://fishesofaustralia.net.au/home/species/1981
- https://museucienciesjournals.cat/en/amz/issue/13-2015-amz/lista-patron-de-los-tiburones-rayas-y-quimeras-chondrichthyes-elasmobranchii-holocephali-de-mexico
- Powter et al. (2008). Embryonic mortality and predation on egg capsules of the Port Jackson shark Heterodontus portusjacksoni (Meyer). Journal of Fish Biology, 72(3), 573–584. https://doi.org/10.1111/j.1095-8649.2007.01721.x
- Meese et al. (2020). Environmental effects on daytime sheltering behaviors of California horn sharks (Heterodontus francisci). Environmental Biology of Fishes. https://doi.org/10.1007/s10641-020-00977-6
- https://www.dolphinresearch.org.au/creature-feature-what-do-you-know-about-the-shark-that-laid-this-egg/
- Krüger et al. (2020). 3D imaging of shark egg cases (Palaeoxyris) from Sweden with new insights into Early Jurassic shark ecology. GFF, Volume 143, Issue 2-3. https://doi.org/10.1080/11035897.2021.1907442
- https://core.ac.uk/download/pdf/229428554.pdf
- https://australian.museum/learn/animals/fishes/port-jackson-shark-heterodontus-portusjacksoni-meyer-1793/