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Raias são ovíparas ou vivíparas?

Figura 1. Na sequência de fotos, raia fêmea parindo um filhote.

 
          Raias são peixes cartilagíneos da superordem Batoidea e próximo relacionados dos tubarões. Diferente de outros peixes que botam ovos (ovíparos), a maioria das raias - e dos peixes cartilaginosos em geral - são vertebrados vivíparos, ou seja, a fertilização é interna e os embriões se desenvolvem dentro do corpo das fêmeas até o nascimento. Muitas raias exibem inclusive viviparidade matrotrófica (1), ou seja, os embriões se desenvolvem dentro do corpo das fêmeas e também recebem nutrição extra intrauterina durante o desenvolvimento interno, mas sem a presença de placenta (ausência de interconexão física entre mãe e embrião) como observado na maioria dos mamíferos.  

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           Na Fig.1, temos o nascimento de uma raia da subordem Myliobatoidei (2), em um aquário da África do Sul (Two Oceans Aquarium). Os peixes desse grupo tipicamente dão a luz a cada 2 anos, com um tempo de gestação de quase 1 ano. Em cada gestação, nascem entre quatro e sete filhotes, estes os quais já saem prontos para nadar e independentes da mãe. Após alguns minutos de desorientação e entendimento do meio ao redor, os recém-nascidos são capazes de se mover, nadar e sobreviver como os adultos!

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(1) Antigamente existia o termo "ovovíparo" para se referir geralmente a animais que retêm os ovos dentro do corpo até o nascimento dos filhotes. Como o termo causava muita confusão, caiu em desuso acadêmico. Hoje a viviparidade é classificada como lecitotrófica ou matrotrófica. Nos vivíparos lecitotróficos, os embriões se desenvolvem dentro do corpo materno obtendo nutrição exclusivamente do saco vitelino (presente tipicamente em ovos). Nos vivíparos matrotróficos, os nutrientes são fornecidos pelas mães através de vários caminhos que diferem entre as espécies e clados, incluindo placenta. Vertebrados vivíparos existem em peixes, anfíbios, répteis e mamíferos. 

(2) As raias em geral são relativamente lecitotróficas, mas com um número delas exibindo variados graus de fornecimento nutricional extra para os embriões. As subordens Myliobatoidei (ex.: família Urolophidae) e Myliobatoidei, em particular, exibem real viviparidade matrotrófica, com as fêmeas expressando uma mucosa uterina com projeções especializadas que secretam leite uterino, rico em lipídios e proteínas e que visa nutrir o embrião em desenvolvimento após consumo do saco vitelino nos estágios embrionários iniciais. Essas projeções especializadas são consideradas "análogos placentários".

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> Vertebrados vivíparos começam a alimentação oral (ex.: beber e comer) após o nascimento. Algumas linhagens peixes cartilagíneos, incluindo raias da subordem Myliobatoidei, são uma rara exceção nesse sentido. Nesses peixes - em ambientes de água doce ou marinha - desenvolvimento embriônico depende inicialmente da absorção de gema do ovo. No entanto, durante os estágios gestacionais tardios, absorção da gema é completada e o embrião continua crescendo ao beber leite uterino rico em proteínas e lipídios secretados na parede uterina e/ou consumir outros ovos em desenvolvimento na cavidade uterina (canibalismo). Esse modo de alimentação uterina é tão eficiente que o embrião aumenta em até 1680-4900% de tamanho durante a fase final de gestação. Na espécie Dasyatis americana, por exemplo, o embrião aumenta a massa em 3750% do ovo até o parto do feto. Esse processo também resulta na produção de grande quantidade de fezes, que é acumulada no grande intestino embrionário e impedida de sair - e contaminar o útero - pelo bloqueio da cloaca. Ref.6-9

> Assim como várias raias, viviparidade com produção de leite uterino também está presente nos tubarões-brancos (Carcharodon carcharias). A parede uterina desses tubarões possui uma grande capacidade de secretar lipídios que ultimamente formam um fluido viscoso e esbranquiçado (leite uterino) para a alimentação do embrião. Ref.10

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REFERÊNCIAS

  1. https://www.aquarium.co.za/blog/entry/stingrays-give-birth-to-live-young-take-a-look
  2. Santander-Neto et al. (2016). Reproductive biology of Urotrygon microphthalmum (Batoidea: Urotrygonidae) from north-eastern Brazil, tropical west Atlantic Ocean. Journal of Fish Biology, 89(1), 1026–1042. https://doi.org/10.1111/jfb.12951
  3. White et al. (2001). Relationship between reproductive biology and age composition and growth in Urolophus lobatus (Batoidea: Urolophidae). Marine Biology, 138(1), 135–147. https://doi.org/10.1007/s002270000436
  4. Blackburn, D. G. (2014). Evolution of vertebrate viviparity and specializations for fetal nutrition: A quantitative and qualitative analysis. Journal of Morphology, 276(8), 961–990. https://doi.org/10.1002/jmor.20272
  5. https://www.sciencedirect.com/topics/earth-and-planetary-sciences/viviparity
  6. Tomita et al. (2020). Viviparous stingrays avoid contamination of the embryonic environment through faecal accumulation mechanisms. Scientific Reports 10, 7378. https://doi.org/10.1038/s41598-020-64271-2
  7. Suzuki et al. (2021). Composition of uterine milk and its changes with gestational period in red stingrays (Hemitrygon akajei). Journal of Fish Biology, Volume 99, Issue 1, Pages 240-252. https://doi.org/10.1111/jfb.14716
  8. Pedreros-Sierra et al. (2016). Reproductive system of females of the Magdalena river endemic stingrayPotamotrygon magdalenae: Anatomical and functional aspects. Journal of Morphology, 277(5), 680–697. https://doi.org/10.1002/jmor.20527
  9. https://cdnsciencepub.com/doi/abs/10.1139/z96-157