Quais são as manifestações cutâneas mais comuns na gravidez?
Figura 1. Paciente grávida com manchas vermelhas nas palmas da mão. Ref.1 |
Uma mulher grávida de 33 anos de idade com uma gestação de 35 semanas apresentou-se ao hospital com manchas vermelhas em ambas as mãos, mas sem dor ou coceira associada (Fig.1). Além das notáveis manchas vermelhas, a paciente estava assintomática. As mudanças na pele primeiro apareceram no segundo semestre de gravidez. Exame médico da pele revelou eritemas com padrões mosqueados e pálidos ao longo das duas mãos.
Considerando o quadro clínico, a paciente foi diagnosticada com eritema palmar de gravidez, uma manifestação ligada às mudanças fisiológicas vasculares associadas com a gravidez. Nenhum tratamento específico é indicado, e a condição tipicamente se resolve dentro de 2 semanas após o parto, apesar de recuperação total demorar até 2 meses.
O caso foi reportado no periódico The New England Journal of Medicine (Ref.1).
ALTERAÇÕES DE PELE NA GRAVIDEZ
A gravidez representa um período de intensas modificações para a mulher. Praticamente todos os sistemas do organismo são afetados, entre eles a pele. A maioria das mudanças no corpo feminino decorre de alterações hormonais e/ou mecânicas. As primeiras caracterizam-se por grandes elevações de estrogênio, progesterona, beta HCG, prolactina e uma variedade de hormônios e mediadores que alteram completamente as funções do organismo. Durante a gestação ocorrem alterações do metabolismo proteico, lipídico e glicídico; aumento do débito cardíaco, da volemia, hemodiluição e alterações na pressão arterial; aumento do fluxo glomerular; alterações na dinâmica respiratória; modificações do apetite, náuseas e vômitos (1), refluxo gastroesofágico, constipação; e alterações imunológicas variadas, as quais permitem que a mulher suporte a sobrecarga de gerar um novo organismo.
(1) Leitura recomendada: O termo 'enjoo matinal' é correto para as náuseas e vômitos na gravidez?F
As intensas alterações imunológicas, endócrinas, metabólicas e vasculares tornam a gestante susceptível a mudanças na pele, tanto fisiológicas quanto patológicas. Em relação à pele, as alterações gestacionais são divididas em:
- alterações fisiológicas da gravidez (ex.: hiperpigmentação, melasma, aranhas vasculares, estrias, hemangiomas cavernosos, hirsutismo, gengivite gestacional, etc.);
- dermatoses específicas da gravidez;
- e dermatoses alteradas na gravidez.
Entre as alterações fisiológicas, as mudanças pigmentares são extremamente comuns, acometendo até 90% das gestantes e iniciando-se precocemente na gravidez. A hiperpigmentação costuma ser generalizada, com acentuação das regiões normalmente mais pigmentadas, como aréolas mamárias, genitália, períneo, axilas e face interna das coxas. O quadro tende a regredir no pós-parto, mas a pele geralmente não retorna à coloração inicial. Fatores responsáveis pela pigmentação dessas áreas incluem maior população de melanócitos e maior susceptibilidade ao estímulo hormonal. Elevação dos níveis de hormônio melanocítico estimulante (MSH), estrógeno e progesterona - esses dois últimos fortes estimulantes melanogênicos - têm sido implicados na etiologia da hiperpigmentação (Fig.2-3).
Figura 2. Uma manifestação típica de hiperpigmentação é a linha nigra, ou seja, o escurecimento da pele ao longo da linha central da barriga (linha alba). |
Figura 5. Granuloma gravídico (gravidarum) ou granuloma piogênico da gestação é um tumor benigno gengival, mas pode se desenvolver em outras mucosas e pele (escalpo, palmas, dedos) de grávidas incluindo um caso reportado em 2021 envolvendo a conjuntiva inferior da pálpebra esquerda. Tipicamente com início ao redor do terceiro mês de gravidez e crescimento contínuo até o final da gravidez (onde geralmente ocorre regressão), não é recomendado removê-lo na maioria dos casos, com risco de recorrência. Higiene oral rigorosa pode ajudar a prevenir sua ocorrência. |
O eritema palmar também é muito comum na gestação, podendo afetar até ~60% das grávidas. Tem início no primeiro trimestre e clinicamente pode acometer as eminências tenar e hipotenar ou toda a palma, acompanhando-se de cianose e palidez. Desaparece geralmente na primeira semana do pós-parto. Relaciona-se também aos níveis elevados de estrógenos, além do aumento da volemia.
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> Em especial, as estrias causam enorme desconforto para as gestantes e são muito comuns (até 90% das mulheres com pele clara), emergindo em oposição às linhas de tensão da pele. Ocorrem mais frequentemente no abdômen, mamas, braços e dorso. Uma combinação de fatores genéticos, hormonais e ganho de massa corporal provavelmente contribuem para a formação de estrias na gravidez. Para mais informações sobre a etiologia dessas cicatrizes e potenciais tratamentos, acesse: O que são e como tratar estrias e celulite?
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Prurido ocorre em até 20% das gestantes, tem início no terceiro trimestre, apresenta intensificação ao longo da gravidez, e é mais intenso no abdômen. Prurido também pode estar associado a quadros de dermatoses específicas e alteradas da gravidez, como penfigoide gestacional, erupção polimórfica ou atópica da gravidez (Fig.6), prurigo, foliculite pruriginosa, dermatite atópica, lúpus eritematoso, pênfigo e síndrome do anticorpo antifosfolipídio (!).
A erupção atópica de gravidez é a mais comum dermatose gestacional, e pode assustar as grávidas devido ao aspecto similar a sintomas de doenças infecciosas. Inclui eczema, prurido e foliculite prurítica. Em casos de coceira severa, ciclosporina e glucocorticoide oral podem ser prescritos, com resolução sintomática podendo ocorrer dentro de 2 semanas.
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> É importante realçar que a maioria das condições cutâneas associadas com o processo de gestação tipicamente se resolvem após o parto. Algumas das condições que podem persistir por mais tempo do que o esperado durante ou após a gravidez - portanto podendo requerer investigações mais detalhadas sobre a causa - incluem eflúvio telógeno, hirsutismo severo, eritema palmar e estrias. É também importante distinguir mudanças normais na pele de mudanças patológicas, no sentido de evitar testes, tratamentos e estresse desnecessários na grávida. Antes de iniciar quaisquer tipos de tratamento medicamentoso ou não-medicamentoso em resposta a manifestações cutâneas durante a gravidez, é imperativo buscar antes orientação médica, particularmente dermatológica.
(!) Para mais informações sobre cada uma dessas condições, fica a sugestão de leitura: Dermatologia e gestação
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REFERÊNCIAS CIENTÍFICAS
- https://www.nejm.org/image-challenge
- Alves et al. (2005). Dermatologia e gestação. Anais Brasileiros de Dermatologia, 80(2). https://doi.org/10.1590/S0365-05962005000200009
- Tyler, K. H. (2015). Physiological Skin Changes During Pregnancy. Clinical Obstetrics and Gynecology, 58(1), 119–124. https://doi.org/10.1097/GRF.0000000000000077
- Anzelc et al. (2022). Considerations for cutaneous physiologic changes of pregnancy that fail to resolve postpartum. International Journal of Dermatology, Volume 62, Issue 2, Pages 190-196. https://doi.org/10.1111/ijd.16105