YouTube

Artigos Recentes

Quais são as manifestações cutâneas mais comuns na gravidez?

Figura 1. Paciente grávida com manchas vermelhas nas palmas da mão. Ref.1

          Uma mulher grávida de 33 anos de idade com uma gestação de 35 semanas apresentou-se ao hospital com manchas vermelhas em ambas as mãos, mas sem dor ou coceira associada (Fig.1). Além das notáveis manchas vermelhas, a paciente estava assintomática. As mudanças na pele primeiro apareceram no segundo semestre de gravidez. Exame médico da pele revelou eritemas com padrões mosqueados e pálidos ao longo das duas mãos. 

- Continua após o anúncio -


          Considerando o quadro clínico, a paciente foi diagnosticada com eritema palmar de gravidez, uma manifestação ligada às mudanças fisiológicas vasculares associadas com a gravidez. Nenhum tratamento específico é indicado, e a condição tipicamente se resolve dentro de 2 semanas após o parto, apesar de recuperação total demorar até 2 meses.

          O caso foi reportado no periódico The New England Journal of Medicine (Ref.1).


   ALTERAÇÕES DE PELE NA GRAVIDEZ

          A gravidez representa um período de intensas modificações para a mulher. Praticamente todos os sistemas do organismo são afetados, entre eles a pele. A maioria das mudanças no corpo feminino decorre de alterações hormonais e/ou mecânicas. As primeiras caracterizam-se por grandes elevações de estrogênio, progesterona, beta HCG, prolactina e uma variedade de hormônios e mediadores que alteram completamente as funções do organismo. Durante a gestação ocorrem alterações do metabolismo proteico, lipídico e glicídico; aumento do débito cardíaco, da volemia, hemodiluição e alterações na pressão arterial; aumento do fluxo glomerular; alterações na dinâmica respiratória; modificações do apetite, náuseas e vômitos (1), refluxo gastroesofágico, constipação; e alterações imunológicas variadas, as quais permitem que a mulher suporte a sobrecarga de gerar um novo organismo. 

(1) Leitura recomendadaO termo 'enjoo matinal' é correto para as náuseas e vômitos na gravidez?F

           As intensas alterações imunológicas, endócrinas, metabólicas e vasculares tornam a gestante susceptível a mudanças na pele, tanto fisiológicas quanto patológicas. Em relação à pele, as alterações gestacionais são divididas em: 

- alterações fisiológicas da gravidez (ex.: hiperpigmentação, melasma, aranhas vasculares, estrias, hemangiomas cavernosos, hirsutismo, gengivite gestacional, etc.); 

- dermatoses específicas da gravidez; 

- e dermatoses alteradas na gravidez. 

          Entre as alterações fisiológicas, as mudanças pigmentares são extremamente comuns, acometendo até 90% das gestantes e iniciando-se precocemente na gravidez. A hiperpigmentação costuma ser generalizada, com acentuação das regiões normalmente mais pigmentadas, como aréolas mamárias, genitália, períneo, axilas e face interna das coxas. O quadro tende a regredir no pós-parto, mas a pele geralmente não retorna à coloração inicial. Fatores responsáveis pela pigmentação dessas áreas incluem maior população de melanócitos e maior susceptibilidade ao estímulo hormonal. Elevação dos níveis de hormônio melanocítico estimulante (MSH), estrógeno e progesterona - esses dois últimos fortes estimulantes melanogênicos - têm sido implicados na etiologia da hiperpigmentação (Fig.2-3).


Figura 2. Uma manifestação típica de hiperpigmentação é a linha nigra, ou seja, o escurecimento da pele ao longo da linha central da barriga (linha alba).

Figura 3. O melasma ocorre em até 75% das gestantes, sendo mais comum o centro-facial (63%), seguindo-se o malar e o mandibular. A etiologia do melasma é multifatorial, podendo contribuir: gestação em si, uso de anticoncepcionais orais, fatores genéticos, tipo de pele, exposição solar, e níveis elevados de estrógenos, progesterona e de MSH. O melasma costuma desaparecer completamente em prazo de até um ano após o parto, mas até 30% das pacientes evoluem com alguma sequela da mancha.

Figura 4. Aranhas vasculares surgem entre o segundo e o quinto mês de gestação. São frequentemente encontradas nas áreas de drenagem da veia cava superior, como face, pescoço e membros superiores, e tendem a aumentar de tamanho ao longo dos meses. Altos níveis de estrógenos parecem responder por sua origem. Geralmente as aranhas vasculares desaparecem até a sétima semana após o parto.

Figura 5. Granuloma gravídico (gravidarum) ou granuloma piogênico da gestação é um tumor benigno gengival, mas pode se desenvolver em outras mucosas e pele (escalpo, palmas, dedos) de grávidas incluindo um caso reportado em 2021 envolvendo a conjuntiva inferior da pálpebra esquerda. Tipicamente com início ao redor do terceiro mês de gravidez e crescimento contínuo até o final da gravidez (onde geralmente ocorre regressão), não é recomendado removê-lo na maioria dos casos, com risco de recorrência. Higiene oral rigorosa pode ajudar a prevenir sua ocorrência.

          O eritema palmar também é muito comum na gestação, podendo afetar até ~60% das grávidas. Tem início no primeiro trimestre e clinicamente pode acometer as eminências tenar e hipotenar ou toda a palma, acompanhando-se de cianose e palidez. Desaparece geralmente na primeira semana do pós-parto. Relaciona-se também aos níveis elevados de estrógenos, além do aumento da volemia. 

-----------

> Em especial, as estrias causam enorme desconforto para as gestantes e são muito comuns (até 90% das mulheres com pele clara), emergindo em oposição às linhas de tensão da pele. Ocorrem mais frequentemente no abdômen, mamas, braços e dorso. Uma combinação de fatores genéticos, hormonais e ganho de massa corporal provavelmente contribuem para a formação de estrias na gravidez. Para mais informações sobre a etiologia dessas cicatrizes e potenciais tratamentos, acesse: O que são e como tratar estrias e celulite?

------------

           Prurido ocorre em até 20% das gestantes, tem início no terceiro trimestre, apresenta intensificação ao longo da gravidez, e é mais intenso no abdômen. Prurido também pode estar associado a quadros de dermatoses específicas e alteradas da gravidez, como penfigoide gestacional, erupção polimórfica ou atópica da gravidez (Fig.6), prurigo, foliculite pruriginosa, dermatite atópica, lúpus eritematoso, pênfigo e síndrome do anticorpo antifosfolipídio (!).


Figura 6. Paciente de 37 anos com uma gestação de 30 semanas e um histórico de 4 meses de pústulas com intenso prurido sobre o torso, braços e pernas, sintomas típicos de erupção atópica de gravidez. Ref.1 

           A erupção atópica de gravidez é a mais comum dermatose gestacional, e pode assustar as grávidas devido ao aspecto similar a sintomas de doenças infecciosas. Inclui eczema, prurido e foliculite prurítica. Em casos de coceira severa, ciclosporina e glucocorticoide oral podem ser prescritos, com resolução sintomática podendo ocorrer dentro de 2 semanas.

-----------

> É importante realçar que a maioria das condições cutâneas associadas com o processo de gestação tipicamente se resolvem após o parto. Algumas das condições que podem persistir por mais tempo do que o esperado durante ou após a gravidez - portanto podendo requerer investigações mais detalhadas sobre a causa - incluem eflúvio telógeno, hirsutismo severo, eritema palmar e estrias. É também importante distinguir mudanças normais na pele de mudanças patológicas, no sentido de evitar testes, tratamentos e estresse desnecessários na grávida. Antes de iniciar quaisquer tipos de tratamento medicamentoso ou não-medicamentoso em resposta a manifestações cutâneas durante a gravidez, é imperativo buscar antes orientação médica, particularmente dermatológica.

(!) Para mais informações sobre cada uma dessas condições, fica a sugestão de leitura: Dermatologia e gestação

------------


REFERÊNCIAS CIENTÍFICAS

  1. https://www.nejm.org/image-challenge
  2. Alves et al. (2005). Dermatologia e gestação. Anais Brasileiros de Dermatologia, 80(2). https://doi.org/10.1590/S0365-05962005000200009
  3. Tyler, K. H. (2015). Physiological Skin Changes During Pregnancy. Clinical Obstetrics and Gynecology, 58(1), 119–124. https://doi.org/10.1097/GRF.0000000000000077
  4. Anzelc et al. (2022). Considerations for cutaneous physiologic changes of pregnancy that fail to resolve postpartum. International Journal of Dermatology, Volume 62, Issue 2, Pages 190-196. https://doi.org/10.1111/ijd.16105