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Quais parasitas controlam o comportamento de hospedeiros?

- Atualizado no dia 15 de março de 2025 -


          Vários parasitas evoluíram estratégias para explorar o comportamento do hospedeiro para uma transmissão de sucesso (1). Talvez os casos mais conhecidos pelo público envolvem fungos, e podemos citar a manipulação de formigas-carpinteiras por fungos do gênero Ophiocordyceps. Formigas infectadas pelo fungo sobem como "zumbis" até pontos altos na vegetação e ali se prendem ao morder uma folha com suas mandíbulas; o fungo então mata a formiga, cresce uma protuberante estrutura reprodutiva para fora do inseto (Fig.1) e libera seus esporos infecciosos que caem sobre outras formigas no solo (Ref.1). Outro exemplo mais sinistro é um fungo que infecta moscas, do gênero Entomophthora, o qual transforma fêmeas em "zumbis" e os machos em necrófilos (2). Mais recentemente, um fungo que infecta aranhas de forma similar ao parasitismo do Ophiocordyceps em formigas foi descrito (Fig.2).

 

Figura 1. "Formiga-zumbi". Na foto, uma formiga morta da espécie Camponotus atriceps e o fungo Ophiocordyceps unilateralis crescendo a partir da sua cabeça. O fungo manipulou a formiga no sentido de morder a folha de uma planta. Foto: David Hughes/Ref.2

Figura 2. (A) Aranha da espécie Meta menardi infectadas pelo fungo Gibellula attenboroughii, no norte da Irlanda, e posicionadas no teto de uma caverna. Em (B), aranha da espécie Metellina merianae infectada pelo fungo em uma caverna no Norte da Irlanda. Em (C), aranha da espécie Meta menardi infectada pelo fungo, na parede da Caverna de Whitefather, na República da Irlanda. Em (D), aranha totalmente encapsulada pelo fungo no teto da Caverna de Whitefather. Quando infectada pelo fungo, a aranha deixa sua toca ou teia e migra para a morte em áreas expostas, tipicamente no teto ou parede de cavernas. Nessas áreas, correntes de ar circulando através da caverna promovem a liberação e subsequente dispersão dos fungos secos para outras potenciais aranhas hospedeiras habitando a caverna. É muito similar à manipulação comportamental induzida em formigas pelo fungo Ophiocordyceps. O fungo é encontrado em sistemas de cavernas nas Ilhas Britânicas e infecta aranhas da subfamília Metainae. Outras espécies de fungos do gênero Gibellula também infectam aranhas em florestas tropicais úmidas e subtropicais, com aparente manipulação dos hospedeiros. Ref.53-54

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(1) Essa estratégia reprodutiva é um conceito conhecido como extensão de fenótipo, primeiro concebido pelo biólogo evolutivo Richard Dawkins em 1982. Esse conceito descreve que o comportamento que nós observamos nos animais não é devido somente à expressão dos seus genes, mas também devido aos parasitas que infectam esses animais. Nesse contexto, o comportamento é um fenótipo estendido do parasita.

(2Leitura recomendadaCientistas descrevem fungo que transforma moscas fêmeas em zumbis e machos em necrófilos

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          Mas além de fungos, outros micro- e macroparasitas também induzem notáveis e complexas mudanças comportamentais nos seus hospedeiros com o objetivo de maximizar a transmissão e aumentar a chance de um ciclo de vida completo. Muitos parasitas de diversos clados "manipulam" ou elicitam comportamentos anômalos ao seu favor, e talvez os exemplos mais notáveis sejam representados por vespas e vermes. 

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   GAFANHOTO "SUICIDA"

          O filo Nematomorpha consiste de vermes pertencentes a espécies marinhas (!) e de água doce. Os vermes de água doce possuem ciclos de vida complexos, os quais incluem múltiplos hospedeiros e uma fase aquática de vida livre. Surpreendentemente, enquanto as larvas desses parasitas possuem apenas ~60-100 μm de comprimento, os adultos podem alcançar crescer até >2 metros em algumas espécies durante o desenvolvimento dentro do hospedeiro! E ainda mais impressionante: durante parasitismo de hospedeiros terrestres (ex.: gafanhotos, besouros e baratas), esses vermes alteram o comportamento desses insetos de modo a forçá-los a entrar na água... um aparente suicídio! Sim, porque os insetos terrestres infectados não sabem nadar e acabam se afogando, mas isso não importa para o verme, porque é exatamente o que ele quer: para completar seu ciclo de vida, o adulto precisa entrar em um ambiente aquático (!). Enquanto o hospedeiro está se afogando, o verme adulto emerge do seu abdômen através do ânus ou outra região próxima para se acasalar ou - em algumas espécies - se reproduzir via partenogênese. 

 

Figura 3. Um típico "nó" contendo vários indivíduos adultos da espécie Gordius robustus, um representante do filo Nematomorpha. Esses parasitas são extremamente alongados e cilíndricos, tipicamente muito maiores em comprimento do que seus hospedeiros terrestres e frequentemente excedendo 20 cm de extensão. Com um diâmetro corporal geralmente inferior a 1 milímetro, os vermes nematomorfos exibem uma coloração marrom claro ou avermelhada. Os vermes adultos não se alimentam, gastando a energia acumulada do seu desenvolvimento no hospedeiro para fins reprodutivos. Bolek et al., 2015

          Após entrada na água e acasalamento, os vermes fêmeas podem depositar milhões de ovos, dos quais as larvas que eclodem são consumidas por praticamente qualquer animal aquático presente: insetos, crustáceos e até mesmo vertebrados. Após o consumo, as larvas usam aparelhos bucais especializados para mover através dos tecidos do hospedeiro intermediário, onde eventualmente se transformam em cistos. Invertebrados aquáticos que saem da água contribuem para o ciclo de vida desses vermes, à medida que são consumidos por hospedeiros terrestres definitivos - os quais futuramente serão fatalmente manipulados para que o verme possa voltar à água. É interessante notar que a saída do verme durante o afogamento do hospedeiro não necessariamente é letal para esse último; caso o inseto hospedeiro consiga escapar ou ser removido da água após a saída do verme, muitas vezes ele continuará vivo e aparentemente saudável, e não mais exibindo o comportamento "suicida" (Ref.5).

 

Figura 4. Representação esquemática do ciclo de vida de um verme nematomorfo no ambiente natural: (a) invertebrados infectados são manipulados por nematomorfos adultos vivendo nos espaços entre tecidos do hospedeiro, induzindo este a pular em corpos de água; (b) vermes adultos escapam dos hospedeiros se afogando, encontram um parceiro e se acasalam para a produção de ovos; (c) ao longo de 7-14 dias os ovos dão emergência a larvas semi-sésseis; (d) as larvas encistam dentro de estágios aquáticos imaturos de insetos como efemerópteros; (e) cistos sobrevivem à metamorfose do hospedeiro intermediário, e permanecem viáveis mesmo quando o inseto parasitado morre; quando o inseto parasitado é comido por um predador ou quando a carcaça desse inseto é consumida por um carniceiro (ex.: gafanhoto), cistos são transmitidos para o hospedeiro definitivo, onde eventualmente se transformam em adultos, fechando o cilo. O verme demora 30-60 segundos para sair do hospedeiro após entrada deste na água. O ciclo de vida completo dura cerca de 4-8 semanas dependendo da espécie. Strona, G., 2017

Figura 5. Uma fêmea de grilo da espécie Gryllus firmus submergida em água por 30 segundos, do qual vários vermes nematomorfos da espécie Paragordius varius podem ser observados saindo do seu abdômen. O grilo foi exposto a múltiplos cistos do verme em laboratório. Parte significativa dos hospedeiros terrestres podem ser infectados com múltiplos vermes. Bolek et al., 2015

 

Figura 6. Um nematomorfo emergindo de uma barata (espécie Celatoblatta quinquemaculata), na Nova Zelândia. Doherty et al., 2022

           São ainda incertos os exatos mecanismos comportamentais que aumentam a propensão do inseto hospedeiro de entrar na água. Evidências experimentais rejeitam que os insetos infectados ativamente busquem uma fonte de água para entrar (Ref.7). Ao invés disso, os insetos exibem uma movimentação errática e anômala (ex.: longe do habitat natural) que aumenta as chances de encontro com fontes abundantes de água. Quando chegam perto da água, ao invés de evitá-la como insetos normais geralmente fazem, grande parte dos indivíduos infectados ativamente pulam ou entram sem receio com uma probabilidade 20 vezes maior do que aqueles não-infectados (Ref.8). Parece existir também uma relação entre potencial de fecundidade do verme (estágio de desenvolvimento) e a manifestação de comportamento "suicida" no hospedeiro (Ref.9). Um estudo de 2011 trouxe evidência experimental sugerindo que o verme modifica respostas comportamentais à luz no hospedeiro (ex.: o inseto fica atraído com o reflexo da lua na água) (Ref.4), mas alguma manifestação de hidrofilia não é descartada.

          Em relação ao mecanismo neuronal responsável por esses estranhos comportamentos do hospedeiro, estudos têm indicado que vários proteínas no cérebro de insetos infectados por esses vermes são expressas de forma diferenciada em relação a insetos sem os parasitas (Ref.10). Por exemplo, o verme Nemobius sylvestris produz moléculas da família Wnt que podem agir diretamente no sistema nervoso central de grilos hospedeiros, estes os quais expressam de forma anômala proteínas especificamente ligadas a neurogênese, ritmo circadiano e atividade de neurotransmissores (Ref.11). 

            Evidência mais recente, associada à relação de parasitismo entre vermes nematomorfos e mantídeos (louva-a-deus), aponta que várias proteínas usadas pelos vermes parasitas para a manipulação comportamental foram obtidas via mecanismo de transferência horizontal de genes a partir dos insetos hospedeiros (Ref.40). 

          Relevante também apontar que vermes nematoides da família Mermithidae também evoluíram de forma convergente a habilidade de mudar o comportamento de hospedeiros terrestres (ex.: tesourinhas) no sentido de forçá-los a entrar na água e possuem um ciclo de vida similar aos vermes do filo Nematomorpha, apesar da ausência de hospedeiros aquáticos intermediários. Um estudo publicado em 2019 demonstrou o fenômeno entre uma tesourinha da espécie Forficula auricularia e um verme nematoide da espécie Mermis nigrescens (Ref.12), corroborando reportes prévios na literatura acadêmica e observações anedóticas durante trabalhos de campo. 

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(!) O gênero Nectonema é o único clado de vermes nematomorfos encontrado em ambientes marinhos, e cujas espécies parasitam crustáceos (Ref.13). Um estudo de 2021 também reportou uma espécie (Gordius terrestris) que aparentemente possui todo o ciclo de vida no ambiente terrestre, em solos molhados (Ref.14).

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   BARATA "ZUMBI"

          Enquanto que as baratas são o terror de muitos humanos, a barata-Americana (Periplaneta americana) enfrenta um terror ainda maior com um dos seus predadores naturais: a vespa solitária da espécie Ampulex compressa (Fig.7). Ao encontrar uma barata, a vespa inicialmente a ferroa diretamente no gânglio protorácico, com o veneno injetado causando paralisia transiente das pernas protorácicos por aproximadamente 5 minutos. Com a barata nessa posição submissa, a vespa então aproveita para dar uma ferroada precisa na cabeça da vítima, atingindo o cérebro e o gânglio subesofágico (Fig.8), e induzindo um vigoroso comportamento de limpeza corporal na barata que dura aproximadamente 20-30 minutos. Após esse estranho "banho" frenético, a barata cai em um estado de hipocinesia, caracterizado por perda de respostas de fuga e movimentação espontânea (!). Nesse estado "zumbi", a vespa quebra as duas antenas da barata, bebe o fluído hemolinfático expelido, depois pega sua vítima por uma das antenas e a conduz para um buraco - como se fosse um cão bem domado sendo conduzido pela coleira (Fig.9). 

Figura 7. Vespa da espécie Ampulex compressa, popularmente conhecida como Vespa-Joia.

 

 Figura 8. Comportamento de ferroada da vespa A. compressa. A vespa primeiro ferroa a barata no tórax (A) e, depois, na cabeça (B). A foto em A foi tirada da superfície ventral da barata através de uma janela de vidro no aquário. Após a larva consumir os tecidos e fluídos internos da barata, (C) uma vespa adulta emerge. Libersat, F., 2003

Figura 9. Vespa-joia no processo de conduzir uma barata submissa para o "buraco da morte". O veneno elimina comportamento aversivo e nocifensivo na barata, ao impedir processamento de estímulos nocivos no sistema nervoso central, no centro de comando de locomoção chamado de complexo central (Ref.16). É o único exemplo conhecido de animal peçonhento que modula o centro nociceptivo no hospedeiro/presa para o benefício da sua prole (Ref.17). Foto: Lilian Tornazelli/BioFaces

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(!) Interessante notar que vários outros comportamentos da barata são também preservados, como nado, ingestão de alimentos e líquidos, voo, entre outros. Por exemplo, se submergida ou colocada em um túnel de vento, a barata "zumbi" irá nadar e voar. Além disso, o estado de hipocinesia é reversível: se deixada isolada após a ferroada na cabeça, as respostas de escape e movimentação espontânea retornam dentro de 5-7 dias.

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           No buraco (ou abrigo), a vespa deposita um único ovo sobre a perna mesotorácica da barata "zumbi" e fecha a entrada do buraco com detritos. Após eclodir do ovo dentro de 3 dias, a larva da vespa entra na cavidade corporal da barata e se alimenta dos seus órgãos internos e da hemolinfa - com o hospedeiro ainda vivo mas sem reação de defesa - durante os ~8 dias subsequentes até a pupação (aproximadamente coincidindo com o tempo de efeito do veneno "zumbificante"), mas garante uma refeição fresca e segura ao longo desse período (Fig.10). A larva acaba matando a barata no processo. Uma vespa adulta então emerge de dentro do exoesqueleto vazio da barata um mês depois.


Figura 10. Desenvolvimento da larva de A. compressa: (A) Um único ovo (seta) é depositado sobre a barata. (B) O ovo é grudado no meio da coxa, local que não é alcançado pela barata. (C) A larva eclode em até 2-3 dias. (D) A larva abre um buraco na coxa da barata e se alimenta da hemolinfa, e cerca de 6 dias após o ovo ser depositado, a larva está pronta para penetrar no hospedeiro. (E) A larva consome os órgãos internos da barata, a qual morre nesse estágio. A pupa resultante preenche a maior parte do abdômen da barata. (F) Cerca de 4-5 semanas depois, uma vespa madura emerge do abdômen da barata. Gal et al., 2005

          O veneno dessa vespa é composto de vários peptídeos (~264 proteínas no "venoma"), incluindo dopamina, enzimas endógenas do cérebro hospedeiro e um grupo de toxinas conhecidas como ampulexinas, e é responsável por todos as mudanças metabólicas e comportamentais da barata hospedeira (Ref.19-20). O coquetel de toxinas e proteínas parece interferir com vários processos sinápticos no sistema nervoso central da barata, incluindo sinais de transdução associados com plasticidade sináptica, e também ativa receptores específicos de dopamina (Ref.21-22). Porém, é ainda motivo de debate o propósito - caso exista um (ex.: pode ser simples efeito colateral da intoxicação) - do comportamento frenético e sustentado de limpeza corporal inicialmente induzido pela ferroada na cabeça. Existem duas principais hipóteses:

- Hipótese da Localização da Presa: com os movimentos frenéticos e de longa duração da barata, a vespa consegue localizá-la mais facilmente após se afastar para cavar o buraco usado para esconder o hospedeiro "zumbificado" e a larva em desenvolvimento. Porém, um estudo experimental publicado em 2020 no periódico Ethology (Ref.23) falhou em encontrar evidência suportando essa hipótese.

- Hipótese da Esterilização: o comportamento de limpeza pode remover patógenos em excesso que poderiam ameaçar o ovo e a larva se desenvolvendo sobre a barata. Porém, um estudo experimental publicado em 2021 no periódico Biologia (Ref.24) não encontrou diferença no nível de bactérias no corpo de baratas pós-limpeza frenética em relação a um grupo de controle, e mostrou que a limpeza era mais efetiva em áreas onde a vespa comumente não deposita o ovo; por outro lado, o estudo foi bastante limitado em vários aspectos, já que analisou baratas mantidas em laboratório e não no ambiente natural, e não investigou prevalência de outros possíveis patógenos além de bactérias (ex.: fungos e ectoparasitas).

 

Figura 11. (A) Vespa A. compressa ferroando diretamente na cabeça da barata. (B) Micrografia do ferrão (st) é mostrada sobre a visão lateral esquemática da cabeça de uma barata desenhada em escala. O ferrão da vespa é longo o suficiente (~2,5 mm) para alcançar o cérebro (br), o qual está localizado a uma profundidade de 1 a 2 mm na capsula da cabeça (s: gânglio subesofágico). Barra de escala: 0,5 mm. Gal et al., 2005

           Outro mistério é o porquê da vespa metodicamente quebrar ambas as antenas da futura barata hospedeira e depois beber a hemolinfa expelida.

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   ARANHA "SOLIDÁRIA"

          Em mais um caso de manipulação cerebral envolvendo vespas, temos a aranha Plesiometa argyra e a vespa da espécie Hymenoepimecis argyraphaga. A vespa ferroa a aranha - causando paralisia temporária (10-15 minutos) - e gruda um ovo sobre o abdômen da aranha, esta a qual, depois do período de paralisia, volta às suas atividades normais e continua construindo teias normais para a captura de presas nos próximos 7-14 dias (Fig.12). Durante esse período de atividades normais, a larva eclode do ovo e começa a se alimentar da hemolinfa da aranha através de pequenos buracos feitos sobre a cutícula abdominal do aracnídeo. Até aí tudo bem, mas o segundo estágio larval da vespa, na noite que irá matar seu hospedeiro, induz a aranha a construir uma teia com uma arquitetura anômala e única, chamada de "teia de casulo" (Fig.13-14). Após a construção da teia casulo, o terceiro estágio larval mata e consome a aranha. Na noite seguinte, a larva produz um casulo pendurado por uma linha anexada à teia de casulo. A larva, então, entra em fase de pupa por cerca de 4 dias, e, então, emerge como uma vespa adulta após cerca de +7 dias.

 

Figura 12. Teia de um adulto não-parasitado da aranha Plesiometa argyra. Barra de escala: 3,0 cm. Kloss et al., 2000

Figura 13. Típica "teia de casulo" produzida por uma aranha P. argyra parasitada. (3) Visão dorsal; barra de escala: 3,0 cm. (4) Detalhe da estrutura de anexação da teia de casulo; barra de escala: 0,5 cm. (5) Visão lateral; barra de escala: 3,0 cm. Kloss et al., 2000 

Figura 14. Visão dorsal de uma teia de casulo anormalmente elaborada. Barra de escala: 2,5 cm. Kloss et al., 2000

          Aparentemente, a larva da vespa produz substâncias neuromoduladoras "orientando" a aranha a produzir uma arquitetura de teia que fornece suporte ideal para o casulo (Ref.25). É um exemplo muito sofisticado de manipulação comportamental frequentemente citado na literatura acadêmica mas, curiosamente, pouco explorado mais a fundo para o entendimento neural e molecular mais detalhado do processo. Relação muito similar de parasitismo também parece envolver outras espécies de aranhas e de vespas dos gêneros HymenoepimecisCryptachaea e Zatypota (Ref.26-27).

           Relevante apontar que um recente estudo Brasileiro (Ref.39), investigando as modificações comportamentais induzidas pela vespa parasitoide Zatypota alborhombarta (Ichneumonidae) na sua aranha hospedeira, Cryptachaea migrans (Theridiidae), não encontrou maior benefício de sobrevivência das larvas parasitas com as teias modificadas. Isso sugere que as vantagens desse controle comportamental podem variar dependendo dos táxons e pressões ambientais (ex.: predação) envolvidos na relação de parasitismo - talvez um traço ancestral herdado e filogeneticamente conservado via seleção neutra.

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   CARACOL "ZUMBI"

           Outro clássico e curioso exemplo de mudanças fenotípica e comportamental induzidas em um hospedeiro pelo seu parasita é a relação entre caracóis terrestres da família Succineidae - popularmente conhecidos como 'caracóis-de-âmbar' - e vermes trematódeos do gênero Leucochloridium, cujos hospedeiros definitivos são aves voadoras insetívoras. Os infortunados caracóis são os hospedeiros intermediários, onde formas larvais desses vermes se desenvolvem.

          Vermes adultos grávidos parasitando a cloaca ou a bursa de Fabricius (órgão linfoide periférico na parede posterodorsal da cloaca) de aves liberam ovos no ambiente durante a excreção do hospedeiro. Quando os caracóis ingerem as fezes dessas aves junto com os ovos embrionados dos vermes, larvas [miracídios] eclodem no intestino desses moluscos e formam esporocistos multitubulares que crescem a partir do hepatopâncreas. Multiplicação assexuada de cercárias [outra forma larval do verme] ocorre nos esporocistos e as cercárias continuam se desenvolvendo para metacercárias encistadas. Os esporocistos se exteriorizam através dos "tentáculos oculares" dos moluscos, como bolsas alongadas e pigmentadas. Quando totalmente desenvolvidos, os esporocistos passam a exibir uma atividade rítmica nos pedúnculos oculares - projeções cujas extremidades comportam os olhos do animal -, a uma taxa de 60-80 contrações por minuto (Ref.28) (Fig.14-15). Essas pulsações são causadas pela movimentação das metacercárias dentro dos esporocistos.

          É fortemente inferido que os esporocistos pulsáteis buscam imitar larvas de insetos em movimento, como lagartas, especialmente devido à notável e variante coloração da estrutura. Esse fenômeno é conhecido como mimetismo agressivo. Nesse sentido, aves insetívoras são atraídas e ingerem os tentáculos do caracol parasitado junto com os esporocistos cheios de larvas do verme platelminto, completando o ciclo de vida do verme.


Figura 14. Esporocistos de Leucochloridium pulsando nos pedúnculos/tentáculos de um caracol. Aves insetívoras prontamente atacam os tentáculos pulsantes em ambientes controlados, arrancando e engolindo os esporocistos. A atividade pulsatória é induzida por luz, cessando no escuro.


Figura 15. Um único esporocisto pulsando em um dos tentáculos de um caracol. As pulsações são causadas pela movimentação de formas larvais infectantes (metacercárias) na estrutura e o esporocisto compromete a visão do caracol.

 

Figura 16. Infecção de um mesmo caracol da espécie Succinea putris com múltiplas espécies de Leucochloridium. Cada espécie possui padrões distintos de coloração. Em (a) temos dois esporocistos de duas espécies nos tentáculos do caracol: L. paradoxum (1) e L. perturbatum (2). Em (b), esporocistos dessas duas espécies (1 e 2) extraídos do caracol. Em (c), esporocistos de três espécies isolados do caracol: L. paradoxum (1), L. perturbatum (2) e L. vogtianum (3). Ataev et al., 2016

    
Figura 17. Verme adulto da espécie Leucochloridium perturbatum. Podemos ver na imagem as ventosas bucal (os) e ventral (vs) - usadas para a fixação na região cloacal do hospedeiro definitivo -, os testículos (t) e o útero (u) - onde os ovos ficam armazenados. Sim, os adultos são hermafroditas. Barra de escala: 500 micrômetros (μm). Nakao et al., 2019

          Além do fantástico mimetismo exibido pelos esporocistos visando atrair aves, os parasitas também promovem mudanças comportamentais no caracol no sentido de aumentar a visibilidade do molusco a potenciais hospedeiros definitivos (Ref.29). Em comparação com indivíduos saudáveis, os caracóis parasitados exibem alta mobilidade e tendem a se posicionar em áreas mais expostas e melhor iluminadas, buscando em especial se situar em partes mais elevadas da vegetação.

          E contrário à crença popular, os esporocistos maduros não precisam ser ingeridos junto com os tentáculos do caracol hospedeiro para completar o ciclo de vida do verme. Esses esporocistos são capazes de romper a parede corporal dos caracóis, escapar do hospedeiro intermediário e continuar pulsando no ambiente por até 1 hora, onde pássaros podem tentar comê-los diretamente - e, de fato, algo observado em ambiente natural (Ref.30). Apesar da perda de um importante suporte nutricional e de um maior alcance móvel no ambiente, essa estratégia de escape do hospedeiro intermediário pode ser benéfica quando existe excesso de esporocistos infectando um mesmo caracol, ou talvez quando o molusco parasitado morre antes de ser ingerido por uma ave. Existe também a situação quando os tentáculos parasitados sofrem ruptura e o esporocisto é expulso (Ref.28). 


   JOANINHA "GUARDA-COSTAS"

          A vespa da espécie Dinocampus coccinellae se reproduz primariamente via partenogênese (!) - são raros os machos observados na natureza - e é notavelmente reconhecida por parasitar mais de 50 espécies de joaninhas (insetos coleópteros da família Coccinellidae) ao redor do mundo, incluindo aqui no Brasil. Assim como outras vespas da família Braconidae, a larva dessa vespa se alimenta do inseto hospedeiro até o desenvolvimento completo, emergindo como adulta pronta para depositar ovos infertilizados em outros hospedeiros. Além do anômalo e amplo espectro de hospedeiros, outro aspecto diferenciado da D. coccinellae é que essa vespa manipula o comportamento do hospedeiro no sentido de garantir a proteção da larva durante o estágio de pupa.

 

Figura 18. Vespa adulta da espécie Dinocampus coccinellaeDOI: 10.1007/s10530-019-02027-4

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(!) Leitura recomendadaPartenogênese: É possível nascimento virgem em humanos?

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            Após eclodir de um ovo depositado sobre uma joaninha alvo (em qualquer estágio de desenvolvimento), a larva da vespa entra dentro do corpo da vítima e começa a se alimentar do hospedeiro sem matá-lo ou causar significativo dano, através de estruturas especializadas chamadas de teratócitos. A D. coccinellae possui uma relação de simbiose com um vírus de RNA chamado DcPV (Vírus de Paralisia da D. coccinellae, na tradução da sigla em inglês). Quando a larva está dentro da joaninha, esse vírus infecta essa última e se replica nas células do gânglio cerebral, mudando o comportamento do hospedeiro e eventualmente paralisando-o - a joaninha exibe um comportamento estático, acompanhado por tremores (Ref.34). A larva então emerge do corpo parcialmente paralisado da joaninha e aproveita a semi-paralisia para construir um casulo entre suas pernas (Fig.19). A joaninha hospedeira passa a servir, nesse contexto, como um "guarda-costas" da larva em metamorfose dentro do casulo. Além da função de "escudo" - incluindo as cores de alerta da joaninha -, o hospedeiro "zumbi" reage violentamente contra potenciais predadores querendo se alimentar da pupa, movimentando energeticamente suas pernas - mas sem sair da sua posição de guarda.

 

Figura 19. Joaninha da espécie Priscibrumus uropygialis sendo parasitada pela vespa D. coccinellae. (A) A vespa deposita um único ovo na joaninha alvo. O vírus DcPV é armazenado no oviduto da vespa fêmea, é replicado na larva da vespa e, então, é transmitido para a joaninha hospedeira; ao invadir o sistema nervoso da joaninha, o vírus causa severa neuropatia e resposta imune antiviral, levando por sua vez aos sintomas de parcial paralisia pouco antes da larva emergir*. (B) No estágio pré-pupal, ~20 dias após a eclosão do ovo, a larva sai do corpo hospedeiro através dos segmentos abdominais da joaninha, sem matá-la. (C) A larva então produz um casulo e este é protegido pela joaninha "zumbificada". Após um período de ~1 semana, uma vespa adulta emerge do casulo. DOI: 10.14411/eje.2018.033


Figura 20. Vespa fêmea D. coccinellae depositando um ovo na joaninha Coccinella septempunctata. DOI: 10.1146/annurev-ento-120120-111607

Figura 21. (a) Larva de D. coccinellae emergindo da joaninha hospedeira Coleomegilla maculata. (b) Joaninha C. maculata "zumbi" guardando um casulo. No caso da C. maculata, a paralisia parcial ocorre imediatamente após a saída da larva e não antes. DOI: 10.1098/rsbl.2011.0415

           Casulos protegidos por uma joaninha "zumbi" sofrem significativamente menos predação do que casulos deixados sem qualquer proteção externa ou aqueles sob joaninhas mortas (Ref.35).

          Embora o vírus induzindo paralisia na joaninha possa ser eliminado pelo sistema imune quando a vespa adulta deixa o casulo, a maioria dos hospedeiros morrem, provavelmente de fome (Ref.36). Alguns, no entanto, conseguem sobreviver e reganham o comportamento reprodutivo e capacidade de alimentação ao se livrarem da infecção viral, apesar de degradação neuronal residual do ataque viral (Ref.37). Interessante também observar que o tamanho da vespa adulta parece depender do tamanho da joaninha hospedeira, provavelmente um mecanismo de plasticidade fenotípica visando otimizar o aproveitamento de recursos nutricionais (Ref.38).

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Lagarta "guarda-costas"

De forma similar ao parasitismo descrito para as joaninhas, a lagarta da espécie Manduca sexta é parasitada pela vespa Cotesia congregata (Fig.22) e é forçada a "proteger" as larvas e casulos parasitas através da ação de um vírus. A fêmea dessa vespa injeta seus ovos junto com veneno e um vírus simbiótico (bracovírus da Cotesia congregata, CcBV) no corpo da lagarta. O CcBV é um vírus domesticado que se tornou incorporado no genoma da vespa e é produzido nos ovários dessa última. O vírus age como um vetor genético, inserindo genes no genoma do hospedeiro. Durante o desenvolvimento das larvas de vespa que eclodem dos ovos, a lagarta hospedeira exibe locomoção e comportamento normais. No entanto, aproximadamente 1 dias antes da saída das larvas do hospedeiro (Fig.23A), locomoção e alimentação da lagarta são dramaticamente reduzidos e nunca mais voltam ao normal. Uma vez que as 50-80 larvas de vespa escavam saída para fora da lagarta, essas começam a produzir casulos de ceda que permanecem anexados à cutícula da lagarta. Durante o desenvolvimento das larvas dentro dos casulos (Fig.23B), a lagarta perde todos os comportamentos autogerados, retendo apenas comportamentos defensivos - que parecem ser cruciais para a sobrevivência dos parasitas. Após 4 a 5 dias, vespas adultas emergem dos casulos e abandonam a lagarta "zumbificada".

Figura 22. Um grupo de vespas adultas da espécie Cotesia congregata se alimentando de uma solução de mel sob uma folha de tomate. Atacam dezenas de espécies de lagartas da família Sphingidae e algumas da família Noctuidae, mas o principal hospedeiro é a lagarta-do-tabaco (Manduca sexta). 

Figura 23. Em (A), larvas de Cotesia congregata emergindo da lagarta-do-tabaco. Em (B), casulos de C. congregata sobre a lagarta hospedeira e protetora. Casulos com larvas de vespa sem um hospedeiro "guarda-costas" no ambiente natural possuem taxas muito menores de sobrevivência. Os comportamentos defensivos da lagarta hospedeira parecem repelir de forma efetiva ataques contra os casulos. Ao mesmo tempo, a lagarta é impedida também de comer os casulos, já que perde sua capacidade de alimentação (anorexia) e essencialmente morre de fome após algum tempo.

> As mudanças comportamentais observadas na lagarta M. sexta parecem ser um resposta à atividade imune sistêmica aumentada - alterando abundância de proteínas e a atividade neural no cérebro do inseto - e à expressão de genes do vírus CcBV. O vírus parece reduzir a transmissão sináptica no cérebro da lagarta, contribuindo de forma crucial para o modo "guarda-costa". O vírus, toxina injetada e hormônios liberados dos ovos agem em conjunto para alterar vários aspectos fisiológicos e comportamentais das lagartas hospedeiras no sentido de favorecer o desenvolvimento dos parasitas. Ref.41-42

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   MOSCAS DECAPITADORAS DE FORMIGAS

          Pequenas moscas parasitoides do gênero Pseudacteon são o terror de muitas formigas. Essas moscas parasitam vários gêneros de formigas, incluindo as infâmias formigas-lava-pés ou formigas-de-fogo (gênero Solenopsis). Durante ataques, as fêmeas dessas moscas sobrevoam formigas operárias em atividade de coleta (Fig.25) e, quando aberta a oportunidade, enfiam o ovopositor no tórax do potencial hospedeiro, depositando um ovo no corpo da formiga (Fig.26). Essas investidas são frequentemente muito rápidas, ocorrendo em menos de 1 segundo. Após a larva eclodir do ovo, ela se move até a cabeça da formiga e ali consome a maioria da hemolinfa até pouco antes de virar pupa. Quando a larva está pronta para a pupação, ela aparentemente libera uma substância enzimática que degrada as membranas que unem as partes do exoesqueleto da formiga hospedeira. A larva, então, devora todo o conteúdo da cabeça da formiga, incluindo o cérebro, etapa quando tipicamente a cabeça cai junto com a larva (Fig.27). Através de uma série de extensões corporais repetitivas, a larva também força a expulsão das peças bucais da formiga, mas que nem sempre ficam completamente desacopladas.

Figura 24. Em (A), mosca fêmea da espécie Pseudacteon curvatus. Em (B), detalhe do ovopositor da fêmea na forma de gancho.

Figura 25. Mosca fêmea da espécie Pseudacteon curvatus sobrevoando e tentando parasitar uma formiga da espécie Solenopsis invicta, no Texas, EUA. Na presença dessas moscas, formigas-de-fogo exibem várias respostas defensivas, incluindo fuga para o ninho, atividade de forrageio reduzida e posturas corporais que dificultam a deposição de ovos. Aliás, a aproximação de poucas moscas são suficientes para parar a atividade de forrageio de uma colônia inteira dentro de poucos minutos. As formigas também podem se agrupar para atacar as moscas. Nesse contexto, taxas de sucesso nas tentativas de ovoposição variam de 8 a 35%. Ref.43

Figura 26. Moscas Pseudacteon curvatus atacando operárias Solenopsis invicta. Em (A), uma mosca depositando ovos dentro do tórax da formiga. Em (B), formiga operária S. invicta após ser atacada por uma mosca. Após ser atacada, a formiga tipicamente fica erguida sob as pernas e imóvel por até um minuto. A larva que eclode do ovo depositado vai migrar para a cabeça quando estiver próxima de alcançar o segundo estágio larval de desenvolvimento. Ref.44

Figura 27. Uma formiga que foi decapitada como resultado de parasitismo por Pseudacteon sp. Essa decapitação ocorre durante o terceiro estágio de desenvolvimento da larva. Nesse estágio, o cérebro e todos os outros tecidos na cabeça da formiga são devorados, um processo que dura 6-12 horas.

            As larvas em desenvolvimento na cabeça da formiga induzem mudanças comportamentais no hospedeiro consistentes com manipulação para aumentar a chance de sobrevivência do parasita. As formigas operárias parasitadas retornam ao ninho e permanecem um longo tempo no interior da colônia, seguras de predadores e outros perigos externos até a larva alcançar o terceiro estágio de desenvolvimento larval. Porém, 8-10 horas antes do evento de decapitação e sob um típico "comportamento zumbi", as formigas parasitadas deixam o ninho para que a larva parasitoide possa se transformar em pupa fora do ninho, ou seja, em um lugar potencialmente mais seguro - tipicamente sob pilhas de gramíneas - onde não serão atacadas e devoradas pelas formigas saudáveis e agressivas na colônia (Ref.45). 

          Quando saem do ninho com a larva de mosca na cabeça, as formigas parasitadas ainda possuem o cérebro e se mostram muito ativas e móveis mas pouco defensivas; aparentemente, o parasitoide deixa o cérebro do hospedeiro intacto para deixá-lo ainda capaz de buscar um lugar seguro e com condições microclimáticas favoráveis fora do ninho. Após algumas horas de busca e estabelecimento em um local adequado, a formiga "zumbi" colapsa e permanece quieta até a decapitação ocorrer. Essa complexa manipulação do hospedeiro está associada com significativas mudanças em vários genes ligados às funções imunes, musculares, de forrageio e de desenvolvimento das formigas parasitadas (Ref.44).

           Durante a pupação na cabeça decapitada, os primeiros três segmentos do corpo da larva se tornam esclerotizados e se fundem em uma placa. A placa preenche a cavidade oral onde as peças bucais da formiga hospedeira estavam previamente acopladas. Dentro de alguns dias, duas estruturas respiratórias se estendem nas laterais da pupa e para fora da cabeça parasitada (Fig.28). A mosca adulta vai emergir da cabeça da formiga 2-6 semanas após a pupação (Fig.29). O tempo total de desenvolvimento é de 4-12 semanas, dependendo da temperatura e outros fatores ambientais, e o tempo que o adulto tem até a morte é de apenas 3-5 dias.

Figura 28. Duas pupas de Pseudacteon sp. (visões dorsal e ventral) próximas de uma pupa ainda dentro da cabeça de uma formiga hospedeira. Os "chifres" respiratórios podem ser observados protuberando das laterais das pupas.


Figura 29. Uma mosca adulta macho da espécie Pseudacteon litoralis emergindo da cabeça de uma formiga hospedeira. Em ambiente natural, adultos vivem apenas alguns poucos dias, gastos para acasalamento e deposição de ovos. Ref.56


Figura 30. Ilustração do desenvolvimento geral de espécies do gênero Pseudacteon. As larvas e o ovo não estão em escala real. (A) O desenvolvimento embrionário dura ~5 dias. (B) O primeiro estágio larval dura em torno de 1-2,2 dias, quando então sofre metamorfose para o segundo estágio e se move para a cabeça da formiga - orientando-se no sentido da abertura bucal do hospedeiro (C-D). O segundo estágio larval dura ao redor de 2,2-2,3 dias. (E) No terceiro estágio larval, decapitação ocorre. (F) Estágio pré-pupa. (G) Estágio de pupa. Dependendo de fatores ambientais (temperatura, umidade, etc.), o desenvolvimento pupal dura 2-6 semanas. (H) Mosca adulta emergindo da cabeça da formiga. (I) A mosca adulta voa para acasalar e recomeçar o ciclo. Ref.44

           


> Moscas do gênero Pseudacteon (família Phoridae) têm sido inclusive usadas como controle biológico de formigas-de-fogo invasivas da espécie Solenopsis invicta desde 1997, nos EUA. A S. incicta e a S. richteri foram acidentalmente introduzidas nos EUA a partir do Brasil na primeira metade do século XX. A primeira mosca usada para controlar as formigas invasoras foi a espécie Pseudacteon tricuspis. O controle é feito em maior parte de forma indireta, reduzindo a atividade de forrageio das formigas operárias em meio à presença das moscas. Ref.46

> As moscas do gênero Pseudacteon usam em especial pistas químicas e visuais para identificar potenciais formigas hospedeiras. As espécies de porte corporal pequeno, médio e grande preferem formigas operárias que são menores, iguais ou maiores do que a média da colônia, respectivamente (Ref.46). Aliás, a segunda menor espécie de mosca conhecida é um forídeo da espécie Euryplatea nanaknihali, outro parasitoide de formigas (Fig.31). A menor mosca atualmente conhecida é também um forídeo da espécie Megaselia scalaris, especificamente as fêmeas adultas (Fig.32).

 

Figura 31. Em (A), mosca adulta da espécie Euryplatea nanaknihali, com um comprimento corporal de apenas 0,4 milímetros (mm) e cada asa com 0,23 mm de comprimento. Em (B), reconstrução [desenho] da E. nnaknihali adulta, com o tamanho corporal comparado com uma típica mosca doméstica (Musca domestica L.) e observada na visão dorsal. É encontrada na Tailândia e provavelmente parasita formigas operárias muito pequenas do gênero CrematogasterRef.47

Figura 32. Visão dorsal (A) de uma fêmea adulta da espécie Megapropodiphora arnoldi, como 0,395 mm de comprimento. Visão dorsal (B) e (C) ventral da reconstrução [desenho] de uma fêmea adulta. A espécie é encontrada na Amazônia brasileira e exibe características de um estilo de vida parasitoide. O macho possui um porte corporal bem maior. O nome dessa espécie foi dado em homenagem ao ator, fisiculturista e político norte-americano Arnold Schwarzenegger, devido aos membros dianteiros extremamente hipertrofiados em relação aos dois outros pares de pernas dessas moscas, como observado em (C). Esses membros hipertrofiados possivelmente servem para agarrar com firmeza potenciais hospedeiros. Ref.48-49

> Um interessante mecanismo de determinação sexual em várias espécies do gênero Pseudacteon é baseado no tamanho da cabeça da formiga hospedeira onde a pupa se desenvolve: cabeças maiores resultam em moscas fêmeas e cabeças menores em moscas machos. Ref.50

> A maioria das formigas Solenopsis sp. (Formicidae, Myrmicinae) são nativas da América do Sul. Essas formigas são peçonhentas e muito agressivas, mordendo com as mandíbulas e injetando toxinas através de ferroadas que causam ardência e muita dor na pele de vertebrados. Alcaloides piperidinas insolúveis são os componentes majoritários do veneno injetado (>90%) e responsáveis pela queimação e formação de pústulas no local da ferroada. Uma pequena quantidade de proteínas solúveis no veneno pode causar reações alérgicas de intensidade variada. Onívoras e oportunistas, normalmente atacam em grande número. Aqui no Brasil, um representante comum é a espécie Solenopsis saevissima e é um dos insetos que mais causam acidentes no país. Ref.51-52


   OUTROS EXEMPLOS NOTÁVEIS

  •  Hospedeiros parasitados por estranhos insetos da ordem Strepsiptera passam por várias mudanças, incluindo perda de fecundidade e manifestação de comportamentos anômalos. Por exemplo, a espécie Halictoxenos borealis parasita a abelha da espécie Lasioglossum apristum; enquanto as abelhas sem parasitas coletam pólen normalmente das flores, aquelas parasitadas não coletam ou comem pólen e, ao invés disso, exibem um peculiar comportamento que parece ajudar a dispersar as larvas dos parasitas nas flores (a espera de transporte): a abelha fica contorcendo seu abdômen, pressionando-o contra as flores! Para mais informações sobre esses parasitas, acesse: Qual é o parasita que cresce dentro do abdômen de abelhas e de vespas?
  • O protozoário Toxoplasma gondii provoca mudanças comportamentais em ratos e camundongos, aparentemente no sentido de reduzir o medo e a aversão desses roedores em relação a um dos seus principais predadores naturais, gatos. Essas mudanças comportamentais facilitam a predação e aumentam a chance do protozoário parasita de infectar seu hospedeiro definitivo (felinos). Existem também evidências limitadas de mudanças comportamentais em humanos infectados pelo T. gondii - estima-se que, a nível global, quase 1 a cada 3 pessoas são infectados por esse protozoário. Para mais informações, acesse: O que é Toxoplasmose Congênita?


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