Essas imagens de fetos com "cara de demônio" são reais?
Nos últimos anos, as imagens da Fig.1 têm viralizado nas redes sociais, alegando representar fetos de bebês registrados com a técnica de MRI. Apesar da aparente natureza "sobrenatural", essas imagens são reais e são uma importante ferramenta de diagnósticos em fetos. Mais especificamente, essas imagens de MRI fetal foram publicadas no site da Universidade de Harvard, EUA.
A imagem por ressonância magnética (MRI, na sigla em inglês) é uma ferramenta não-invasiva de escaneamento que produz imagens detalhadas de quase qualquer estrutura interna do corpo humano, incluindo os órgãos, ossos, músculos e vasos sanguíneos. Os equipamentos de MRI são grandes máquinas cilíndricas com um interior oco (Fig.2), as quais geram fortes campos magnéticos ao redor do paciente e enviam pulsos de ondas de rádio (radiação eletromagnética responsável por transmitir também sinais de rádio, televisão, internet, etc.) a partir de um scanner. Diferente de técnicas como o raio-X, radiação ionizante não está envolvida durante o procedimento.
Fig.2. Grávida sendo submetida ao exame de MRI. Foto: Children's Hospital Colorado/EUA |
O forte campo magnético gerado na máquina de MRI faz os prótons nos núcleos atômicos do corpo se alinharem com esse campo. Ondas de rádio [pulsos de radiofrequência] são então enviados, excitam os prótons e tiram essas partículas do equilíbrio. À medida que as ondas de rádio são desligadas, os prótons retornam para a "posição original" (voltam a ficar alinhados com o campo magnético) e enviam sinais de rádio de volta (associados com a energia absorvida para levar os prótons a um estado mais excitado). Esses sinais são recebidos pelos sensores do MRI e, subsequentemente, por um computador e convertidos em uma imagem tridimensional da parte do corpo sendo examinada, a qual é então exibida em um monitor. O tempo levado para os prótons realinharem com o campo magnético, assim como a quantidade de energia liberada, muda dependendo do ambiente e da natureza química das moléculas (!).
-----------
(!) Agentes de contraste (frequentemente contendo o elemento gadolínio) podem ser dados ao paciente pela via intravenosa antes ou durante o MRI para aumentar a velocidade na qual os prótons se realinham com o campo magnético. Quanto mais rápido os prótons são realinhados, mais clara/luminosa é a imagem.
------------
O MRI é especialmente útil quando órgãos ou tecido mole estão sendo estudados, diferenciando melhor entre tipos de tecidos moles e entre tecidos moles normais e anormais. Existem tecnologias baseadas no MRI para diagnósticos mais avançados e especializados, como a angiografia de ressonância magnética (MRA) e imagem funcional de ressonância magnética (fMRI).
Apesar do ultrassom ainda permanecer como principal e mais comum ferramenta radiológica para análises fetais durante a gravidez (1), especialmente devido à sua alta disponibilidade nos hospitais, relativo baixo custo e comprovada segurança, a técnica de MRI permite um detalhamento bem maior dos tecidos fetais. De fato, durante a gravidez, um exame de ultrassom de alta resolução é geralmente seguido por um MRI - quando disponível - para clarificar os resultados. A qualidade do MRI não é afetada por fatores como camada de gordura materna, posição fetal, sobreposição de estruturas ósseas e oligodrâmnio (volume deficiente de líquido amniótico). O tempo ótimo para realizar um exame fetal de MRI depende de qual patologia levantou suspeita no ultrassom. Órgãos fetais de até 18 semanas são subdesenvolvidos, movimentos fetais são aumentados (2), e algumas patologias podem não ter se desenvolvido ainda. De qualquer forma, o exame é tipicamente feito a partir da 20° semana de gestação, quando os órgãos fetais estão já com suficiente tamanho para serem visualizados.
Fig.3. (A-B) Imagem sagital (A) e coronal (B) de MRI de um feto, revelando que o pulmão direito estava comprimido por uma hérnia diafragmática da grávida de 27 anos. Ref.2 |
Fig.4. MRI fetal em um feto de 22 semanas com anoftalmia esquerda. Imagens axial (a) e coronal (b) mostrando ausência do globo ocular esquerdo (setas). Ref.3 |
Fig.5. MRI fetal revelando um quadro de lábio leporino, onde podemos ver uma quebra na faixa palatal no lado do septo nasal. Ref.4 |
Leitura recomendada:
- (1) A Tabela Chinesa de Gravidez é realmente eficaz para prever o sexo do bebê?
- (2) Por que os bebês dão 'chutes' durante a gravidez?
Em particular, análise por MRI têm sido cada vez mais usada para avaliar potenciais anomalias no sistema nervoso central de fetos. Grandes estudos clínicos têm mostrado que o MRI fetal possui uma acuracidade de diagnóstico de 93% enquanto ultrassom possui um valor de 68%, e estudos mais recentes apontam acuracidade de até 95-98%, além informações extras que acabam sendo perdidas no ultrassom (Ref.2, 6).
Sobre o aspecto "demoníaco" ou de "Halloween" associado ao MRI facial, isso se deve ao tipo de análise realizada (ex.: foco em tecidos específicos, como o cérebro e o globo ocular) e as diferenças estruturais e moleculares entre os tecidos analisados.
MRI PODE SER PREJUDICIAL AO FETO?
Até o momento, não existe prova que o MRI é prejudicial ao feto, no entanto, pesquisas são ainda insuficientes para conclusões de longo prazo. Como precaução, recomenda-se frequentemente que o MRI seja realizado após 18 semanas de gravidez devido a potenciais efeitos biológicos não conhecidos resultantes da exposição a fortes campos magnéticos durante o período de organogênese (Ref.2). A resposta celular ao MRI envolve indução de campos elétricos locais e o aquecimento de tecidos causado pela radiação de radiofrequência, e aquecimento pode ter consequências destrutivas no período de crítico desenvolvimento dos órgãos - apesar do aquecimento extra induzido pelo MRI ser ínfimo. Também por precaução, médicos evitam a administração de gadolínio (presente em contrastes) em grávidas. No geral, até um campo de 3 Teslas (T), o MRI e técnicas derivadas são procedimentos considerados seguros (Ref.7).
REFERÊNCIAS
- https://www.nibib.nih.gov/science-education/science-topics/magnetic-resonance-imaging-mri
- Arroyo et al. (2019). Fetal brain MRI findings and neonatal outcome of common diagnosis at a tertiary care center. Journal of Perinatology 39, 1072–1077. https://doi.org/10.1038/s41372-019-0407-9
- https://radiologykey.com/magnetic-resonance-imaging-mri-in-the-evaluation-of-the-fetal-face/
- Descamps et al. (2010). "MRI for Definitive In Utero Diagnosis of Cleft Palate: A Useful Adjunct to Antenatal Care?" The Cleft palate-craniofacial journal : official publication of the American Cleft, Vol. 47. Palate-Craniofacial Association. https://doi.org/10.1597/09-070
- Nagarajan et al. (2018). MR Imaging of the Fetal Face: Comprehensive Review. RadioGraphics, 38(3), 962–980. https://doi.org/10.1148/rg.2018170142
- Yazdi et al. (2022). Fetal brain imaging: A comparison between fetal ultrasonography and intra uterine magnetic resonance imaging (a systematic review and meta-analysis). Journal of Clinical Ultrasound, Volume 50, Issue 4, Pages 491-499. https://doi.org/10.1002/jcu.23158
- Colleran et al. (2022). Fetal magnetic resonance imaging at 3 Tesla — the European experience. Pediatric Radiology 52, 959–970. https://doi.org/10.1007/s00247-021-05267-6