Por que o corpo fica duro após a morte?
- Atualizado no dia 3 de agosto de 2024 -
A morte pode ser definida como a cessação total e permanente das funções vitais, a partir da qual decomposição se inicia. A morte humana e de outros animais não é considerada um momento, mas sim um processo que se estabelece no decorrer do tempo, dando lugar ao aparecimento de um conjunto de fenômenos chamado de "post mortem" (pós-morte).
No campo da Ciência Forense, os fenômenos post mortem são divididos em dois grandes grupos, sendo eles os abióticos e os transformativos. Os abióticos são subdivididos em outros dois grupos: imediatos e consecutivos. Os fenômenos abióticos imediatos são: perda da consciência, imobilidade, relaxamento muscular, parada cardíaca, ausência de pulso, parada respiratória, insensibilidade (tátil, térmica e dolorosa), relaxamento dos esfíncteres (perda de fezes, urina e esperma), fáceis hipocráticas e outros. Já os fenômenos abióticos consecutivos ou tardios englobam: resfriamento ou arrefecimento do corpo (algor mortis), rigidez cadavérica (rigor mortis), presença de livores e manchas de hipóstases (livor mortis) e flacidez cadavérica.
Os fenômenos transformativos são de igual modo subdivididos em dois grupos designados de destrutivos e conservadores. Os fenômenos destrutivos se caracterizam pela presença de autólise (acidificação dos tecidos), putrefação e maceração, ao passo que, os fenômenos conservadores são: mumificação, saponificação (formação da adipocere), calcificação e corificação.
Entre os fenômenos citados, o rigor mortis é o responsável pelo aspecto duro ou rígido do corpo observado após a morte.
RIGOR MORTIS
O rigor mortis é um fenômeno físico-químico que ocorre devido aos níveis de adenosina trifosfato (ATP) produzidos durante o período de vida do organismo. Nos músculos esqueléticos, o ATP permite que as fibras de miosina e de actina se movam (deslizem) próximas umas das outras. Logo após a morte, ocorre uma ligeira depleção precedida pela flacidez cadavérica que utiliza esse estoque de ATP para manter os músculos flácidos. Logo após o momento que essa fonte de energia acaba, ocorre então a rigidez cadavérica, não desfazendo as pontes cruzadas dos filamentos de actina e miosina no processo do relaxamento muscular. O músculo permanecerá então rígido (!) até que essas proteínas sejam desintegradas, o que ocorre devido a autólise pelas enzimas liberadas dos lisossomos no processo de decomposição do corpo. Todos esses eventos ocorrerão mais rapidamente em temperaturas mais elevadas.
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(!) Importante realçar que o corpo no rigor mortis não fica com a musculatura "contraída", e, sim, com a musculatura rígida. A musculatura pode ficar rígida em uma posição tanto de relaxamento quanto de contração muscular.
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Segundo a lei de Nysten-Sommer, se o cadáver humano estiver em posição supina, a rigidez terá início na face, seguida da nuca, tórax, membros superiores, abdômen e membros inferiores, ou seja, apresenta sentido céfalo-caudal, iniciando em grupos musculares menores e, na sequência, grupos de músculos maiores. Até mesmo os músculos que controlam os fios de cabelo experienciam rigor mortis, e nesse sentido, alguns corpos podem ter uma aparência "arrepiada" (cutis anserinus) (1). O desaparecimento da rigidez cadavérica ocorrerá, também, no mesmo sentido crânio-podálico. A regra de Niderkorn considera precoce a rigidez que ocorre até a terceira hora, normal entre três e seis horas e tardia entre a sexta e nona hora. Denomina-se muito tardia quando ocorre após a nona hora.
(1) Leitura recomendada: Por que ficamos arrepiados?
Geralmente o rigor mortis tem início de 2 a 3 horas após o óbito e se generaliza (pico máximo de manifestação) em 6 a 12 horas. No entanto pode haver uma rigidez precoce no caso de mortes violentas com sinais de luta e de asfixia mecânica, podendo acelerar o curso dessa rigidez cadavérica. Em mortes violentas, as depleções dos níveis de ATP são muito rápidas, forçando o organismo a realizar intensa respiração anaeróbia o que produz ácido lático e faz com que o pH se acidifique, promovendo as ligações da actina e miosina de modo irreversível e provocando uma aceleração no curso natural da rigidez cadavérica.
O rigor mortis conclui tipicamente dentro de 18 a 36 horas, começando a decair entre as 24 até 50 horas seguintes. A rigidez cadavérica também pode ser desfeita manualmente, massageando as articulações e musculaturas, promovendo a quebra das pontes cruzadas de maneira manuseável. A emergência, pico e dissipação do rigor mortis são dependentes da temperatura ambiente; ambientes muito frios podem atrasar de forma dramática a dissipação da rigidez cadavérica. Somando-se a isso, vários fatores afetando negativamente os estoques de ATP do corpo previamente à morte podem acelerar o rigor mortis, como febre alta e intoxicação com estimulantes.
FALSO RIGOR MORTIS
Certas condições podem simular o rigor mortis, nomeadamente (Ref.4): rigidez quente, rigidez fria, rigidez gasosa e espasmo cadavérico. Rigidez quente é uma condição observada em indivíduos expostos a altas temperaturas, eletrocução de alta tensão ou queimadura devido a líquidos ferventes, sendo caracterizada pela rigidez do corpo devido à coagulação e desnaturação de proteínas em tecidos. Rigidez fria ocorre em indivíduos encontrados em temperaturas abaixo de 0°C e resulta do congelamento de fluidos biológicos e gordura subcutânea, o que leva ao enrijecimento do corpo. Rigidez gasosa é caracterizada pelo enrijecimento devido ao acúmulo de gases de putrefação ao longo de corpo.
O espasmo cadavérico é uma condição na qual um grupo muscular contraído que foi usado profusamente logo antes da morte se torna duro e rígido imediatamente após a morte, e com a rigidez dissipando após 18-36 horas pós-morte. Esse "rigor instantâneo" pode ocorrer durante uma morte violenta ou traumática sob condições físicas extremas e emoção intensa, como em ataques envolvendo uma briga antes da morte, em suicídios, em casos de afogamento, etc. Tipicamente a rigidez afeta as mãos, e, muito raramente, pode afetar múltiplas partes corporais. Em tal cenário, a mão da vítima se apresenta fechada e rígida, segurando/agarrando na roupa, cabelo, arma usada para o cometimento de suicídio, entre outros objetos envolvidos ou presentes no evento de morte. Enquanto o rigor mortis fornece informação sobre o tempo desde a morte, o espasmo cadavérico pode fornecer informações sobre a maneira da morte durante análises forenses. O mecanismo do espasmo cadavérico não é totalmente entendido; pode ser causado por ativação dos nervos motores, onde, por alguma razão, relaxamento normal falha.
REFERÊNCIAS
- Teixeira HRX (2021). Rigor Mortis: Fisiologia. Perspectivas, Vol.6, e210609. https://dx.doi.org/10.47005/210609
- Prahlow, J. (2009). Postmortem Changes and Time of Death. Forensic Pathology for Police, Death Investigators, Attorneys, and Forensic Scientists, 163–184. https://doi.org/10.1007/978-1-59745-404-9_8
- Ferreira, Mariana (2022). "Why rigor mortis and not just mortis?" RevSALUS. http://dx.doi.org/10.1590/S0103-84782004000400040
- https://www.ncbi.nlm.nih.gov/books/NBK539741/
- Saleem & El-Merghani (2024). Paleoradiological and scientific investigations of the screaming woman mummy from the area beneath Senmut’s (1479–1458 BC) Theban tomb (TT71). Frontiers in Medicine, Volume 11. https://doi.org/10.3389/fmed.2024.1406225