Artigos Recentes

Edison e Dalí estavam certos: Acordar logo após cochilar anaboliza a criatividade

             É bem popular a história: quando Thomas Edison sofria um bloqueio criativo associado às suas invenções - ou talvez na ausência de um "Nikolas Tesla" ao seu lado (!) -, o famoso inventor tirava um cochilo em uma cadeira de braço enquanto segurava uma bola de aço; à medida que começava a cair no sono e seus músculos relaxavam, a bola caía no chão, acordando-o com a solução para seus problemas. Agora, um estudo publicado na Science Advances (Ref.1) trouxe sólida evidência dando suporte a essa técnica de "Eureka!", mas não exatamente como a história narra. Parece existir uma 'janela de oportunidade' entre o estado de despertar e o estado de sono que aumenta de forma robusta a criatividade.

(!) Leitura recomendada: Nikola Tesla, o Gênio dos Raios

            Em particular, os pesquisadores no novo estudo demonstraram que gastar pelo menos 15 segundos em uma fase específica de sono (estágio N1) - mas acordando antes de cair em sono profundo - triplica a chance do indivíduo descobrir uma regra matemática escondida, cuja aplicação resolve prontamente um dado problema matemático.

- Continua após o anúncio -


   SONO N1 E CRIATIVIDADE

          Alguns poucos estudos empíricos têm mostrado que dormir ajuda a extrair regularidades estatísticas, resolver problemas, ou reorganizar memórias de um modo que promove criatividade. Apesar do papel do sono na criatividade associada à resolução de problemas ser frequentemente citado na literatura acadêmica, evidência de suporte é contraditoriamente escassa quando comparado a outras funções cognitivas (ex.: consolidação da memória). A maioria dos estudos publicados têm focado no papel do sono de movimento rápido dos olhos (REM) e do sono de ondas-lentas nesse tipo de criatividade. Contrário a outras estágios do sono, o primeiro estágio de sono não-REM (N1) tem recebido pouca atenção, e seu papel cognitivo é amplamente desconhecido. 

           O estágio N1 é um período transicional de sono, onde o indivíduo não está acordado mas também não está profundamente adormecido. Esse estágio pode ser tão curto quanto 1 minuto e ocorrer logo após o início de um cochilo. No estágio N1, nossos músculos relaxam, e nós temos visões ou pensamentos similares àqueles de um sonho, fenômeno chamado de hipnagogia e geralmente relacionado a experiências recentes. Essa fase passa despercebida na maioria das vezes exceto se interrompida antes do indivíduo cair em sono profundo. 

             Dois notáveis exemplos da exploração do estágio N1 para fins de promoção criativa são o empresário e inventor Norte-Americano Thomas Edison (1847-1931) e o grande pintor Salvador Dalí (1904-1989). Dalí capturava imagens hipnagógicas para suas pinturas ao relaxar sobre uma cadeira ou sofá enquanto segurava uma pesada chave, pendurada no sentido do chão; quando Dali cochilava, sua mão soltava a chave e esta caía em cima de um prato, com o barulho resultante o acordando pronto para registrar novas e interessantes imagens formadas no estágio N1. Edison usava uma técnica similar, sentando-se em uma cadeira mas, ao invés de uma chave, segurava uma bola de aço: ao acordar da fase transicional de sono, com a sua criatividade "anabolizada", problemas relativos aos seus projetos eram, alegadamente, facilmente solucionados.

            É sugerido que cognição criativa depende da interação dinâmica entre redes cerebrais envolvidas no pensamento espontâneo e controle cognitivo, os quais respectivamente suportam geração e avaliação criativa de ideias. Estudos de neuroimagem do período inicial de sono têm mostrado que o estágio N1 precisamente engaja essas redes associadas à criatividade. Além disso, o estágio N1 é acompanhado por experiências involuntárias, espontâneas e sonho-similares que incorporam experiências despertadas recentes de um modo criativo ao ligá-las com memórias soltas. Tais experiências hipnagógicas seriam equivalentes a pensamentos espontâneos durante o período despertado, alimentando novas ideias. 

           Além de reportes históricos e anedóticos ligados à exploração do estágio N1 para a criatividade, existe evidência de um potencial criativo aumentado em pacientes com narcolepsia, uma população com frequentes transições entre sono e despertar ao longo do dia. Em narcolépticos, alucinações hipnagógicas parecem ser um modulador crucial de criatividade.

- Continua após o anúncio -


   NOVO ESTUDO

          Para testar a hipótese do estágio N1 como estimulador de criatividade, pesquisadores recrutaram 103 participantes que tinham facilidade para dormir. Cada participante recrutado recebeu um teste de matemática que requeria a conversão de sequências de oito dígitos em novas sequências de sete dígitos o mais rápido possível e via uso de regras específicas gradativas, como "repita o número se os dígitos prévio e próximo são idênticos". Porém, não foi informado aos participantes que havia um modo mais fácil de resolver o problema ao seguir uma regra escondida: o segundo número na sequência final era sempre o mesmo que o último número na mesma sequência.

          Aqueles participantes que não encontraram o truque (regra escondida) após 30 tentativas (87 dos 103) ganharam um descanso de 20 minutos sobre uma cadeira dentro de uma sala escura e com seus olhos fechados. Cada participante nesse cenário segurava uma garrafa de plástico na mão direita enquanto os pesquisadores registravam a atividade cerebral com capacetes eletroencefalográficos, os quais medem ondas elétricas produzidas por células neurais. Por fim, os participantes que caíam em sono no intervalo de descanso eram requeridos de reportarem o que estavam visualizando previamente à queda da garrafa (momento de despertar). 

           Vários que cochilaram e foram despertados pela garrafa em queda reportaram distintas e diversas experiências (visuais e auditivas): números de dança e formas geométricas, o Coliseu de Roma, uma sala de hospital com um cavalo, sons numéricos, plantação de trigo, rua de uma cidade iluminada à noite, entre outros. No total, 49 participantes permaneceram acordados durante todo o período de descanso; 24 cochilaram e passaram pelo menos 30 segundos no estágio N1, mas sem qualquer sinal de sono profundo; e 14 participantes alcançaram o estágio N2, gastando pelo menos 30 segundos em uma fase mais profunda de sono após atravessarem o estágio N1 ou entraram diretamente no estágio N2. A maioria daqueles no grupo N1 passaram em torno de 1 minuto no estágio N1 de sono antes de serem despertados.



           Entre aqueles que cochilaram, os pesquisadores não encontraram qualquer conexão entre o conteúdo das visões e experiências reportadas e a performance no problema matemático. Porém, ao olhar a atividade cerebral dos participantes, eles encontraram que aqueles que cochilaram e foram interrompidos durante a primeira fase de sono (N1) mostraram-se quase três vezes melhores (2,7x) na resolução do problema matemático do que aqueles que permaneceram acordados. Vinte dos 24 no grupo N1 (~83%) descobriram o truque lógico, comparado com apenas 15 dos 49 (~31%) que permaneceram acordados. O efeito criativo ocorreu mesmo para os participantes que gastaram apenas 15 segundos no estágio N1, mas para aqueles que alcançaram estágios mais profundos de sono (N2) o efeito não foi observado. 

          Os pesquisadores concluíram que existe uma janela de oportunidade no estágio transicional de sono onde se o indivíduo é despertado a capacidade criativa é significativamente aumentada para a resolução de problemas matemáticos.

           Mas ao contrário do que é historicamente alegado sobre as façanhas de Thomas Edison, o momento "Eureka!" para os participantes no grupo N1 não ocorreu imediatamente após o cochilo interrompido. Analisando as performances dos participantes através de um algoritmo, os pesquisadores encontraram que a epifania lógica ocorreu após uma média de 94 tentativas. Isso suporta evidências científicas prévias, mas o mecanismo responsável por esse atraso (cerca de 30 minutos após o despertar) permanece pouco esclarecido.  

          Além disso, ficou incerto no estudo se as experiências hipnagógicas em específico tiveram qualquer impacto positivo na criatividade. Pode ser que visões da tarefa matemática ocorreram durante o estágio N1 de sono mas os participantes não eram capazes de reportá-las, apenas as experiências mais abstratas. É também necessário explorar em estudos futuros se existem diferenças individuais que tornam a pessoa mais suscetível às vantagens proporcionadas pelos processos neurais no estágio N1.

- Continua após o anúncio -


   CONCLUSÃO

          Os resultados do novo estudo, somados a evidências científicas prévias e relatos históricos, suportam a ideia de que o estágio N1 de sono - uma zona entre o despertar e o sono profundo - é um estado híbrido "semi-lúcido" onde indivíduos começam a se desacoplar do ambiente ao redor e, portanto, livremente testemunham suas mentes vagarem enquanto ainda mantêm a habilidade lógica de identificar "faíscas" de criatividade. Estratégias simples para acordar o indivíduo durante o estágio N1 parecem ser eficientes para aumentar de forma significativa e a curto prazo a capacidade criativa. Nesse sentido, se você está tendo dificuldade para solucionar algum problema, é válido testar o truque usado por Edison e Dalí. 


REFERÊNCIAS CIENTÍFICAS

  1. Lacaux et al. (2021). Sleep onset is a creative sweet spot. Science Advances, Volume 7, Issue 50. https://doi.org/10.1126/sciadv.abj5866
  2. Epstein et al. (2013). How is Creativity Best Managed? Some Empirical and Theoretical Guidelines. Creativity and Innovation Management, 22(4), 359–374.
  3. Horowitz et al. (2020). Dormio: A targeted dream incubation device. Consciousness and Cognition, 83, 102938.
  4. https://www.science.org/content/article/edison-was-right-waking-right-after-drifting-sleep-can-boost-creativity