Quais são as condições médicas de risco para uma COVID-19 mais severa?
- Atualizado no dia 12 de julho de 2021 -
O surto pandêmico da COVID-19 - doença causada pelo novo coronavírus (SARS-CoV-2) - se tornou rapidamente uma grave emergência de saúde pública a nível internacional, afetando seriamente vários países. Até o momento, são mais de 135 milhões de casos confirmados e quase 3 milhões de mortes registradas ao redor mundo, com o Brasil se tornando nos últimos meses o epicentro da pandemia. Aqui no país, ultrapassamos as 355 mil mortes registradas e mais de 13,5 milhões de casos confirmados, com os recordes diários de mortes englobando uma população cada vez mais jovem.
É estimado que a COVID-19 possui uma taxa de mortalidade 3,5 vezes maior do que aquela da gripe (vírus Influenza) (Ref.1). Porém, nem todos são atingidos pela doença da mesma forma, e grande parte dos casos são de pessoas assintomáticas (42-48%) e estima-se que os assintomáticos representem a fonte da maior parte de novas infecções. E entre os sintomáticos, a maioria não necessitará de hospitalização e mesmo entre aqueles hospitalizados, nem todos irão evoluir para casos mais graves. É estimado que entre os casos registrados (SARS-CoV-2-positivos), 14% e 5% englobam casos severos e críticos, respectivamente (Ref.2).
Nesse sentido, existem vários fatores de risco determinando a progressão clínica da COVID-19, incluindo obesidade, doenças cardiovasculares, diabetes, idade avançada e sexo masculino.
FATORES DE RISCO
Adultos de qualquer idade com certas condições de saúde podem ser mais prováveis de ficar severamente doentes com a COVID-19, contribuindo para a sobrecarga do sistema de saúde. Pacientes com um quadro severo de COVID-19 apresentam geralmente sinais de dispneia, frequência respiratória ≥ 30/min, saturação de oxigênio ≤ 93%, pressão parcial de oxigênio arterial em relação à fração de oxigênio inspirado < 300 mmHg, e/ou infiltrados pulmonares > 50% dentro de 24 a 48 horas de hospitalização. No geral, esses pacientes podem necessitar de:
- Hospitalização;
- Tratamento intensivo (UTI);
- Um ventilador mecânico para auxiliar a respiração;
- Ou eles podem vir a óbito.
Adultos idosos são mais prováveis de ficarem severamente doentes. Mais de 80% das mortes com COVID-19 ocorrem em pessoas com 65 anos ou mais de idade, e mais de 95% das mortes por COVID-19 ocorrem em pessoas com mais de 45 anos, segundo dados atualizados dos Centro de Controle de Doenças dos EUA (Ref.5).
Além da idade, outro fator de risco é o sexo biológico do indivíduo. Aqueles infectados com o SARS-CoV-2 do sexo masculino possuem 35-50% mais chance de morrer do que aqueles do sexo feminino. Um dos principais suspeitos para essa diferença de risco é o nível de hormônios andrógenos circulantes e a interação desses com o receptor celular ACE2 e a enzima TMPRSS2 (necessários para a infecção do SARS-CoV-2): evidências clínicas sugerem que quanto mais andrógenos, maior o risco de morte. Aliás, o uso de esteroides anabolizantes androgênicos está associado com um maior risco de COVID-19 severa (!).
(!) Para mais informações, acesse: Esteroides anabólicos: Alto risco para doenças cardiovasculares, COVID-19 e dano testicular persistente
Por fim, temos as comorbidades. Várias condições médicas estão associadas com uma COVID-19 mais severa. A seguir será listado as mais comuns e mais bem estabelecidas influenciando negativamente o progresso da COVID-19.
CÂNCER
Ter câncer torna você muito mais provável de ficar severamente doente com a COVID-19, especialmente pacientes com malignâncias hematológicas. Tratamentos para vários tipos de cânceres podem enfraquecer a habilidade do corpo de lutar contra doenças e infecções, reduzindo drasticamente as respostas imunes e aumentando a exposição ao vírus. Estudos retrospectivos e de revisão reportam um aumento de risco 2 vezes maior de hospitalização e 3 vezes maior de morte em pacientes com câncer e COVID-19 quando comparado com pacientes sem câncer e com COVID-19 (Ref.8). Um estudo de revisão mais recente reportou uma mortalidade geral de 25% entre pacientes com câncer e COVID-19 (Ref.9). Além disso - provavelmente porque estão em maior contato com profissionais de saúde e estão com o sistema imune debilitado - os pacientes com câncer estão associados com um risco quase 8 vezes maior de serem infectados com o SARS-CoV-2 (Ref.10). Nesse sentido, argumenta-se para que os pacientes com câncer sejam considerados de grupo de alto risco para uma vacinação prioritária (Ref.11).
DOENÇA RENAL CRÔNICA
Ter doença crônica afetando os rins em qualquer estágio pode tornar você muito mais provável de ficar severamente doente com a COVID-19. O mesmo é válido para doenças renais agudas. Pessoas sob diálise podem ter um sistema imune enfraquecido, tornando mais difícil a luta contra infecções. No entanto, é importante que os pacientes continuem com os tratamentos regulares de diálise, reforçando as medidas de prevenção contra a COVID-19. Um estudo de meta-análise publicado no periódico Kidney and Blood Pressure Research (Ref.12) encontrou um risco 2,3 vezes maior de progressão severa e 5,1 vezes maior de morte em pacientes com doença crônica renal em comparação com pacientes sem doença crônica renal; no caso de doenças renais agudas, o risco foi 11,9 vezes maior de COVID-19 severa e 30,5 vezes maior de morte. Um estudo observacional multiclínico publicado no periódico Anaesthesia (Ref.13) reportou um risco 2,4 vezes maior de morte para pacientes com COVID-19 e doença renal crônica e/ou aguda em comparação com pacientes na UTI sem problemas renais. Um estudo conduzido na Arábia encontrou um risco 11,7 vezes maior de mortalidade entre pacientes com COVID-19 e doença renal aguda (Ref.14). Outros estudos também reportam altas taxas de mortalidade em pacientes com doenças renais crônicas - particularmente entre pacientes requerendo diálise ou que tiveram transplante renal -, mas ficando limitadas a um risco 38-41% maior de morte (Ref.15). Danos renais em pacientes com COVID-19 sob tratamento intensivo têm se mostrado comuns.
DOENÇAS PULMONARES CRÔNICAS
Aqui são incluídas a doença obstrutiva pulmonar crônica, asma (moderada-a-severa), doença pulmonar intersticial, fibrose cística e hipertensão pulmonar. Em particular:
- Doença obstrutiva pulmonar crônica (DOPC), incluindo enfisema e bronquite crônica;
- Ter tecido pulmonar cicatrizado ou danificado, como a doença intersticial pulmonar (incluindo fibrose pulmonar idiopática);
- Fibrose cística, com ou sem transplante de pulmão e outros órgãos sólidos;
No caso da asma, a questão é mais controversa. Apesar do CDC ainda reconhecer asma moderada a severa como um fator de risco para a progressão mais severa da COVID-19, vários estudos de revisão e observacionais não encontram relação significativa entre asma em geral e progressão severa da COVID-19 (Ref.15-19). Pelo contrário, alguns estudos sugerem, inclusive, um pequeno fator de proteção da asma contra a COVID-19, por mecanismos não muito bem esclarecidos e por mais contraintuitivo que isso possa parecer (Ref.20). Já foi sugerido, entre outras hipóteses, que o uso de inaladores de corticosteroides por asmáticos pode estar por trás desse aparente fator de proteção. Aliás, a budesonida inalada, um esteroide glicocorticoide comumente usado no tratamento da asma, mostrou aparentes resultados positivos no tratamento de pacientes com COVID-19 não-hospitalizados e com fatores de risco para o agravamento da doença (estudo clínico randomizado PRINCIPLE). Por outro lado, existem estudos sugerindo asma como um fator de risco independente para uma COVID-19 mais grave e até mesmo para uma taxa mais elevada de mortalidade (Ref.21). A questão ainda é inconclusiva.
Importante também ressaltar que estudos mais recentes têm gerado resultados conflitantes quanto à DOPC como fator de risco para admissão na UTI e de morte relacionados com a infecção pelo SARS-CoV-2 (Ref.22). Porém, no geral, estudos chegam a indicar uma taxa de mortalidade 3 vezes maior entre pacientes com COVID-19 e DOPC em comparação com pacientes com COVID-19 sem DOPC (Ref.23).
DEMÊNCIA E OUTRAS CONDIÇÕES NEUROLÓGICAS
Ter uma condição neurológica, como demência, pode tornar você mais suscetível a uma COVID-19 mais severa. A demência (ex.: Alzheimer), por exemplo, está associada com um risco quase 4 vezes maior de morte por COVID-19 em pacientes idosos do que em pacientes idosos sem demência (Ref.24). Danos no cérebro causados pela COVID-19 parecem exacerbar essas comorbidades.
DIABETES
Tanto diabetes Tipo 1 quanto diabetes Tipo 2 estão associadas com uma maior severidade da COVID-19. Diabetes está associado com um risco 2,5 vezes maior de exacerbação da COVID-19 (Ref.25), e um risco de hospitalização e de morte 3,9 e 3,4 vezes maior, respectivamente, comparado com pacientes sem diabetes (Ref.26). Em um estudo publicado no periódico The Lancet Diabetes & Endrocrinology (Ref.27) em fevereiro deste ano, analisando os dados clínicos da população da Escócia, encontrou um risco 1,4 vezes maior e 2,4 vezes maior de evolução crítica ou fatal da COVID-19 em pacientes com diabetes Tipo 2 e Tipo 1, respectivamente, comparado com pacientes não-diabéticos.
Tratamento com insulina em pacientes diabéticos com COVID-19 está associado também com um aumento de risco de 27% na mortalidade, especialmente na diabetes Tipo 2 (Ref.28). Apesar do controle glicêmico ser importante para reduzir o risco de agravamento da COVID-19, o uso específico de insulina para esse fim parece estar associado com mais inflamação e danos em órgãos vitais durante a progressão de sintomas da COVID-19. Indivíduos diabéticos infectados com o SARS-CoV-2 devem conversar com um profissional de saúde capacitado sobre essa questão.
Um quadro de hiperglicemia promove inflamação e fomenta a proliferação viral, enquanto certos medicamentos usados para o tratamento da diabetes estão associados com uma maior expressão do receptor ACE2. Existe também uma maior nível de furina circulante observado em pacientes diabéticos, enzima a qual é requerida para a clivagem proteolítica da proteína Spike do SARS-CoV-2 durante a entrada celular. A COVID-19 também pode exacerbar um quadro pré-existente de diabetes via danos diretos ou indiretos (níveis elevados de citocinas inflamatórias) no tecido pancreático e no metabolismo geral de glicose (!).
(!) É importante apontar que a COVID-19 pode disparar um quadro hiperglicêmico e possivelmente de diabetes nos pacientes não-diabéticos. Para mais informações, acesse: COVID-19 pode causar diabetes, sugerem evidências
No entanto, entre crianças e adolescentes, ter diabetes não está, aparentemente, associado com um maior risco de COVID-19 severa (Ref.29).
SÍNDROME DE DOWN
Ter Síndrome de Down pode fazer você mais provável de desenvolver COVID-19. Caracterizada por uma trissonomia no cromossomo 21, essa síndrome está associada com desregulação imune (maior predisposição a desordens autoimunes), diferenças anatômicas no trato superior respiratório (como uma menor traqueia e malácias nas vias aéreas dos brônquios) e maior taxa de comorbidades, deixando aqueles infectados com o SARS-CoV-2 mais vulneráveis a uma progressão mais severa da COVID-19. É reportado um risco quase 4 vezes maior de morte entre indivíduos com síndrome de Down e COVID-19 em comparação com pacientes com COVID-19 sem a síndrome (Ref.32).
CONDIÇÕES CARDÍACAS
Ter uma doença cardiovascular como falha cardíaca, doença arterial coronária, cardiomiopatias e possivelmente hipertensão pode aumentar substancialmente seu risco de COVID-19 severa. Evidências fortemente sugerem que a infecção com o SARS-CoV-2 também induz danos miocárdicos, incluindo através de possível infecção viral direta no tecido cardíaco, o que pode exacerbar comorbidades cardíacas pré-existentes (!). Doença cardíaca vascular, por exemplo, está associada com um aumento 3 vezes maior de risco de COVID-19 severa ou morte em comparação com pacientes sem doença cardíaca vascular (Ref.33). Hipertensão, porém, como um fator de risco independente, não tem sido associada com aumento nas taxas de mortalidade da COVID-19 em alguns estudos (Ref.35), mas consistentemente com um maior risco de agravamento da doença.
(!) Leitura recomendada: Em vários pacientes mortos pela COVID-19, o vírus foi encontrado no coração
No caso específico da hipertensão, a relação desta com a COVID-19 pode ser explicada pelo uso do receptor ACE2 - utilizado pelo SARS-CoV-2 para infectar a célula hospedeira. O ACE2 é um importante elemento do sistema renina-angiotensina, o qual regula a vasodilatação e a vasoconstrição. Em quadros de hipertensão (elevada pressão nos vasos sanguíneos) existe um aumento na expressão do receptor ACE2, facilitando a infecção viral. Além disso, o ACE2 é um mediador essencial de inflamação nos tecidos ao aumentar a permeabilidade vascular, ao recrutar células inflamatórias e ao induzir estresse oxidativo. O estado pró-inflamatório associado com a hipertensão acaba exacerbando a COVID-19.
INFECÇÃO COM HIV
Estar infectado pelo vírus da imunodeficiência humana (HIV) pode aumentar o risco de COVID-19 mais severa, mas estudos têm gerado resultados conflitantes (Ref.36-37). Porém, um estudo de grande porte publicado em janeiro deste ano no periódico The Lancet HIV (Ref.38), analisando a população Britânica, encontrou um risco 2,6 maior de mortalidade em pacientes com COVID-19 e HIV-positivos em comparação com paciente com COVID-19 e HIV-negativos.
ESTADO IMUNOCOMPROMETIDO
Ter um sistema imune enfraquecido pode, naturalmente, aumentar o risco de COVID-19 severa. Várias condições e tratamentos podem fazer uma pessoa ficar imunocomprometidas. Imunodeficiência primária é causada por defeitos genéticos que podem ser herdados na família. Uso prolongado de corticosteroides ou outros medicamentos de enfraquecimento imune podem levar a uma imunodeficiência secundária ou adquirida. Nesse sentido, também entra como importante fator de risco pacientes com câncer, e aqueles submetidos a procedimentos de transplante de órgãos sólidos e de células hematopoiéticas (Ref.39).
Doenças autoimunes, primariamente devido ao uso de glucocorticoides também estão associadas com um risco significativamente maior de COVID-19 mais severa, incluindo um risco até 3,6 maior de hospitalização (Ref.40-41). Um estudo mais recente conduzido na Coreia do Sul e publicado no periódico The Lancet Rheumatology (Ref.64) encontrou um risco 1,8 vezes maior para uma progressão mais severa da COVID-19 e um risco 3,3 vezes maior de morte.
DOENÇA HEPÁTICA
Ter doença hepática, como doenças no fígado relacionadas ao consumo alcoólico, doença do fígado gordo não-alcoólica e, especialmente, cirrose, ou lesões no fígado, pode fazer você ficar mais vulnerável a uma COVID-19 mais grave, porém existem estudos com resultados conflitantes (Ref.42). Um estudo clínico de grande porte publicado em janeiro deste ano no periódico EClinicalMedicine (Ref.43), analisando os dados clínicos da população Norte-Americana, encontrou uma elevada prevalência de doenças hepáticas crônicas entre pacientes com COVID-19, assim como uma taxa de mortalidade 2 vezes maior quando comparado com pacientes sem doença hepática crônica. A COVID-19 também pode induzir danos hepáticos via mecanismos diversos, como inflamação sistêmica, mudanças hipóxicas e causas iatrogênicas (ex.: ventilação mecânica) (Ref.44).
SOBREPESO E OBESIDADE
Sobrepeso (definido como um índice de massa corporal, IMC, maior do que 25 kg/m2 mas menor do que 30 kg/m2), obesidade (IMC ≥ 30 kg/m2 mas < 40 kg/m2), e obesidade severa (IMC ≥ 40 kg/m2) são importantes fatores de risco para a progressão severa da COVID-19, especialmente em indivíduos com mais de 60 anos de idade. De fato, o risco de uma COVID-19 severa aumenta de forma significativa em pessoas obesas com um IMC elevado (!). Pacientes com COVID-19 e IMC ≥ 25 estão associados a um risco 2,5 vezes maior de doença severa e 3-4 vezes maior de mortalidade em comparação com indivíduos possuindo IMC < 25 (Ref.45). Pacientes com IMC > 35 estão associados com um risco 7 vezes maior de COVID-19 severa em comparação com pacientes possuindo IMC < 25. Analisando o risco isolado da obesidade para a COVID-19, esta está associada com um risco até 92% maior de mortalidade, e 2,5 vezes maior de mortalidade entre indivíduos com mais de 65 anos de idade (Ref.46).
Em um estudo de grande porte conduzido na população da Espanha (Ref.47), pesquisadores encontraram um risco 2,2 vezes maior de COVID-19 mais severa para obesos severos; esse risco foi especialmente alto (8 vezes maior) em indivíduos com menos de 50 anos de idade.
Como pacientes obesos possuem mais tecido adiposo, eles acabam possuindo também mais receptores ACE2, fornecendo ao vírus mais pontos de entrada. Além disso, o excesso de tecido adiposo causa danos às respostas imunes adaptativas e inatas, com reduzida ativação de macrófagos, elevada produção de citocinas inflamatórias, e importantes defeitos em células imunes, incluindo falhas de ativação das células-T e -B, e de células exterminadoras naturais. Mais recentemente, falhas de atividade das células-T Invariantes de Mucosa (MAIT) têm ganhado um maior foco de atenção (Ref.50). Ou seja, além de estarem mais suscetíveis à infecção viral e encontrarem maior dificuldade de combater o vírus, os indivíduos obesos ou com sobrepeso acabam exacerbando uma das principais características da COVID-19: excesso de inflamação ("Tempestade de Citocinas"). A obesidade também geralmente está acompanhada de problemas no trato respiratório e reduzida capacidade pulmonar (ex.: aumento da pressão mecânica sobre o peito, especialmente quando o paciente está deitado na posição de supino), dificultando até mesmo procedimentos de ventilação mecânica.
Somando-se a isso, pacientes com obesidade comumente possuem um quadro de pré-diabetes ou de diabetes Tipo 2 - esta a qual é outro forte fator de risco para uma COVID-19 severa -, hipertensão (outro fator de risco) e um quadro de hipercoagulabilidade e elevada trombose, exacerbando outra característica da COVID-19 severa: coagulação disseminada intravascular pró-trombótica com associadas altas taxas de tromboembolismo venoso.
Por outro lado, um estudo de revisão sistemática e meta-análise mais recente, publicado no periódico Anaesthesia (Ref.65) e investigando fatores associados com mortalidade em pacientes com COVID-19 admitidos na unidade de tratamento intensivo (UTI), encontrou que sexo masculino e obesidade não aumentavam o risco de morte na UTI. Porém, problemas associados com a obesidade, como diabetes, doença cardiovascular e hipertensão, estavam significativamente associados com um maior risco de morte. Outros fatores apontados como risco de mortalidade na UTI foram doença renal (risco 2,39 vezes maior), câncer, idade avançada, doença respiratória e fumo de tabaco. O estudo analisou dados clínicos acumulados de 44305 pacientes.
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(!) Importante mencionar que ter um IMC elevado não significa necessariamente que a pessoa é obesa. Indivíduos com uma grande massa muscular podem ser magros ou ter um percentual normal de gordura corporal mesmo com um alto IMC, algo comum entre praticantes profissionais ou amadores de fisiculturismo. Porém, é válido destacar que o consumo de esteroides anabolizantes, muitas vezes associado com um baixo percentual de gordura e elevada massa muscular, está fortemente associado com um aumento de risco para a COVID-19 severa. Para mais informações, acesse: Esteroides anabólicos: Alto risco para doenças cardiovasculares, COVID-19 e dano testicular persistente
GRAVIDEZ
Mulheres grávidas são mais suscetíveis a uma COVID-19 mais severa. A pandemia da COVID-19 elevou a mortalidade materna e as taxas de natimortos, estresse materno e de gravidezes ectópicas com ruptura (Ref.51). Além disso, existem evidências de danos fetais e na placenta induzidos pela COVID-19, incluindo comprovada transmissão vertical intrauterina e a morte de um feto infectado pelo vírus (!).
(!) Para mais informações, acesse:
- COVID-19 aumenta em várias vezes as taxas de mortalidade entre as mulheres grávidas
- Cientistas confirmam que o novo coronavírus infectou e matou um feto via transmissão vertical
DESORDENS SANGUÍNEAS
Pacientes com desordens envolvendo hemoglobina sanguínea como anemia falciforme ou talassemia podem estar mais suscetíveis à COVID-19 severa. A COVID-19 - via ataque direto ou indireto do vírus - causa danos ao metabolismo heme e de hemoglobina, responsáveis pelo transporte de oxigênio, metabolismo de ferro, e elevando os níveis de estresse oxidativo e danos a tecidos. Indivíduos com desordens sanguíneas que já impactam de forma deletéria o metabolismo heme e de hemoglobina, portanto, estão sob maiores riscos de complicação com a COVID-19. Dados epidemiológicos sobre a questão são ainda escassos, mas existem vários relatos de casos na literatura acadêmica.
FUMO DE TABACO
Se você atualmente fuma ou é um ex-fumante, seus riscos são maiores de desenvolver uma COVID-19 mais severa. Atuais fumantes possuem um risco até 2 vezes maior de uma COVID-19 severa ou crítica, enquanto indivíduos com um histórico de fumo possuem um risco 35% maior de uma COVID-19 severa ou crítica e 26% maior de mortalidade intra-hospitalar (Ref.53). Um estudo de revisão sistemática e meta-análise mais recente (Ref.54) encontrou uma relação invertida, onde atuais fumantes possuem um risco 58% maior e ex-fumantes um risco 2,5 vezes maior de COVID-19 mais severa, e um risco 35% maior e 2,6 vezes maior, respectivamente, de morte.
Fumo em geral - incluindo maconha e, especialmente, narguilé -, também provavelmente aumentam o risco de uma COVID-19 mais severa. Para mais informações, acesse:
- Fumo e uso recreativo da maconha: lobo sob pele de cordeiro
- O narguilé é uma forma segura de consumir tabaco?
DERRAME OU DOENÇA CEREBROVASCULAR
Ter doença cerebrovascular, como derrame, onde existe danos no fluxo sanguíneo seguindo para o cérebro, pode aumentar o risco de uma COVID-19 mais severa. Pacientes com uma doença cerebrovascular prévia possuem um risco 2 vezes maior de COVID-19 severa em comparação com aqueles sem doença cerebrovascular prévia, e um risco 2,2 vezes maior de morte (Ref.55). No geral, pacientes com doenças cerebrovasculares possuem 2,7 vezes maior risco de complicações com a COVID-19 (Ref.56). A infecção pelo SARS-CoV-2 induz danos cardiovasculares e no sistema nervoso central - mediados por inflamação sistêmica ou mesmo, talvez, por infecção viral direta -, e aumenta o risco de tromboses. Problemas prévios na vascularização cerebral acabam sendo exacerbados pela COVID-19. Válido lembrar que apesar de danos cerebrais de fato ocorrerem devido à COVID-19, um número de estudos analisando vítimas fatais da doença (autópsia cerebral) têm reportado a ausência do vírus no cérebro, incluindo o mais recente, de maior porte e mais detalhado estudo nesse sentido (Ref.63).
TRANSTORNOS DO USO DE SUBSTÂNCIAS
Indivíduos com dependência em substâncias diversas, como bebidas alcoólicas (etanol), cocaína, nicotina e opioides, possuem um risco significativamente maior de serem infectados e desenvolverem uma COVID-19 mais severa. Esses indivíduos possuem uma prevalência significativamente maior de uma série de doenças crônicas, como doenças renais, hepáticas, pulmonares, cardiovasculares, diabetes Tipo 2, obesidade e câncer, todas aumentando o risco de uma COVID-19 severa (Ref.57).
GENÉTICA E TIPO SANGUÍNEOS
Evidências acumuladas mostram claramente que fatores genéticos estão associados com a progressão clínica da COVID-19, incluindo genes herdados de Neandertais. Evidências sobre os tipos sanguíneos são ainda conflitantes, sendo sugerido que indivíduos com o Tipo A são mais suscetíveis a uma COVID-19 mais severa e que os indivíduos com o Tipo O são os menos suscetíveis. Para mais informações, acesse: Genes e grupos sanguíneos estão associados com a severidade da COVID-19, confirmam estudos
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IMPORTANTE: O uso de máscaras não está associado apenas com a prevenção de infecção pelo SARS-CoV-2. Evidências epidemiológicas e duas hipóteses médicas sugerem que as máscaras também ajudam a prevenir uma progressão mais severa da COVID-19. Para mais informações, acesse:
- Nova hipótese explica como as máscaras podem prevenir uma COVID-19 mais severa
- Uso universal de máscaras pode ajudar a prevenir casos graves de COVID-19
ESTUDO NORTE-AMERICANO
Um estudo publicado em fevereiro deste ano no periódico Journal of the American Heart Association (Ref.58), usando uma simulação matemática, estimou o número e a proporção de hospitalizações por COVID-19 que poderiam ser sido prevenidas se os Norte-Americanos não sofressem de quatro principais condições cardiometabólicas. Os resultados do estudo mostraram que entre 906849 hospitalizações devido à COVID-19 que ocorreram em adultos nos EUA até novembro de 2020:
- 30% foram atribuídas à obesidade;
- 26% foram atribuídas à hipertensão;
- 21% foram atribuídas à diabetes;
- 12% foram atribuídas à insuficiência cardíaca.
Quando essas quatro contribuições foram analisadas em conjunto, os pesquisadores encontraram que próximo de 64% dos casos de hospitalização por COVID-19 poderiam ter sido prevenidos.
ESTUDO SUECO
Um estudo retrospectivo publicado em janeiro deste ano no periódico Acta Anaesthesiologica Scandinavica (Ref.59), analisando 1981 pacientes na Suécia, encontrou que hipertensão, diabetes Tipo 2, doença renal crônica, asma, obesidade, ser um receptor de órgão transplantado e medicamentos imunossupressores eram fatores de risco independentes para a admissão na UTI. Idade avançada, derrame, asma e doença obstrutiva pulmonar crônica mostraram-se fatores independentes de risco para mortalidade na UTI.
ESTUDO CHINÊS
Em um estudo de revisão sistemática e meta-análise publicado em fevereiro deste ano no periódico BMC Infectious Diseases (Ref.60), analisando os dados clínicos de 12526 pacientes com COVID-19, encontrou que doença cerebrovascular era o mais forte fator de risco para a exacerbação da COVID-19 (3,7 vezes maior risco), seguido de doença crônica renal (2,8x), doença obstrutiva pulmonar crônica (3,1x), doença cardiovascular (2,8x), câncer (2,6x), diabetes (2,5x) e hipertensão (2,1x). Os autores não encontraram correlação de doenças hepáticas crônicas com um notável aumento de risco para a severidade da COVID-19 (32% maior risco).
ESTUDOS BRASILEIROS
Um robusto estudo publicado em março deste ano no periódico PLOS ONE (Ref.61), analisando os dados clínicos de dezenas de milhares de pacientes no Brasil com COVID-19 (fevereiro-agosto de 2020) a partir de um dos principais bancos de dados do Ministério da Saúde (SIVEP-Gripe), encontrou uma esperada maior taxa de hospitalização para pacientes do sexo masculino (56,6%) e para pacientes com idade mais avançado em ambos os sexos. No geral, a taxa de letalidade foi de 41,3% entre os pacientes hospitalizados, especialmente aqueles com mais de 60 anos. Doença cardíaca, diabetes, obesidade, doença renal, doença neurológica e pneumopatia foram as mais prevalentes comorbidades. Uma alta prevalência de pacientes hospitalizados com doença cardíaca (65,7%) e diabetes (53,6%) foi observada, com uma alta taxa de letalidade entre esses pacientes em torno de 50%.
Já em um estudo publicado no periódico International Journal of Infectious Diseases (Ref.62), pesquisadores analisaram os dados clínicos de 2054 pacientes com COVID-19 confirmada hospitalizados de março até setembro de 2020 em 25 hospitais, encontrando uma taxa de mortalidade de 22% (e uma taxa de 47,6% naqueles admitidos em uma UTI). Hipertensão (52,9%), diabetes (29,2%) e obesidade (17,2%) foram as mais prevalentes comorbidades. A taxa de mortalidade de pacientes com pelo menos uma comorbidade foi maior do que naqueles sem nenhuma comorbidade, porém, os pesquisadores encontraram apenas dois fatores independentes de risco para mortalidade em termos de comorbidades: hipertensão (42% maior risco) e doença crônica renal (59% maior risco). Necessidade de ventilação mecânica estava associada com um risco 5 vezes maior de mortalidade.
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IMPORTANTE: Com a circulação de novas variantes de preocupação do SARS-CoV-2, fatores de risco e progressão clínica da doença podem mudar. Porém, ainda é incerto se as novas cepas até o momento identificadas estão associadas com uma significativa maior virulência, mas as evidências acumuladas sugerem que sim. Para mais informações, acesse:
- Potencial nova variante detectada em Belo Horizonte acumulou 18 novas mutações
- Nova variante Brasileira do SARS-CoV-2 está preocupando os especialistas
- Variante do novo coronavírus na África do Sul parece ser mais séria do que pensado
- Nova variante no Reino Unido do SARS-CoV-2 acumulou um recorde de 17 mutações relevantes
- Perigosa variante Sul-Africana identificada no Brasil
REFERÊNCIAS CIENTÍFICAS
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