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Acúmulo de gordura no pescoço está associado com forte risco de problemas cardiometabólicos

 - Atualizado no dia 2 de setembro de 2023 -

          Para pessoas com sobrepeso ou obesas, médicos tradicionalmente reforçam o perigo da gordura visceral, localizada na cavidade abdominal e associada à circunferência da cintura. Porém, em um notável estudo publicado em 2021 no periódico International Journal of Obesity (Ref.1), pesquisadores alertaram - e reforçaram evidências prévias - de que a acumulação de tecido adiposo no pescoço (tanto o "queixo duplo" quanto os depósitos profundos de gordura, localizados entre os músculos e ao redor da vértebra cervical) é um preditor da adiposidade central e geral, do risco cardiometabólico e do perfil pró-inflamatório em adultos jovens sedentários - e provavelmente na população em geral.

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   OBESIDADE E GORDURA VISCERAL

          Vivemos hoje uma crise de obesidade sem precedentes, e é estimado que em 2016 mais de 1,9 bilhões de adultos estavam acima da massa corporal ideal e mais de 650 milhões desse total estavam obesos. A prevalência mundial de obesidade quase triplicou entre 1975 e 2016.

           Obesidade é uma desordem do sistema de homeostase de energia, em que o consumo de calorias ultrapassa o gasto de calorias. A obesidade é caracterizada pela limitada expansibilidade e disfunção de adipócitos (células de gordura), aumento do risco de doenças cardiometabólicas e de vários cânceres, e um estado crônico pró-inflamatório. Onde gordura (tecido adiposo) irá se acumular mais no corpo do indivíduo será influenciado por vários fatores, incluindo genética e hormônios.

          Gordura abdominal, ou visceral (esplâncnica), é bem estabelecida de ser de particular preocupação porque está envolvida em uma variedade de problemas de saúde (metabólicos e cardiovasculares), muito mais do que a gordura subcutânea - aquela que você consegue agarrar com as mãos ao apertar a pele. A gordura visceral se encontra fora do alcance do nosso tato, dentro da cavidade abdominal e entre os espaços dos nossos órgãos abdominais. Gordura na região abdominal, é, em maior parte, visceral, e esta constitui até 10-20% de todo o tecido adiposo nos homens e até 5-8% nas mulheres, tendendo a aumentar com o avanço da idade em ambos os sexos.

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> Evidência recente sugere que a obesidade abdominal e fraqueza muscular, quando associadas, aumentam em 85% o risco de morte por doenças cardiovasculares em pessoas com mais de 50 anos. Ref.17

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          Evidências acumuladas nas últimas décadas têm suportado que as células do tecido adiposo - particularmente células adiposas abdominais - são biologicamente ativas e possuem uma maior atividade lipolítica. Nesse sentido, é apropriado pensar a gordura corporal como uma glândula ou órgão endócrino, produzindo hormônios (leptina, adiponectina e resistina), proteínas do sistema renina-angiotensina e outras substâncias que podem afetar profundamente nossa saúde, inclusive desregulando o balanço e o funcionamento normais do sistema endócrino. Além disso, gordura visceral libera sinalizadores pró-inflamatórios chamados de citocinas - como fator de necrose tumoral e interleucina-6 -, e fatores de crescimento e vasoativos quem podem aumentar o risco de doenças cardiovasculares e fomentar o desenvolvimento de tumores malignos. As citocinas, hormônios e outros fatores liberados em excesso estão associadas a efeitos deletérios na sensibilidade das células à insulina, na pressão sanguínea, no estado redox vascular, na função endotelial, no tônus vascular, na coagulação sanguínea, entre outros.

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> Estudos mais recentes têm reforçado a caracterização do tecido adiposo como um órgão endócrino altamente plástico e sinalizador, responsável pela produção de múltiplas moléculas com atividade biológica (Ref.13). Para um artigo de revisão dos metabólitos liberados pelas células adiposas, acesse a Ref.3.

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           Além de induzir severas complicações, como diabetes Tipo 2, hiperlipidemia (1), aterosclerose, hipertensão, doenças cardiovasculares e múltiplos cânceres (2), a obesidade pode agravar outras doenças inflamatórias crônicas e/ou autoimunes (Ref.14). Aliás, a obesidade é um dos principais fatores de risco para uma progressão mais severa da COVID-19 (Ref.15).

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(1) Um robusto estudo conduzido no Japão e publicado na Scientific Reports (Ref.16), analisando retrospectivamente 10852 indivíduos com 65 anos de idade, encontrou que a obesidade está fortemente associada com a prevalência de diabetes e de hipertensão, mas não tanto com a dislipidemia (especialmente entre as mulheres). Dislipidemia é um excesso de gorduras (lipídios) ou colesterol no sangue. Com base no critério de IMC, é estimado que, atualmente, ~30% dos homens e 20% das mulheres são obesos.

A prevalência de diabetes e de hipertensão aumenta junto e de forma robusta com o aumento do grau de severidade da obesidade [Obesity classification]. O mesmo não ocorre com a dislipidemia, cuja taxa de prevalência também é alta entre indivíduos com peso normal [Normal weight] e mesmo peso abaixo do ideal [Underweight]. Yamada et al., 2023

(2) Leitura recomendada: Fique alerta: A obesidade caminha junto com o câncer

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           A obesidade abdominal (circunferência da cintura acima de 102 cm nos homens e de 88 cm nas mulheres), como um fator de risco isolado, está consistentemente associado com um aumento de risco de cânceres colorretal, pancreático e gastro-esofagal, desordens metabólicas e maior taxa de mortalidade. Porém, ainda existe debate sobre o real impacto da gordura visceral nos outros 10 cânceres ligados à obesidade (ex.: câncer de mama), e nas doenças cardiovasculares em geral (Ref.4). Evidências mais recentes também ligam a gordura visceral à incidência e severidade de pancreatite aguda (Ref.5), à progressão mais severa da COVID-19 (Ref.6) e a um maior risco de progressão mais severa de problemas hepáticos em indivíduos com diabetes tipo 2 (Ref.12).

            Nesse cenário, medidas tradicionais de avaliação da obesidade - relativa ao risco de doenças cardiometabólicas - incluem principalmente o índice de massa corpora (IMC) e a circunferência abdominal. Porém, vários estudos mais recentes têm proposto que o acúmulo de gordura no pescoço (medida da circunferência do pescoço) fornece um importante indicador da adiposidade da parte superior do corpo e está associado com riscos cardiovasculares e metabólicos deletérios independentes do IMC e do tecido adiposo visceral (Ref.7-9). Aliás, o parâmetro IMC nesse contexto vem sendo cada vez mais questionado devido às suas limitações inerentes (ex.: não diferenciar massa muscular de massa adiposa em indivíduos com massa corporal acima da média) e evidências acumuladas nos últimos anos fortemente suportam o desuso desse parâmetro para avaliações individuais de saúde (Ref.18-19).

         Evidências experimentais mostram que a gordura visceral responde por apenas uma pequena porcentagem da liberação sistêmica dos ácidos graxos livres durante os estados de pós-absorção intestinal e pós-alimentação, enquanto que o tecido adiposo não-visceral da parte superior do corpo contribui com mais de 50%. Todas as evidências reunidas até o momento suportam a ideia de que a gordura não-visceral da parte superior do corpo, e  particularmente o tecido adiposo do pescoço, pode, pelo menos em parte, explicar os riscos cardiometabólicos obesidade-associados que não são cobertos pela gordura visceral. 

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   GORDURA NO PESCOÇO

           O novo estudo, conduzido por pesquisadores da Universidade de Granada, Espanha, analisou 139 jovens adultos saudáveis (95 mulheres) - idades de 18-25 anos - com um estilo de vida sedentário (<20 minutos de atividade física moderada-vigorosa, <3 dias/semana), não-fumantes, sem uso de medicamentos, e uma massa corporal estável pelos últimos 3 meses (<3 kg de variação), sem doença cardiometabólica (ex.: hipertensão ou diabetes), e sem histórico familiar de primeiro grau de câncer. 

           Os resultados da análise mostraram que o acúmulo de gordura no pescoço - medida com escaneamento via tomografia computadorizada - assim como sua distribuição em diferentes compartimentos, está significativamente associada com uma maior adiposidade geral e central, maior risco cardiometabólico, e um maior estado inflamatório entre jovens adultos saudáveis, independentemente da quantidade de gordura total e visceral. Além disso, entre os mais relevantes achados, os pesquisadores observaram que o acúmulo adiposo no pescoço representava um poderoso fator (em termos de direção e de magnitude), assim como a gordura visceral, na predição do risco cardiometabólico e do estado inflamatório, especialmente nos homens.

          "Portanto, esses resultados realçam a necessidade para mais pesquisa nessa nova direção, para melhor entender o efeito do acúmulo de gordura na parte superior do tronco (incluindo o pescoço) e sua repercussão clínica, especialmente no risco cardiometabólico e na inflamação," explicou Francisco Miguel Acosta Manzano, um dos autores principais do novo estudo, em entrevista para o jornal da Universidade de Granada (Ref.10).

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          Os resultados também corroboram um robusto estudo realizado na China, envolvendo 1943 participantes com uma média de idade de 58 anos, publicado em 2016 no periódico Endocrine (Ref.11), cujos resultados fortemente sugeriram que a circunferência do pescoço tinha o mesmo poder da circunferência da cintura para identificar desordens metabólicas.

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IMPORTANTE: Para a redução da gordura no pescoço e na região abdominal, não existem exercícios físicos específicos ou "mágicos". O foco precisa ser na dieta, auxiliada pelos exercícios físicos, visando um emagrecimento geral do corpo. Em casos mais extremos, cirurgia bariátrica pode ser uma opção. É preciso tomar cuidado também com dietas extremistas ou indicadas de forma generalista. Evidências científicas claramente mostram que o planejamento alimentar visando o emagrecimento precisa ser individual, de modo a garantir melhor aderência, ou resultados positivos de longo prazo dificilmente serão obtidos. Para mais informações, acesse: Jejum intermitente é a chave do emagrecimento?

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REFERÊNCIAS CIENTÍFICAS

  1. https://www.nature.com/articles/s41366-020-00701-5 
  2. https://www.health.harvard.edu/staying-healthy/abdominal-fat-and-what-to-do-about-it
  3. https://www.mdpi.com/2218-273X/10/3/374
  4. https://onlinelibrary.wiley.com/doi/full/10.1111/obr.13088
  5. https://www.sciencedirect.com/science/article/abs/pii/S1424390320302040
  6. https://onlinelibrary.wiley.com/doi/full/10.1002/oby.23096
  7. https://academic.oup.com/eurjcn/advance-article/doi/10.1093/eurjcn/zvaa018/6103014
  8. https://www.degruyter.com/document/doi/10.1515/hmbci-2017-0075/html
  9. https://www.sciencedirect.com/science/article/abs/pii/S000293431730164X
  10. https://canal.ugr.es/uncategorized/having-too-much-fatty-tissue-accumulated-in-the-neck-increases-the-chances-of-suffering-heart-problems-according-to-a-new-study/ 
  11. https://link.springer.com/article/10.1007%2Fs12020-016-1151-y
  12. https://www.eurekalert.org/news-releases/929822
  13. https://onlinelibrary.wiley.com/doi/abs/10.1111/obr.13521
  14. https://www.mdpi.com/2073-4409/12/3/348
  15. https://onlinelibrary.wiley.com/doi/abs/10.1111/cob.12508
  16. Yamada et al. (2023). Obesity and risk for its comorbidities diabetes, hypertension, and dyslipidemia in Japanese individuals aged 65 years. Scientific Reports 13, 2346. https://doi.org/10.1038/s41598-023-29276-7
  17. https://academic.oup.com/ageing/article/52/1/afac301/6966518
  18. Visaria A, Setoguchi S (2023) Body mass index and all-cause mortality in a 21st century U.S. population: A National Health Interview Survey analysis. PLoS ONE 18(7): e0287218. https://doi.org/10.1371/journal.pone.0287218
  19. https://www.nature.com/articles/d41586-023-03143-x