Alerta: Você está passando muito tempo sentado?
- Atualizado no dia 4 de março de 2022 -
Com o contínuo avanço da pandemia causada pelo novo coronavírus (SARS-CoV-2), continua alto o número de trabalhadores em Home Office, ou seja, trabalhando de casa. Isso também pode acabar acompanhando um aumento no sedentarismo e nas horas sentadas em frente a um computador. E, como todos devem saber, agências e especialistas de saúde cada vez mais alertam sobre os efeitos adversos de longos períodos sentados - ou de pouca atividade física. Além de um sugerido aumento no risco de doenças cardiovasculares, metabólicas e até mesmo de alguns cânceres, longas e contínuas horas sentado também é um fator de risco para problemas vasculares nos membros inferiores, incluindo insuficiência crônica venosa. Inchaço na parte inferior das pernas e no tornozelo, varicoses e sensação de cansaço nas pernas são sinais de alerta.
Algo mais do que bem estabelecido é de que viver uma vida sedentária pode ser muito perigoso para a sua saúde. Quanto menos parado você fica ao longo do dia, melhor suas chances de viver uma vida mais saudável. Estudos observacionais e experimentais fortemente sugerem que se movimentar mais durante o dia pode diminuir o risco de morte por várias causas. Um estilo de vida sedentário aumenta os riscos de obesidade, diabetes tipo 2 e de doenças cardiovasculares, além de ajudar a promover quadros de depressão e de ansiedade.
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É estimado que a inatividade física contribua para mais de três milhões de mortes preveníveis todos os anos (5,5-6% do total). Nesse sentido, é a quarta principal causa de morte devido a doenças não-comunicáveis. Estudos mais recentes sugerem um prejuízo ainda maior da inatividade física: 9,4% das mortes por todas as causas (Ref.5-6).
No entanto, apesar do papel detrimentoso da inatividade física em termos globais, é incerto ainda qual o papel de específicos comportamentos de inatividade prolongada. Sentar, por exemplo, é um comportamento distinto e não equivalente de ser fisicamente inativo, apesar de poder contribuir para a inatividade. Evidências epidemiológicas sugerem que sentar por muito tempo é um fator de risco independente para o desenvolvimento de várias doenças crônicas, mesmo em indivíduos fisicamente muito ativos em termos globais - por exemplo, passam boa parte do dia sentados (estudo ou trabalho), mas praticam corrida e/ou musculação de alta intensidade por 1-2 horas diárias. Um recente estudo prospectivo conduzido no Japão encontrou inclusive um aumento significativo no risco de cânceres de pâncreas em homens e de pulmão nas mulheres com o aumento de horas sentado no trabalho (Ref.4).
No entanto, a maior parte das recomendações que desestimulam o ato de sentar por longos períodos são baseadas em estudos que analisam inatividade em termos gerais - ou seja, um menor gasto metabólico diário global (Ref.5). Não seria possível compensar longas horas sentado com robustas atividades físicas diárias e pausas frequentes durante o ato de sentar? De fato, existe uma falta de mecanismos biológicos associando o ato isolado de sentar com danos à saúde. Por outro lado, é um fato que grande parte da população não encontra tempo ou vontade para a prática regular e robusta de exercícios físicos, sugerindo que incentivar um menor tempo sentado pode trazer benefícios para a maior parte da população.
Nesse sentido - apesar da falta de robustas evidências científicas de suporte - guias de saúde em países como Austrália, Nova Zelândia, Reino Unido, Alemanha, Noruega e Canadá têm reforçado nos últimos anos recomendações que visam diminuir ao máximo o tempo que adultos e crianças passam sentados. Por exemplo, algumas guias sugerem um limite de no máximo 4 horas sentado no local de trabalho.
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CURIOSIDADE: Apesar de ser considerada um fator de risco para doenças diversas, a inatividade é também um paradoxo evolucionário, já que pressões evolucionárias tendem a favorecer estratégias que minimizem o gasto energético. Um estudo recente publicado na PNAS (Ref.8) encontrou algo interessante nesse sentido. É sugerido que o nosso corpo (fisiologia humana) não evoluiu para o sedentarismo, mas os pesquisadores analisando uma população de caçadores-coletores na Tanzânia, conhecida coo Hadza, encontrou que seus integrantes possuíam um nível diário de 'inatividade' (tempo total não-ambulatório separado do sono; média = 9 horas/dia) similar àquele visto nas sociedades humanas inseridas no contexto industrializado e urbano.
PORÉM, os pesquisadores encontraram que esses períodos de 'descanso'/repouso dos Hadza eram realizados frequentemente em posturas ativas, como estado de agachamento, impondo forte trabalho muscular mesmo quando parados e não-eretos, especialmente dos músculos inferiores da perna (importantes para uma boa vascularização do corpo). Ou seja, a fisiologia humana parece ter evoluído tanto para o alto gasto energético (exercícios físicos) quanto para poupar energia em repouso, mas em postura não-ambulatória ativa.
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DANOS VASCULARES
Mas, apesar de ser incerto se o tempo total de horas sentadas é um fator de risco independente para a manifestação de problemas crônicos no corpo, ficar sentado por períodos prolongados e contínuos, sem pausas, é um fator de risco relativamente bem estabelecido para impactos negativos na saúde vascular periférica (ex.: funções de vasodilatação e de vasoconstrição), particularmente, na função vasodilatadora das artérias da perna, com evidências mais recentes também suportando impactos negativos na saúde vascular central (ex.: pressões aórticas, reflexão de onda e rigidez vascular).
Um estudo clínico publicado em 2018 no periódico The American Journal of Cardiology (Ref.9) encontrou que ficar sentado por 3 horas contínuas já é o suficiente para a expressão de marcadores negativos relativos à saúde vascular periférica e central. Prejuízos à pressão sanguínea - hipertensão, por exemplo - podem também ser potencialmente promovidos por baixos níveis de metabólitos vasodilatadores, constrição de arteríolas pré-capilares e fechamento de esfincteres pré-capilares deflagrados pela baixa demanda metabólica/ATP durante prolongado período sentado (Ref.10).
Sentar por longos períodos é também um importante fator de risco para variadas manifestações da doença venosa crônica (DVC), termo que cobre qualquer desordem relacionada ou causada por veias que se tornaram doentes ou anormais. Nos EUA, é estimado que a DVC afete próximo de 40% da população, e aproximadamente 25% dos adultos no Ocidente.
Uma condição comum englobada pela DVC são as veias de varicose ou veias de teia (uma versão menor das veiras de varicose). Isso é devido ao fato que sentar faz com que o sangue se acumule nas pernas. As varicoses são caracterizadas por veias com 3 mm ou mais de diâmetro, e não são geralmente perigosas, mas podem levar a coágulos sanguíneos. Nesse sentido, sentar por longos períodos interruptos pode causar trombose profunda venosa (TPV), caracterizada por coágulos nas veias da perna. TPV é um sério problema, porque o coágulo na perna pode acabar se desprendendo e viajar pela circulação sanguínea e entupir outras partes mais cruciais do corpo, como no tecido do pulmão (embolismo pulmonar) ou cardíaco.
Outra notável problema englobado pela DVC é a insuficiência crônica venosa (ICV), uma condição que ocorre quando a parede da veias da perna não estão funcionando efetivamente, levando a um acúmulo de sangue venoso na parte inferior das pernas, o que provoca distensão e hipertensão venosas. Várias mudanças fisiológicas, como dano ou trama nas válvulas venosas, TPV, varicose e incompetência vascular podem resultar em um ICV. Caso avance sem tratamento, uma ICV diminui a circulação venosa nas extremidades inferiores, impactando as demandas metabólicas, o que engatilha problemas diversos, incluindo uma eventual e perigosa úlcera venosa, altamente suscetível a infeção.
Vários são os fatores de risco para a ICV, incluindo avanço da idade, sexo feminino, obesidade, gravidez, ICV, injúrias prévias nas pernas, e histórico familiar de varicose. Pessoas que ficam sentadas ou em pé por períodos prolongados e contínuos, que sentam frequentemente com as pernas cruzadas no joelho, e/ou que usam vestuário constritivo estão em risco de desenvolverem distensão venosa, a qual pode levar a um ICV.
Entre os sinais clínicos de uma ICV podemos citar um inchaço na parte inferior da perna e dos tornozelos, especialmente após períodos estendidos em pé; coceira ou sensação de cansaço nas pernas; novas veias de varicose; aspecto de couro na pele das pernas; ulcerações nas pernas.
Além disso, o aumento da pressão hidrostática e redução no retorno do fluxo venoso (por exemplo, via insuficiente bombeamento do músculo da panturrilha §) enquanto sentado também leva a uma acumulação de fluídos na parte inferior das pernas que é proporcional ao tempo gasto sentado de forma prolongada, o que por sua vez pode aumentar o risco para problemas diversos, incluindo apneia obstrutiva. É sugerido inclusive que viajar por 4 horas ou mais de avião ou de ônibus pode dobrar o risco de tromboembolismo venoso (Ref.16).
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(§) O bombeador central do sistema cardiovascular é o coração, o qual permite a circulação do sangue por todos os tecidos. A rede de artérias, veias e capilares ao longo do corpo regula a taxa de circulação do sangue. Nos membros inferiores (pernas), temos também músculos auxiliares de bombeamento, incluindo aqueles do pé, a panturrilha e a coxa. Entre esses, o músculo da panturrilha é o mais importante, já que é o mais eficiente e com a maior capacidade de gerar altas pressões. A cada contração, os músculos da panturrilha fornecem uma ajuda extra importante para bombear o sangue de volta para o coração, e por isso andar, correr e outras atividades físicas que estimulam sucessivas contrações das panturrilhas acabam promovendo uma circulação sanguínea ainda melhor para o organismo. O fortalecimento da panturrilha através de musculação também está associado com benefícios extras nesse contexto (Ref.14).
e-TROMBOSE: NOVO FENÔMENO DO SÉCULO XXI
Com o crescente uso de computadores desde o início deste século - especialmente para jogos e no contexto do Home Office - problemas vasculares causados por longos períodos de tempo sentado têm ficado cada vez mais comuns e reportados na literatura acadêmica, incluindo embolismo pulmonar (Ref.15-17). Apelidados de "e-Trombose", sérios problemas vasculares podem emergir em pessoas que passam várias horas seguidas sentadas em frente a um computador (ou videogame), particularmente naquelas que possuem outros fatores de risco (ex.: COVID-19, doença causada pelo novo coronavírus, induz hipercoagulabilidade, microangiopatia e tromboembolismo). É estimado que para cada hora de imobilidade em frente ao computador, o risco de tromboembolismo venoso é aumentado em 1,08x (Ref.15).
Para exemplificar, podemos citar um relato de caso publicado em 2013 no periódico Journal of Medical Case Reports (Ref.18). Um homem de 31 anos de idade apresentou-se ao hospital com um histórico de três dias de dor e inchaço na perna após jogar no PlayStation por quase 8 horas por dia por quatro dias consecutivos, aproveitando um feriado prolongado. O paciente reportou que ficava jogando de forma contínua, sem sair da cama (onde ficava sentado e com as pernas esticadas). No segundo dia, ele desenvolveu dor na perna esquerda com um inchaço associado na panturrilha e eritema, mas, apesar do crescente desconforto, continuou jogando. Não existia histórico de trauma na sua perna esquerda, cirurgia recente, ou trombose venosa prévia. Também não havia histórico na família de trombose venosa.
No exame médico, foi observado um notável inchaço na perna com veias superficiais dilatadas. Ultrassom Doppler confirmou uma extensiva trombose venoso profunda envolvendo a origem da veia ilíaca comum esquerda até o nível da veia femoral esquerda distal e veia safena longa, com características indicando completa oclusão. O paciente foi orientado a tomar anticoagulantes com enoxaparina subcutânea, e subsequentemente foi submetido a uma trombólise (injeção de uma substância no local onde um coágulo se forma para que este se dissolva) com heparina e urocinase.
Em ordem de minimizar o risco de um evento trombótico durante o trabalho ou jogo, especialistas recomendam uma estação de trabalho (ou jogo) ergonomicamente adequada, uma posição sentada confortável (evitando manter uma posição de pernas cruzadas), levantar a cada 60 minutos e andar por cerca de 5-10 minutos e/ou realizar exercícios físicos por um tempo (ex.: agachamento, subir e descer na ponta dos pés), evitar usar calças muito apertadas que possam comprometer o fluxo sanguíneo nas extremidades, reduzir o uso de computador ou de televisão exceto se for para trabalho ou estudo, evitar o uso de tabaco.
É aconselhável consultar um médico em caso de inchaço unilateral e/ou dor nas pernas ou falta de ar após uso prolongado de computador (ou videogame).
CONCLUSÃO
O sedentarismo é claramente um importante fator de risco para diversos problemas crônicos de saúde. É ainda incerto se o tempo total sentado é um fator independente de risco à saúde, mas períodos prolongados e contínuos sentados - e também em pé - parecem impactar negativamente nossa saúde, especialmente a saúde vascular. Movimentar o corpo constantemente - sair de diferentes posturas de repouso - e manter um nível suficiente de exercícios físicos regulares pode ajudar a prevenir diversos problemas, incluindo sérios quadros trombóticos e vasculares. A contração muscular induzida pelas atividades físicas possui efeitos opostos em relação aos mecanismos associados com o ato de sentar de forma prolongada, promovendo o metabolismo energético e a vasodilatação. Especialistas recomendam uma parada de 2-3 minutos a cada 30 minutos sentado (Ref.7), aproveitando esse intervalo para andar ou realizar algum exercício físico.
REFERÊNCIAS CIENTÍFICAS
- https://www.betterhealth.vic.gov.au/health/healthyliving/the-dangers-of-sitting
- https://www.nhs.uk/live-well/exercise/why-sitting-too-much-is-bad-for-us/
- https://onlinelibrary.wiley.com/doi/full/10.1111/cas.14304
- https://bjsm.bmj.com/content/53/6/377.abstract
- https://bjsm.bmj.com/content/53/16/1039.abstract
- https://journals.humankinetics.com/view/journals/krj/8/1/article-p70.xml
- https://www.mdpi.com/1660-4601/16/23/4762
- https://www.pnas.org/content/117/13/7115
- https://www.sciencedirect.com/science/article/abs/pii/S0002914918319714
- https://www.ahajournals.org/doi/full/10.1161/HYPERTENSIONAHA.118.11190
- https://medlineplus.gov/ency/article/000203.htm
- https://journals.lww.com/nursing/Fulltext/2019/12000/Chronic_venous_insufficiency__A_review_for_nurses.8.aspx
- https://my.clevelandclinic.org/health/diseases/16872-chronic-venous-insufficiency-cvi
- Andrew Lalchhuanawma, Divya Sanghi. The effect of strength training of the calf muscle pump on cardiovascular parameters. 2020, Vol.8, P. 26-30.
- Demirci et al. (2021). Clinical and Applied Thrombosis/Hemostasis. https://doi.org/10.1177%2F10760296211028282
- Sueta et al. (2020). eThrombosis: A new risk factor for venous thromboembolism in the pandemic era. Research and practice in thrombosis and haemostasis, 5(1), 243–244. https://doi.org/10.1002/rth2.12447
- Franch-Llasat et al. (2021). e-Thrombosis in the COVID-19 era: Collateral effects of confinement [e-Thrombosis en época COVID-19. Efectos colaterales del confinamiento]. Medicina Intensiva, 45(2), 122–124. https://doi.org/10.1016/j.medine.2020.08.005
- Chang et al. (2013). Extensive deep vein thrombosis following prolonged gaming (‘gamer’s thrombosis’): a case report. J Med Case Reports 7, 235. https://doi.org/10.1186/1752-1947-7-235