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Napoleão, Batalha de Waterloo e o vulcão Monte Tambora


- Atualizado no dia 26 de novembro de 2023 -

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          No dia 18 de junho de 1815, os canhões gritaram e o destino da Europa foi decidido em sangue e pólvora. Em um campo lamacento na Bélgica, duas imponentes figuras se chocaram: Wellington, com o seu exército Britânico e Aliado, e o temido Napoleão, com sua Guarda Imperial Francesa. Mais de 20 anos de conflitos sangrentos no continente Europeu culminaram nesse fatídico dia. A França finalmente foi derrubada.

          A Batalha de Waterloo é possivelmente a mais bem documentada batalha de todos os tempos, e continua sendo fervorosamente discutida no meio acadêmico e chamando a atenção de vários curiosos. Hoje é um consenso entre os historiadores que as condições chuvosas e o terreno lamacento desfavoreceram Napoleão e ajudaram na vitória dos Aliados. E a violenta erupção de um vulcão na Indonésia parece ter sido a responsável por inundar a Europa em pesadas chuvas não esperadas pelo grande Imperador Francês.

  • OBS.: A parte inicial deste artigo trará um breve resumo da figura histórica de Napoleão Bonaparte, dos eventos que levaram à Batalha de Waterloo e dos acontecimentos que marcaram o dia 18 de junho de 1815. Na segunda parte do artigo ('Mal Tempo'), o novo estudo será explorado.  

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   EUROPA, NAPOLEÃO E WATERLOO

          Após a Revolução Francesa de 1789, a Europa foi arrastada para uma guerra que durou longos 25 anos. Tentativas iniciais para frear a inflamada e revolucionária França levou a uma série de conflitos baseados em sucessivas coalizões de potências Europeias que tentavam a todo custo lidar com as ambições expansionistas de Napoleão, o poderoso Imperador da França desde 1804.


   NAPOLEÃO

          Napoleão Bonaparte nasceu no dia 15 de agosto de 1769, na região de Córsega, a quarta maior ilha do Mar Mediterrâneo e a qual estava ocupada pelo Reino da França desde 1768 (pertencia antes à Itália). Seu pai era Carlo Maria di Buonaparte e sua mãe, Maria Letizia Ramolino. O pai de Napoleão fortemente suportava a resistência Córsega, a qual era liderada por Pasquale Paoli, porém acabou mudando completamente de ideia quando Paoli resolveu fugir da ilha com medo pela sua vida. Carlo Maria até mesmo mandou seus dois filhos, Joseph e Napoleão, para a Faculdade Francesa d´Autun.

          Após alguns anos em d´Autun, Napoleão foi aceito em uma Faculdade militar em Brienne, frequentando-a durante 5 anos, e sendo transferido finalmente para a academia militar em Paris. Ganhando uma comissão como um oficial de artilharia, em 1786 Napoleão acabou retornando para Córsega - motivado pela morte do pai em 1785 - visando cuidar da família.

          De volta à sua terra natal, Napoleão acabou dando suporte para Paoli, este o qual tinha retornado para Córsega para liderar os Nacionalistas em uma guerra civil contra o domínio Francês. Porém, o desentendimento de ideias entre Paoli e Napoleão era tão grande, que esse último resolveu abandonar os Nacionalistas e apoiar o governo Francês. Com isso, Napoleão eventualmente levou sua família para a França e adotou a versão Francesa do seu sobrenome, 'Bonaparte'.

          Entrando como oficial no exército Francês, Napoleão se juntou à sua unidade militar em Nice no ano de 1793, dando seu suporte político para os Jacobinos, um partido progressivo e cada vez mais popular após a Revolução Francesa. Liderados por Maximillien de Robespierre, os Jacobinos passaram a controlar o governo em maio de 1793, levando a um período conhecido como Reino do Terror, onde quase 20 mil opositores políticos foram guilhotinados e focos de resistência suprimidos com extrema violência. Em julho de 1794, os Jacobinos foram derrubados do poder, com Robespierre e outros 21 associados executados. Para a sorte de Napoleão, ele tinha desistido de apoiar os Jacobinos antes destes caírem, o que evitou que fosse também executado

          A partir daí, as boas relações de Napoleão o fizeram ficar muito querido do governo, especialmente após defendê-lo de combatentes contra-revolucionários em 1795, liderando com maestria sua unidade militar. Isso fez com que ele fosse nomeado comandante do Exército do Interior e um confiável conselheiro militar do governo. Em 1796, o Exército da Itália, então uma nação cliente da França, foi colocado sob o comando de Napoleão, este o qual treinou bem os novos 30 mil homens e os liderou em vitórias contra a Áustria. No processo, a força militar Italiana ampliou substancialmente a fronteira Francesa.



         Com o objetivo de prejudicar o comércio Britânico fora da Europa, Napoleão foi enviado para o Oriente Médio em 1798. Porém, sua campanha militar na região foi um fracasso, o que levou a Áustria, o Reino Unido, a Turquia e a Rússia a tentarem uma investida, aproveitando o momento de baixa auto-estima do exército Francês. Esses países formaram uma coalizão, derrotando a França em 1799 na península Italiana e obrigando-a a ceder a maior parte dos seus territórios nessa região. Essa nova derrota também fomentou um grande descontentamento popular dentro da França, com os Jacobinos aproveitando a situação para iniciar um golpe e tomar o controle do país. No contra-ataque, Napoleão retornou em outubro do mesmo ano e armou com um membro do novo governo instaurado um segundo golpe, este o qual teve sucesso e o colocou - junto com outros dois aliados - no poder. Com a França nas mãos, Napoleão supervisionou a adoção de uma nova Constituição em 1800, e a criação de um cargo conhecido como 'primeiro cônsul', basicamente levando a uma ditadura.

          Napoleão agora tinha a autoridade para apontar generais, governadores, empregados civis, juízes e membros dos corpos legislativos. O novo todo poderoso do Reino Francês conduziu reformas em todos os setores, incluindo a reinstituição do Catolicismo Romano como a religião do Estado. Alcançando paz nas fronteiras fora da França e suas reformas se tornando extremamente populares no país, uma eleição de 1802 foi feita e garantiu o cargo vitalício de primeiro cônsul para Napoleão. Em 1804 ele foi coroado Imperador da França.

            A paz segurada por Napoleão durou pouco. Como sempre, a França e o Reino Unido voltaram a se chocar militarmente em 1803, e pouco tempo depois a Áustria e a Rússia resolveram também se juntar à confusão em apoio aos Britânicos. Napoleão originalmente tinha um plano para invadir a Inglaterra, mas devido a uma derrota naval, ele resolveu, ao invés disso, concentrar sua fúria contra o Leste Europeu. Derrotando as forças da Áustria e da Rússia em Austerilitz, Napoleão conseguiu assegurar no poder aliados em Nápoles, Suécia, Holanda, Itália, Vestfália e Espanha.

          A invencibilidade militar de Napoleão viria a encontrar seu fim no início da década de 1810, onde várias derrotas destruíram o orçamento nacional da França, especialmente após a Batalha de Leipzig, em 1813. Para piorar, na desastrosa tentativa de invasão da Rússia no inverno de 1812, Napoleão tinha perdido mais de 590 mil homens aptos para luta, ficando com menos do que 10 mil em condições mínimas de combate. Isso fomentou a investida de vários dos inimigos do Imperador Francês, tanto internamente quanto externamente, com o Reino Unido arrancando diversos territórios da França pela Europa e adversários políticos tentando um novo golpe enquanto Napoleão estava ocupado enfrentando o temível inverno Russo.

           Com recursos, moral e influência limitados, e com uma extrema tensão dentro e fora do seu Império, Napoleão se rendeu em 30 de março de 1814 e abdicou do poder em abril do mesmo ano, sendo então exilado da França para uma ilha chamada Elba.

          Mas quase 1 ano mais tarde, Napoleão ignorou seu exílio e retornou para Paris, onde acabou encontrando o feliz clamor do povo pelo seu retorno. Inflamado com nova vontade de reerguer a glória do Reino Francês, Napoleão mais uma vez levou as forças militares da França para a batalha, derrotando as forças Prussianas na Bélgica, mas encontrando uma amarga e final derrota em Waterloo.


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   BATALHA DE WATERLOO

          Novamente na liderança da França e muito ambicioso, o retorno triunfante de Napoleão deflagrou mais uma vez a fúria da Rússia, Áustria, Prússia e Reino Unido, ávidos em derrubá-lo mais uma vez. Eles então se uniram e resolveram juntar o maior número possível de soldados para a formação de um super exército cujo objetivo era atropelar as forças militares Francesas sem chances de recuperação. Percebendo isso, Napoleão decidiu que a melhor chance de vitória era atacar sem perda de tempo, antes que os exércitos se reunissem.

          Nesse sentido, o Imperador Francês rapidamente desferiu um ataque na Holanda e colocou 128 mil soldados, da Armée du Nord, para cruzar as fronteiras no dia 15 de junho. Após dois pequenos embates no dia 16 de junho, uma gigantesca batalha eclodiu no dia 18 de junho em Waterloo, na Bélgica.



          Perseguido pela força principal de Napoleão, Wellington e seu exército seguiram em direção à vila de Waterloo. Apesar de derrotados, os 48 mil Prussianos restantes da batalha anterior em Ligny (formados por uma mistura de veteranos, milícia e unidades de reserva) ainda estavam em boa forma, algo subestimado pelo Napoleão, e seguiram ao encontro de Wellington, este o qual decidiu então defender sua posição no dia 18 de junho com a promessa de reforços Prussianos.

          Usando táticas experimentadas e otimizadas durante a Guerra Peninsular (1807-1814), Wellington posicionou a maior parte das suas forças atrás dos sulcos do Monte Santo Jean, para ficarem fora do campo de visão do inimigo e longe do alcance da artilharia. O resto do seu exército ficou defendendo três posições no fronte do sulco.

          Enquanto isso, a oeste, estava a região do Casarão de Hougoumont, guarnecida por Sentinelas Britânicos e pela Infantaria Leve Germânica. No centro, estava a fazenda de La Haye Sainte, defendida também por soldados Germânicos e Britânicos pesadamente armados. No fim leste do sulco ficava o pequeno vilarejo de Papelotte, ocupado pelas tropas Germânicas do Ducado de Nassau.

          Com esse cenário de batalha, Napoleão planejou conduzir um ataque de distração contra Hougoumont, esperando que Wellington enfraquecesse suas forças ao mandar reforços para essa região em ajuda aos aliados. Nesse momento, Napoleão levaria um gigantesco ataque contra as forças Anglo-Aliadas. Porém, o revés já começou para o lado do Imperador Francês quando este teve que atrasar a movimentação inicial de ataque até às 11:00 da manhã para esperar o chão ficar minimamente seco (ao longo de toda a noite anterior, uma pesada chuva caiu sobre Waterloo, deixando o terreno completamente encharcado - o qual, aliás, já estava úmido por causa das contantes e anormais chuvas atingindo a Europa desde maio).



          Às 11:30 da manhã, seguindo um grande bombardeio de artilharia - parcialmente inefetivo contra a posição de Wellington devido ao chão encharcado - Napoleão lançou seu ataque de distração contra Hougoumont. Encarando o casarão fortemente defendido pelas forças Britânicas, os Franceses não conseguiram tomar a posição, com boa parte dos soldados morrendo sob os tiros inimigos ininterruptos.

          Às 13:30, os Franceses atacaram o centro esquerdo dos Aliados, repelindo com sucesso as forças Belga-Holandesas, mas pouco tempo depois sendo surpreendidos pela infantaria Britânica ao subirem uma das elevações que formavam o sulco do Monte Santo. Impedidos de avançarem, as tropas Francesas foram contra-atacadas pela pesada cavalaria Britânica, esta a qual, por sua vez, foi dilacerada pela contra-ofensiva da cavalaria Francesa.




          Já pelas 15:00, notícias de que os Prussianos tinham chegado forçaram Napoleão a formar uma linha defensiva à sua direita. Acreditando que as tropas Aliadas estavam recuando, Napoleão enviou a cavalaria Francesa para atacar a infantaria de Wellington. No entanto, por causa do terreno muito encharcado, as forças Francesas tiveram grande dificuldade em avançar e os canhões ficaram agarrados na pesada lama. Com isso, apesar dos Britânicos sofrerem baixas militares substanciais devido ao fogo de artilharia, eles conseguiram deter a investida Francesa.

          Em paralelo a essa ofensiva contra os Britânicos, os Prussianos continuaram chegando pelo lado direito de Napoleão, forçando este a desviar mais tropas para conseguir lidar com as duas frentes de batalha. Em torno de 18:00, os Franceses capturaram La Haye Sainte, severamente enfraquecendo a posição de Wellington, cuja parte central, sob pesado fogo, começou a colapsar. Com isso, o comandante Francês Marshal Ney chamou por reforços para aproveitar essa vantagem e derrubar de vez Wellington. Porém, Napoleão decidiu primeiro enviar tropas para recapturar a vila de Plancenoit dos Prussianos. Isso deu Wellington tempo para fortalecer sua posição.

          Vendo seu erro, Napoleão, às 19:00, tentou sua última investida para a vitória, liberando sua melhor tropa, a Guarda Imperial, contra Wellington. Marchando pelo sulco entre Hougoumont e La Haye Sainte, Napoleão cometeu outro erro e escolheu atacar onde Wellington era mais forte. Sob pesado fogo das forças Britânicas, a Guarda  Imperial foi dilacerada, e essa derrota teve graves consequências, espalhando pânico para o resto do exército Francês e eventual recuo. Somando-se a isso, Napoleão estava sofrendo de uma terrível hemorroida aquele dia, a qual só piorava com os estressantes eventos (fato que os historiadores acreditam ter sido também um fator de substancial prejuízo para o desempenho do Imperador Francês) (Ref.9, 12-13).

          A partir desse momento, as forças Francesas foram para defensiva, tentando aguentar as ondas de ataque dos Aliados, principalmente da cavalaria Prussiana, pelo resto da noite. Napoleão perdeu quase 40 mil homens - mortos, feridos ou capturados. No lado dos Aliados, as perdas ficaram em torno de 22 mil. Dezenas de milhares corpos de soldados e cavalos se amontoaram nos terrenos lamacentos de Waterloo no final do dia, muitos dos quais foram enterrados ou queimados ali mesmo.




          Napoleão estava derrotado. Apesar de tentar se reerguer depois ao voltar para a França, ele foi forçado a abdicar do poder quando as forças Aliadas tomaram Paris no dia 7 de julho. Novamente exilado, Napoleão passou o resto da sua vida na ilha de Santa Helena, no Atlântico Sul, morrendo no dia 5 de maio de 1821.

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   MAU TEMPO 

          Os historiadores sabem que as condições muito chuvosas e consequente terreno lamacento ajudaram crucialmente o exército Aliado a derrotar as forças de Napoleão no fatídico dia 18 de junho. Na noite anterior uma particular forte chuva tinha assolado a região Belga onde a batalha tomou lugar. Aliás, durante maio e junho, uma quantidade anormal de chuvas estava varrendo a Europa.

          Nesse sentido, um estudo publicado em 2018 no periódico Geology (Ref.10) trouxe evidências apontando uma forte ligação entre a erupção do vulcão Monte Tambora e as péssimas condições do campo de batalha para Napoleão.




          Dois meses antes da Batalha de Waterloo, o Monte Tambora acordou e protagonizou uma gigantesca erupção na ilha de Sumbawa, na Indonésia, matando cerca de 100 mil pessoas e causando uma significativa e temporária mudança no clima da Terra. O ano de 1816, por causa da massiva quantidade de partículas lançadas na atmosfera pela erupção, ficou marcado por um substancial escurecimento e resfriamento, "engolindo o verão e prolongando o inverno" (segundo relatos da época). 

          As grandes erupções vulcânicas causam mudanças climáticas de curto prazo na Terra devido à ascensão convectiva de aerossóis para a estratosfera, uma região onde essas partículas ficam por longos períodos em suspensão sem serem muito incomodadas, bloqueando parcialmente a radiação solar e afetando a formação de nuvens (1). As plumas vulcânicas podem alcançar altitudes de até 50 km, dentro da atmosfera, injetando pesadamente essas partículas nessa camada.


          No entanto, até o momento, pensava-se que as partículas lançadas pelas atividades vulcânicas não poderiam alcançar/afetar camadas além da estratosfera - como a ionosfera - por causa da inversão de temperatura agindo como uma barreira para a contínua ascensão dos particulados. No entanto, a frequente ocorrência de raios vulcânicos (2) durante explosivas erupções sugere que as colunas de gases e particulados ejetados carregam uma significativa quantidade de cargas elétricas, as quais podem produzir forças não-térmicas e afetar a ascensão de partículas de cinzas carregadas.

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(!) ELETRIFICAÇÃO VULCÂNICA

Cinzas vulcânicas, a porção do material fragmenta nas erupções (piroclasto) com diâmetros menores do que 2 mm, são considerados os principais antes transportadores de carga elétrica nas plumas vulcânicas. Mecanismos para a eletrificação da cinza vulcânica incluem : eletrificação fractal, tribo-eletrificação (eletricidade de contato), interação com água e hidrometeoros, e radioatividade natural. A contribuição relativa desses mecanismos na coluna de erupção não são ainda bem esclarecidos, mas dois deles são considerados de particular importância: eletrificação fractal - onde cargas elétricas são produzidas na fratura de rochas e cristais - e tribo-eletrificação - onde cargas elétricas são produzidas por colisão e fricção entre partículas vulcânicas. Para uma revisão desses mecanismos, acesse a Ref.14

 
Exemplos de raios vulcânicos em diferentes vulcões ao redor do mundo. Da esquerda superior para a direita: Surtsey em 1963, Islândia; Eyjafjallajökull em 2010, Islândia; Taal em 2020, Filipinas; Sakurajima em 2015, Japão; Cumbre vieja at La Palma em 2021, Ilhas Canários; e Etna em 2013, Itália. Ref.14 

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          Estudos já mostraram que as plumas vulcânicas das grandes erupções podem ter uma rede de carga de até 10 coulombs (C), e que ocorre uma efetiva separação dessas cargas dentro do sistema, com os gases vulcânicos comumente carregados com cargas positivas e as cinzas (aerossóis e outros detritos) carregadas negativamente. Dentro de um campo elétrico, partículas carregadas podem ser levitadas (levitação eletrostática).

           Sabendo disso, o pesquisador Matthew J. Genge, do Departamento de Ciências da Terra e Engenharia, do Imperial College London, resolveu simular essas levitações eletrostáticas dentro das plumas vulcânicas e verificar se era possível a ascensão das partículas ejetadas até a ionosfera. Após a análise da dinâmica das partículas no caótico ambiente das plumas, Matthew mostrou que os particulados com menos de 500 nm de diâmetro conseguem alcançar altitudes que vão além da estratosfera. Em específico, partículas com diâmetros de 50, 100 e 500 nm das colunas de erupção com uma carga total de -10 C conseguem alcançar altitudes de 110, 90 e 60 km, respectivamente, e dentro de períodos de ~2 horas. Em outras palavras, os particulados podem facilmente alcançar a ionosfera.


          Algo que limitaria esse processo de levitação seria a relaxação de cargas dos particulados carregados negativamente ao interagirem com íons carregados positivamente já presentes na atmosfera. Mas como em grandes erupções vulcânicas as cinzas são basicamente compostas de sílica e dominadas por vidro formado pelas altas temperaturas (incluindo os raios vulcânicos), essa relaxação de cargas acabaria sendo reduzida, já que ambos os compostos são isolantes elétricos. Isso permite que o tempo de levitação eletrostática seja grande o suficiente para os particulados atingirem a mesosfera.

          Alcançando a atmosfera, as partículas vulcânicas carregadas negativamente reduziriam a densidade de íons positivos na atmosfera. Uma super erupção - envolvendo a ejeção de ~1011 toneladas de pluma - pode injetar quantidades de cinzas na alta atmosfera de até 500 toneladas, e saturadas de partículas com diâmetro de 200 nm, algo que representa a quantidade total de cargas armazenadas no circuito elétrico global de 5 x 105 C (sendo esse sistema capacitor formado pela ionosfera e o solo terrestre). Isso provavelmente levaria a um colapso do potencial elétrico atmosférico.

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ERUPÇÃO DO TONGA

Na massiva erupção do vulcão Hunga Tonga-Hunga Ha'apai em 15 de janeiro de 2022, no Oceano Pacífico Sul, a atividade de raios dominou a ocorrência natural de raios a nível global (50-60% da atividade) por um período de pelo menos 1 hora e causou dramáticas mudanças nos circuitos elétricos globais de corrente direta (AC) e alternada (DC) (Ref.15). Essa erupção causou perturbações na ionosfera e uma porção das cinzas vulcânicas alcançou excepcionais altas altitudes, atravessando a estratosfera. É estimado que a explosão mandou cinza vulcânica até a mesosfera, em altitudes de até 57 km (um recorde no registro histórico de satélites).

Imagem capturada pelo satélite GOES-West da erupção do vulcão Hunga Tonga. Essa erupção injetou cerca de 146 teragramas de vapor de água na estratosfera - cerca de 10% da quantidade de água presente nessa camada atmosférica. Isso foi possível porque o vulcão estava situado 150 metros abaixo do nível do mar. Isso pode ter efeitos de longo prazo no clima, potencialmente potencializando o aquecimento global em limitada extensão devido ao fato do vapor d´água ser um potente gás estufa. Ref.16

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          O potencial elétrico atmosférico modera a formação de nuvens devido aos seus efeitos na microfísica das nuvens, em particular na formação de núcleos de nuvem através de fluxos de correntes verticais iônicas, ionização dos núcleos de nuvem em crescimento e carregamento de gotas. Com a interferência das partículas vulcânicas carregadas, a formação das nuvens seria prejudicada, levando a um gradual aumento da concentração de moléculas de água na atmosfera (como essas não estão se juntando para a formação de nuvens, a chuva não ocorre, prendendo a água na atmosfera). Portanto, por um curto período de tempo após a erupção, as chuvas ficariam bem menos frequentes.

          Quando a ionosfera se recupera após os eventos desencadeados pela enorme erupção vulcânica, a capacidade de produção de nuvens volta ao normal. E, com a maior quantidade de água na atmosfera, as nuvens são produzidas em grande número e volume, levando a pesados eventos de chuva por curtos períodos e menor temperatura global (mais e maiores nuvens, mais radiação solar sendo refletida de volta para o Espaço).

          Para trazer evidências que sustentem sua hipótese, Matthew mostrou que a erupção do Krakatau no ano de 1883, na Indonésia, gerou mudanças climáticas que seguiram bem seu modelo proposto baseado na levitação eletrostática e seus efeitos na ionosfera, incluindo uma anormal menor incidência de chuvas seguindo a erupção (provavelmente por causa da maior supressão na formação de nuvens) e evidências indiretas da injeção de particulados na mesosfera (formação de nuvens polares mesosféricas).

          E, onde estávamos querendo chegar, outro evento climático na Europa pode estar diretamente ligado às levitações eletrostáticas de partículas vulcânicas. Os meses de maio e junho de 1815 estiveram notavelmente chuvosos na Europa, seguindo o fim da erupção do vulcão Tambora, também na Indonésia, em abril. Como os aerossóis sulfato não alcançaram a Europa até o ano de 1816, as anormalidades climáticas observadas no continente Europeu podem ser explicadas pela supressão e subsequente recuperação na capacidade de formação das nuvens devido à levitação de partículas carregadas.

          Com chuvas mais fortes, especialmente na noite anterior à Batalha de Waterloo, as táticas de guerra do Napoleão foram substancialmente prejudicadas, como de fato ficou notável em pontos cruciais dos conflitos travados no dia 18 de junho. Os terrenos muito encharcados não eram esperados para esse período do ano, prejudicando imensamente o avanço das tropas e cavalarias Francesas.

          Se a hipótese baseada em  levitação eletrostática de partículas vulcânicas proposta por Matthew seja confirmada, os os inimigos da França tiveram outro Aliado, e bem distante do território Europeu. Essa confirmação pode ser também crucial para melhorar modelos meteorológicos e climáticos.



REFERÊNCIAS
  1. https://www.nam.ac.uk/explore/battle-waterloo
  2. https://ehistory.osu.edu/biographies/napoleon-bonaparte 
  3. https://cudl.lib.cam.ac.uk/collections/waterloo/1 
  4. https://www.bjmh.org.uk/index.php/bjmh/article/view/116/90
  5. http://www.lancashireinfantrymuseum.org.uk/waterloo/
  6. https://napoleon.versaillesarras.com/en/artworks/marie-louise-empress-french-1791-1847-and-king-rome-1811-1832 
  7. https://library.brown.edu/cds/askb/waterloo/hundred.html
  8. https://www.artuk.org/discover/artworks/napoleon-at-waterloo-95072
  9. https://library.missouri.edu/news/special-collections/the-battle-of-waterloo
  10. Genge, M. J. (2018). Electrostatic levitation of volcanic ash into the ionosphere and its abrupt effect on climate. Geology, 46 (10): 835–838. https://doi.org/10.1130/G45092.1
  11. https://www.imperial.ac.uk/news/187828/napoleons-defeat-waterloo-caused-part-indonesian/
  12. https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC3057743/
  13. https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/3282839
  14. Cimarelli & Genareau (2022). A review of volcanic electrification of the atmosphere and volcanic lightning. Journal of Volcanology and Geothermal Research, Volume 422, 107449. https://doi.org/10.1016/j.jvolgeores.2021.107449
  15. Bozóiki et al. (2023). Responses of the AC/DC Global Electric Circuit to Volcanic Electrical Activity in the Hunga Tonga-Hunga Ha'apai Eruption on 15 January 2022. JGR Atmospheres, Volume 128, Issue 8, e2022JD038238. https://doi.org/10.1029/2022JD038238 
  16. Millián et al. (2022). The Hunga Tonga-Hunga Ha'apai Hydration of the Stratosphere. Geophysical Research Letters, Volume 49, Issue 13, e2022GL099381. https://doi.org/10.1029/2022GL099381