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Por que nós e outros primatas temos unhas?


- Atualizado no dia 20 de setembro de 2020 - 

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          Presente em todos os nossos dedos, geralmente lembramos das unhas quando queremos coçar alguma parte do nosso corpo, quando estão muito grandes - e imploram por um corte -, ou quando queremos pintá-las para enfeitar as mãos. Mas não apenas os humanos, como a maioria dos primatas hoje vivos possuem essas estruturas de queratina achatadas nos dedos - mesmo que não seja em todos - ao invés de afiadas garras típicas dos outros mamíferos não-ungulados (sem cascos). Qual o motivo evolucionário para termos perdido as garras e conquistado as unhas?

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   UNHAS NOS HUMANOS

          A anatomia da unha humana - muito similar às unhas de outros primatas superiores - engloba tanto a placa da unha em si quanto os tecidos que dão suporte para o crescimento da unha. A placa da unha é uma forma modificada do estrato córneo, fornecendo uma estrutura laminada e queratinizada sobre a matriz e a cama da unha,estas duas últimas as quais são tecidos altamente vascularizados. Curvada nos eixos longitudinal e transversal, isso permite que as unhas sejam acomodadas nas dobras de tecido nas margens lateral e proximal, o que fornece forte anexação e torna as beiras ferramentas úteis; essa característica é mais marcante nos dedos dos pés - especialmente o dedão - do que nos dedos das mãos, fornecendo a força apropriada para os pés no sustento do peso corporal e locomoção.



          As unhas das mãos crescem em média 3,5 milímetros por mês (mm/mês), uma taxa bem mais rápida do que as unhas dos pés (~1,6 mm/mês). Não existem evidências científicas suportando a ideia de que uma suplementação extra com vitaminas e/ou minerais acelerem esse crescimento ou tornem as unhas mais fortes ou "mais vistosas". É um mito também achar que unhas - assim como fios de cabelo - continuam crescendo nos cadáveres, já que a produção de substrato para a placa da unha é cessada após a morte; o que acontece é que com o ressecamento do corpo, as unhas e cabelos ficam mais expostos, dando a falsa impressão de crescimento.

          Diversas condições de saúde podem causar deformações ou problemas funcionais nas unidades das unhas. Envenenamento por monóxido de carbono, por exemplo, produz uma cama da unha de um vermelho bem intenso, devido à forte cor avermelhada da carboxihemoglobina.

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   UNHAS E OS PRIMATAS

          A grande habilidade manual dos humanos é fortemente otimizada pela presença das unhas, as quais estão associadas com almofadas apicais bem desenvolvidas. No entanto, a presença das unhas não é única aos humanos, sendo um dos mais marcantes traços que unem quase todos os primatas hoje existentes. Exceções no clado dos primatas incluem a presença de uma estrutura semelhante à morfologia das garras no aie-aie (Daubentonia madagascarensis), nos saguis e tamarinos (família Callitrichidae), e, mais recentemente confirmado, em espécies de macaco do gênero Pithecia (Ref.7). Além dessas exceções - as quais evoluíram provavelmente de primatas ancestrais já com unhas - temos diversos grupos de primatas que conservaram garras em alguns dedos e unhas em outros.





> Curiosidade: Além de garras nos dedos, o aie-aie exibe um longo dedo do meio que esse primata usa inclusive para enfiar no nariz, podendo alcançar a garganta! Confira no vídeo abaixo:

            

          Somando-se a isso, a estrutura queratinizada suportada pela falange distal no segundo dedo do pé pode assumir um  formato bem distinto dependendo do gênero sendo analisado. Em alguns primatas, a estrutura lembra mais uma garra dorsalmente projetada do que uma unha achatada, sendo referida como 'garra de limpeza' ou 'unha de banheiro', refletindo seu uso para o desembaraço da pelagem ou para coçar os pelos ao redor da cabeça e do pescoço. Lêmures, lóris, gálagos (os três da subordem Strepsirrhini), macacos-corujas (Aotus) e macacos-titi (Callicebus) são todos exemplos de primatas com essas estranhas unhas. Os társios (gênero Tarsius) são uma notável exceção por possuírem unhas similares a essas 'garras de limpeza' tanto no segundo quanto no terceiro dedos dos pés; entre os primatas antropoides (incluindo humanos), eles parecem ser os únicos que possuem esse tipo de unha.





          As unhas provavelmente evoluíram próximo da origem dos primeiros primatas, mas exatamente quando, por que, e quantas vezes durante as diversificações ainda não é totalmente esclarecido. As garras são um grande auxiliar na escalação de árvores para os mamíferos, especialmente por permitir que os animais cravem sua posição sem a necessidade de se agarrarem à medida que sobem grandes diâmetros verticais (trocos muito grossos, por exemplo). Portanto, a substituição das garras por unhas em linhagens altamente arbóreas (primatas em específico) é bastante curiosa.

          Algumas hipóteses já sugeriram que a presença de garras dificulta importantes funções de pegada nas mãos e nos pés características dos primatas. Nesse caso, as unhas são consideradas de serem resultado de pressões seletivas do ambiente contra as garras. Porém, existem evidências indicando que os mamíferos carregando garras ou estruturas similares na ponta dos dedos ainda são capazes de reproduzir em significativo grau os comportamentos vistos nos primatas. Além disso, perda das garras não necessariamente resulta em unhas, já que alguns mamíferos escaladores perderam quaisquer tipos de estruturas queratinosas no final das suas falanges.

          Outras hipóteses explicam a presença das unhas como o resultado passivo de expansão da ponta dos dedos (tecido não rígido nesse caso) para otimizar as funções de exploração do ambiente - como as funções táteis - ou simplesmente associada com mudanças no tamanho corporal dos primatas. Nesse último caso, é válido mencionar também que a espécie Tarsipes rostratus - um marsupial da família Tarsipedidae de pequena massa (~9 g) - é um mamífero que possui uma estrutura queratinizada na ponta dos dedos similar às unhas nos primatas. Isso sugere que as pequenas dimensões corporais dos primeiros primatas na linhagem evolutiva facilitou a emergência das unhas (Ref.6), fortalecendo a hipótese do controle de forças (talvez uma ferramenta útil para manipular presas como insetos).

          Entre as vantagens oferecidas pelas unhas que podem ter fomentado a fixação desse traço anatômico nos primatas podemos citar:

- Papel de proteção: as unhas podem prevenir danos ou distorções na almofada dos dedos. Porém, társios possuem almofadas que se expandem muito além dos limites das unhas, o que enfraquece a importância do fator proteção das falanges terminais, apesar dele obviamente existir.

- Controle de forças: é sugerido que as unhas podem ser usadas para redistribuir forças aplicadas nas pontas dos dedos, auxiliar na percepção da direção em que as forças estão sendo aplicadas nos dedos, e na estabilização de presas (insetos) nas mãos de pequenos primatas.

- Habilidade manual: de fato, unhas são muito úteis para primatas com grandes habilidades manuais, como chimpanzés e humanos, principalmente em comportamentos como pegar e manusear pequenos objetos e descascar frutas.

          No geral, as unhas realizam diferentes funções em diferentes primatas dependendo do tamanho corporal, modo de locomoção e grau de habilidade manual. Mas o que primordialmente levou à emergência das unhas nos ancestrais primatas? Grande habilidade manual só emergiu bem mais tarde no clado dos primatas, tornando a exigência das unhas para essa tarefa em específico improvável como fomento de origem.

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   E AS GARRAS DE LIMPEZA?

          Um recente estudo publicado no periódico Journal of Human Evolution (Ref.5) encontrou evidências fósseis que antigos primatas - incluindo a espécie Teilhardina brandti, uma das mais antigas conhecidas - tinham tanto unhas achatadas típicas quanto 'garras de limpeza'. Isso derruba a hipótese de que os primeiros primatas há cerca de, no mínimo, 56 milhões de anos tinham unhas em todas as suas mãos e sugere que a transição das garras para as unhas foi mais complexa do antes pensado.

          Sempre foi muito sugerido que as garras de limpeza evoluíram das unhas achatadas, talvez por fatores evolutivos de seleção ou de não-seleção (deriva genética, por exemplo) (1). O novo achado fortalece que as garras de limpeza ofereciam vantagens desde o início da evolução dos primatas, especializando-se na tarefa não só de alinhar a pelagem como também de remover parasitas, como carrapatos.


          E por que os primatas que levaram à linhagem evolutiva dos macacos e primatas superiores (antropoides) perderam uma ferramenta tão útil? Uma possível resposta: porque nós temos uns aos outros. A perda da garra de limpeza é provavelmente um reflexo de redes sociais mais complexas e aumento das sessões grupais de limpeza da pelagem. Ou seja, esse tipo de unha parou de ser selecionada frente a outras adaptações morfológicas. Isso pode explicar porque o macaco-coruja e o macaco-titi re-evoluíram uma garra de limpeza, já que são espécies solitárias. Aliás, as garras de limpeza desses dois primatas são bem diferentes daquelas de primatas não-antropoides, fortalecendo a hipótese de que elas evoluíram de unhas achatadas.


       
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   CONCLUSÃO

          Ainda é incerto o porquê dos primatas terem perdido as garras e ganho unhas durante o percurso evolucionário, mas é provável que as unhas tenham melhor se adaptado aos movimentos arborícolas desses animais, já que não estão presentes apenas nas mãos. Durante subidas, pulos e pegadas entre os galhos das árvores, as unhas podem ter se provado ferramentas mais práticas do que garras, as quais podem ficar agarradas ou ficarem no caminho. Outras vantagens específicas - como melhora das habilidades manuais de manipulação de objetos - podem ter contribuído para a persistência das unhas ao longo da história evolutiva dos primatas, incluindo a linhagem de primatas não-arborícolas associada aos humanos modernos.


REFERÊNCIAS CIENTÍFICAS
  1. https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/24079579
  2. https://www.ncbi.nlm.nih.gov/books/NBK211/ 
  3. https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/19744178 
  4. https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/17763607
  5. https://www.sciencedirect.com/science/article/pii/S0047248417305134?via%3Dihub
  6. https://ir.stonybrook.edu/jspui/handle/11401/76955
  7. https://pb.copernicus.org/articles/7/19/2020/