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Ingerir bebidas muito quentes é um importante fator de risco para câncer de esôfago, apontam estudos


- Atualizado no dia 2 de maio de 2024 -

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          Em 2019, um notável estudo publicado no periódico International Journal of Cancer (Ref.5) trouxe mais uma forte evidência de de que o hábito de beber bebidas muito quentes - geralmente associadas aos chás - pode elevar e muito o risco de desenvolvimento de câncer de esôfago. Estudos subsequentes também vêm encontrado evidências convincentes dessa associação. Consumo de bebidas ou alimentos muito quentes é um provável agente carcinogênico, particularmente e significativamente aumentando o risco para carcinoma de células escamosas esofágicas.

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   CÂNCER E BEBIDAS QUENTES

          O esôfago é um tubo muscular que carrega alimentos da garganta até o estômago através de movimentos peristálticos. Cânceres nesse órgão matam mais de 500 mil pessoas ao redor do mundo e o tipo mais comum é o carcinoma esofágico de células escamosas (CCES). Só nos EUA, são 17290 casos de câncer de esôfago todos os anos e em 2015 foi estimado que 47284 pessoas estavam vivendo com a doença no país. O Brasil é um dos países com as maiores taxas de câncer de esôfago. A porcentagem de sobreviventes é muito baixa, em torno de 18-19% dos casos. Na Europa e na América, é principalmente causado pelo fumo de tabaco e pelo consumo alcoólico (1) - cerca de 90% dos casos -, e é mais comum em homens do que em mulheres. No entanto, estudos nos últimos anos vêm apontando outro importante fator de risco amplamente ignorado: o consumo de bebidas muito quentes, em específico chás.

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> Em 2020, estima-se >544 mil mortes de câncer esofágico e >604 mil novos casos, representando a 6° causa mais comum de morte por câncer e o 8° câncer mais comum. Nos EUA, ao longo de 5 anos pós-diagnóstico, a taxa de sobrevivência é de apenas 20%.

> Existem dois principais subtipos histológicos de câncer de esôfago: carcinoma esofágico de células escamosas e adenocarcinoma esofágico de células escamosas. O subtipo de maior predominância global é o carcinoma de células escamosas (~88% dos casos).

(1Leitura recomendada: Bebidas alcoólicas e o câncer
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          A Província de Golestan, no norte do Irã, possui umas das mais altas taxas de CCES no mundo, mas, ao mesmo tempo, apresenta taxas de fumo e de consumo alcoólico muito baixas, e as mulheres tendem a ter as mesmas chances de desenvolverem esse tipo de câncer do que os homens. Nessa região, o consumo de chá é altamente disseminando, algo que tem chamado a atenção dos cientistas. Nesse sentido, um estudo publicado em 2009 (Ref.2) analisou os hábitos de consumo de chá entre 300 pessoas diagnosticadas com CCES e 571 indivíduos saudáveis (controle) da mesma área. Quase todos os participantes bebiam chá preto regularmente, com um volume médio consumido de 1 litro por dia.

          Os resultados do estudo mostraram que comparado com quem bebia o chá morno (65°C ou menos), beber chá quente (65-69°C) estava associado com um risco 2 vezes maior de desenvolver câncer de esôfago, e beber chá muito quente (70°C ou mais) foi associado com um risco 8 vezes maior. Além disso, não foi encontrado uma associação entre a quantidade de chá consumida e o risco de câncer.

           No estudo de 2019 inicialmente mencionado neste artigo (Ref.5), de melhor qualidade e examinando a questão usando medidas da temperatura do chá de forma prospectiva e objetiva, reforçou essa associação encontrada no Irã. Para isso, 50045 indivíduos da região de Golestan com idades de 40 a 75 anos foram analisados por uma média de tempo de 10 anos. Durante esse período de acompanhamento, 317 novos casos de câncer de esôfago foram identificados. Comparado com quem bebia menos do que 700 ml de chá por dia a menos de 60°C, beber 700 ml ou mais de chá a uma temperatura igual ou superior a 60°C estava associado com um risco 90% maior de câncer de esôfago do tipo CCES.

          "Muitas pessoas gostam de beber chá, café e outras bebidas quentes. No entanto, de acordo com o nosso estudo, beber chá muito quente pode aumentar substancialmente o risco de câncer de esôfago, e, portanto, é aconselhável esperar bebidas muito quentes esfriarem um pouco antes de bebê-las," disse o autor principal do estudo, Dr. Farhad Islami, da Sociedade Americana de Câncer, em entrevista (Ref.4) .

          Apesar da evidente ligação entre consumo de chás quentes com o câncer de esôfago, alguns estudos têm encontrado que o risco parece depender da presença de outros cofatores (ação sinérgica) e da população sendo analisada. Um estudo de 2018, analisando dados médicos de 456155 Chineses ao longo de 9,2 anos mostrou que o consumo de chás a altas temperaturas junto com o consumo alcoólico excessivo e com o fumo podia aumentar em mais de 5 vezes o risco de câncer de esôfago (Ref.3). Para consumidores leves de bebidas alcoólicas e fumantes o risco foi de 1,6 vezes maior, e para os consumidores pesados de bebidas alcoólicas não-fumantes o risco foi de 2,3 vezes maior. Todos os valores de aumento de risco foram maiores do que quando os cofatores eram analisados isoladamente. Porém, quando ambos os cofatores de risco eram eliminados da análise, os chás quentes não mais apareciam como significativo fator de risco. Porém, os grupos de análise - incluindo o controle - dentro desse estudo eram muito desproporcionais em tamanho, o que pode ter mascarado o efeito isolado dos chás quentes.

          Saindo do Irã e da China, no Japão um estudo de 1998 (Ref.6) - provavelmente o primeiro estudo prospectivo sobre a questão -, ao analisar 220272 mulheres e homens com idades de 40 a 69 anos, com dados acumulados desde 1965, mostraram que beber chás quentes estava associado com um risco 1,6 maior de desenvolver câncer de esôfago quando comparado com pessoas não-fumantes e que não consomem bebidas alcoólicas.

          Em 2022, um estudo publicado no periódico British Journal of Cancer (Ref.8) analisou 849 casos de CCES no Leste da África e encontrou forte associação entre esse subtipo de câncer e consumo de alimentos e bebidas muito quentes. Todas as métricas térmicas [alimentares] mostraram estar positivamente associadas com CCES: temperatura do alimento/bebida, tempo de espera antes de comer/beber, velocidade de consumo e queimaduras na boca.

           Um estudo mais recente conduzido na China e analisando retrospectivamente 708 pacientes de dois hospitais no centro do país (365 casos de câncer esofágico e 343 casos de câncer não-esofágico), encontrou que o consumo alcoólico e o consumo de bebidas quentes eram os fatores ligados a hábitos de vida mais fortemente associados ao risco para desenvolvimento de câncer esofágico (Ref.11).

            Estudos de revisão sistemática e meta-análises nos últimos anos também tem apontado uma significativa associação positiva entre consumo de bebidas muito quentes e risco para câncer esofágico, em especial do subtipo CCES (Ref.9-10). Porém, os autores desses estudos de revisão realçam que os dados ainda são limitados e que mais estudos de alta qualidade são necessários para esclarecer a questão.

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   MECANISMOS

           Múltiplos mecanismos podem explicar como ingerir bebidas muito quentes pode levar ao desenvolvimento de ESCC. Danos térmicos no tecido esofágico podem aumentar o risco de tumores ao induzir processos inflamatórios, os quais podem afetar diretamente as bases do DNA e/ou aumentar a formação de compostos carcinogênicos N-nitrosos. O hábito crônico de ingestão de alimentos sob alta temperatura pode também causar repetida irritação da mucosa esofágica ou alterar o microbioma nessa região.

          Alternativamente ou de forma complementar, uma mucosa esofágica lesionada pelas altas temperaturas pode expor o epitélio a outros carcinógenos (ex.: álcool, tabaco, nitrosaminas, policíclicos aromáticos, poluentes ambientais diversos, certos aditivos alimentares). 

          Aliás, uma maior prevalência de mutações no gene p53 (mutações G:C para A:T em locais CpG) tem sido encontrada em tumores esofágicos de pacientes exibindo maior exposição térmica nessa região (Ref.8). Esse gene produz uma proteína supressora de tumores, atuando de forma importante na prevenção de cânceres, e mutações nesse gene estão ligadas a um risco significativamente elevado de processos carcinogênicos em tecidos diversos do corpo (Ref.9).

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> Em 2016, o consumo de bebidas muito quentes (>65°C) foi incluído no Grupo 2A de "provável carcinogênico humano" pela Agência Internacional para Pesquisa sobre Câncer (IARC).

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   CONCLUSÃO

          Danos térmicos associados às bebidas quentes ou muito quentes parece ser um importante um fator de risco para o desenvolvimento de câncer de esôfago, especialmente para quem fuma e/ou consome bebidas alcoólicas. E, de fato, os humanos e ancestrais humanos não evoluíram ingerindo alimentos e bebidas muito quentes, não sendo surpresa a falta de mecanismos biológicos de proteção no esôfago e outras mucosas internas. Autoridades médicas, com base nas evidências acumuladas até o momento, aconselham que as pessoas esperem pelo menos 4 minutos antes de consumirem uma bebida quente - como chás e café - após serem retiradas do aquecimento em ebulição.


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REFERÊNCIAS CIENTÍFICAS
  1. https://www.cancer.gov/types/esophageal/hp
  2. https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC3269898/
  3. http://annals.org/aim/article/doi/10.7326/M17-2000
  4. Islami et al. (2019). A prospective study of tea drinking temperature and risk of esophageal squamous cell carcinoma. Volume 146, Issue 1, Pages 18-25. https://doi.org/10.1002/ijc.32220 
  5. https://newsroom.wiley.com/press-release/international-journal-cancer/drinking-hot-tea-linked-elevated-risk-esophageal-cancer
  6. https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/9816815
  7. https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/28320055
  8. Masukume et al. (2022). A very-hot food and beverage thermal exposure index and esophageal cancer risk in Malawi and Tanzania: findings from the ESCCAPE case–control studies. British Journal of Cancer 127, 1106–1115. https://doi.org/10.1038/s41416-022-01890-8
  9. Wang et al. (2021). Hot Tea Drinking and the Risk of Esophageal Cancer: A Systematic Review and Meta-Analysis. Nutrition and Cancer, Volume 74, Issue 7. https://doi.org/10.1080/01635581.2021.2007963 
  10. Luo & Ge (2022). Hot Tea Consumption and Esophageal Cancer Risk: A Meta-Analysis of Observational Studies. Frontiers in Nutrition, Volume 9. https://doi.org/10.3389/fnut.2022.831567 
  11. Yuan et al. (2023). Analysis of living habit risk factors for esophageal cancer in central China: A bi-center case-control study. Frontiers in Oncology, Volume 13. https://doi.org/10.3389/fonc.2023.1077598