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O Sargento que sobreviveu a uma queda de 5,5 mil metros de altura sem paraquedas


- Artigo atualizado no dia 31 de maio de 2024 -

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          Em 1944, o Sargento de voo Nicholas Alkemade alegadamente caiu de 5,5 mil metros de altura do seu bombardeiro Lancaster, enquanto voava em uma missão sobre a Alemanha. Reportes afirmam que Alkemade, mesmo sem o uso de um paraquedas, sobreviveu ao impacto da queda apenas com uma perna deslocada. Mas será isso possível?

          Não só isso é possível como outros sobreviventes de quedas similares - inclusive em anos recentes - sobreviveram ao impacto com o solo para contar a história, e alguns em relativas boas condições físicas. Mas é preciso ter sorte, muita sorte.

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   NICHOLAS ALKEMADE

          Nichols Stephen Alkemade nasceu em 10 de dezembro de 1922 em North Washam, Norfolk, Inglaterra, e, antes do início da guerra, era um pequeno agricultor e feirante em Loughborough. Após treinar como um Atirador Aéreo, ele foi colocado no 115° Esquadrão como um atirador de retaguarda nos Avro Lancasters. Após completar com sucesso 14 operações, a tripulação que acompanhava Alkemade foi recrutada para atacar Berlim na noite de 24-25 de março de 1944. Um dos 811 aviões destinados ao ataque à capital Alemã, o Lancaster II DS664 de Alkemade - codificado A4-K e batizado de 'Werewolf' (Lobisomem, na tradução) pela tripulação - levantou voo de RAF Witchford, Cambridgeshire, às 18:48 e tomou rumo para Berlim.


        O Werewolf levou os sete membros da tripulação à Berlim na hora marcada e como planejado, porém a viagem de volta foi marcada pelo terror. Um vento anormalmente forte vindo do Norte fez o avião mudar bastante o curso, levando-o em direção à região de Ruhr, a qual estava carregada com uma pesada concentração de defesas anti-aéreas.


        Pouco antes da meia-noite em 24 de março, um bombardeiro de mergulho Junkers Ju 88 interceptou o Werewolf e o atacou por baixo com canhões e metralhadoras. As rajadas atingiram em cheio a asa de estibordo e a fuselagem, despedaçando-as e deixando um rastro de fogo, expondo também o interior do avião ao gélido ar da noite. O Werewolf conseguiu até atacar, com Alkemade disparando as suas quatro metralhadoras em direção ao inimigo, mas os danos eram graves demais para permitir quaisquer chances de vitória.

        Com o Werewolf criticamente danificado, seu piloto, FS James Arthur Newman, ordenou que toda a tripulação pegasse seus paraquedas e se preparassem para pular. Porém, quando Alkemade abriu a porta de uma das torres do avião para pegar seu paraquedas, viu uma cena infernal: fortes chamas explodiam de todos os cantos. Em desespero, ele tentou alcançar o paraquedas - já pegando fogo também -, mas sua máscara de oxigênio, apertada ao redor da sua boca e nariz, começou a derreter, e o intenso calor emanado forçou Alkemade a fechar a porta. Ele estava preso dentro do Werewolf, indo para uma morte certa à medida que o avião rasgava os céus em uma bola de fogo, a quase 6 mil metros de altura do solo. Para piorar, o fluído hidráulico do avião começou a vazar, espalhando ainda mais o fogo e o levando para as roupas de Alkemade. Ele, então, pulou.



         Mergulhando de cabeça primeiro, e com o rosto virado para às estrelas no céu, Alkemade iniciou uma longa queda ao encontro do solo. Em algum ponto durante a queda, ele perdeu a consciência, possivelmente em reação às queimaduras em várias partes da sua pele. Acima dele, o Werewolf explodiu.

         Três horas mais tarde, Alkemade abriu seus olhos. Ele estava deitado em cima de neve em uma pequena floresta de pinheiros. As estrelas ainda continuavam visíveis, graças a um buraco feito entre os galhos de um pinheiro acima dele. Assustado e não entendendo o que estava acontecendo, a primeira coisa que fez foi dar uma checada no seu corpo, o qual estava, incrivelmente, sem sérios danos ou ossos quebrados, apenas com um dos joelhos torcido. Notou também que suas botas tinham desaparecido, provavelmente arrancadas dos seus pés ao se chocar com os galhos.

         Acendendo um cigarro de um pacote guardado em seu uniforme, Alkemade resolveu investigar sua "zona de pouso". A neve sob os seus pés estava com uma profundidade de quase 50 cm, e tinha sido mantida porque os pinheiros estavam impedindo que os raios solares a derretessem (em um campo aberto apenas pouco mais de 18 metros à frente não existia mais neve). Se ele tivesse caído direto no chão limpo, a morte teria sido certa. Tanto os galhos quanto a neve somaram-se para amortecer sua queda.

        Incapaz de andar naquele momento e com bastante frio, Alkemade começou a assoprar seu apito para chamar atenção de quem estivesse por perto. A tática funcionou, e um grupo de civis Alemães o carregou para uma enfermaria local, a qual o levou para melhores unidades no hospital de Meschede. Suas queimaduras foram tratadas e uma boa quantidade de fragmentos e farpas de madeira foram removidas do seu corpo.

        No dia seguinte, Alkemade foi interrogado pela Gestapo, a qual exigia saber o que tinha acontecido com o seu paraquedas. Quando ele contou para eles toda a história, os interrogadores começaram a rir e o acusaram de ser um espião inventando baboseiras para se safar. Indignado, Alkemade desafiou os membros da Gestapo a procurarem seu suporte de paraquedas - o qual ele tinha retirado e descartado quando ainda estava na neve. Como ele não usou o paraquedas, o suporte ainda estaria não-acionado. De fato, os oficiais Alemães, em uma investigação na floresta, puderam comprovar sua alegação. Além disso, ao investigarem os destroços do Werewolf - o qual tinha caído a cerca de 20 milhas dali - descobriram que este ainda guardava os restos do paraquedas de Alkemade.



         A incrível experiência de Alkemade o tornou uma pequena celebridade entre os prisioneiros de guerra na Alemanha. Após passar três semanas no hospital, ele foi enviado para centro prisional Dulag Luft. Ali, os prisioneiros ficaram sabendo da incrível história de Alkemade por um oficial da Luftwaffe (Força Aérea Alemã). Antes de ser enviado para o Stalag Luft III, na Polônia, ele chegou a ser fotografado pela imprensa Alemã. Já em território Polonês, Alkemade trouxe sua fama junto, o que lhe rendeu alguns cigarros extras na prisão em troca dos seus impressionantes relatos.

        Mais tarde, Alkemade e outros colegas de prisão estariam entre as dezenas de milhões de prisioneiros de guerra Aliados forçados a marchar em direção ao oeste, sob condições de nevasca e pouca comida, na tentativa dos Alemães de prevenirem a liberação deles pelas tropas Russas em avanço. A posteriormente conhecida "Longa Marcha" levou à morte de centenas de homens incapazes de sobreviverem ao frio, exaustão, fome e trágicos incidentes de fogo amigo pelos aviões dos Aliados. Apesar de tudo, Alkemade foi um dos que conseguiram ser liberados mais tarde após a rendição dos soldados Alemães.


        Após ser liberado do RAF em 1946, Alkemade retornou para Loughborough, encontrando trabalho em uma indústria química. Porém, por causa de três graves acidentes lá dentro onde ele quase morreu, desde ataque de ácidos até aspiração de gases tóxicos, Alkemade resolveu parar de desafiar a morte e se tornou um vendedor na Clemersons Limited, também em Loughborough e onde viveu com sua mulher e seus filhos. Morreu de causas naturais em junho de 1987.

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   A CIÊNCIA POR TRÁS DA QUEDA DE ALKEMADE

        É sabido que a principal causa de morte relacionada a quedas livres são as hemorragias intra-abdominal e intra-torácica e os danos cerebrais. Esses danos aos órgãos internos são produto principalmente dos efeitos da rápida desaceleração vertical no momento do impacto. Nesse sentido, o total de números de 'g' (aceleração da gravidade) em termos de desaceleração não é algo totalmente esclarecido - por óbvia escassez de testes experimentais - mas fontes na literatura acadêmica estudando acidentes com veículos de corrida colocam o valor em torno de 100g, apesar dos pilotos analisados nesses estudos estarem usando equipamentos e roupas de segurança.

        Para começo de conversa, é importante esclarecer algo subestimado pelas pessoas quando estas tentam imaginar uma queda de grandes alturas na atmosfera terrestre: a resistência do ar. Ao contrário de uma queda livre no vácuo, a qual faria o corpo de um humano adulto em queda desenvolver velocidades absurdas a partir de alturas de milhares de metros, uma queda na troposfera, sob aceleração da gravidade de aproximadamente 10 m/s2, encontra sua velocidade máxima após cerca de 580 metros, algo que geralmente leva cerca de 13 a 14 segundos e de forma relativamente independente da altura da queda. Isso ocorre porque a força de arraste do ar depende do quadrado da velocidade, com o seu valor rapidamente alcançando equivalência com a força-peso do corpo sendo acelerado. Nesse ponto, a força da gravidade é anulada e o corpo para de ser acelerado, encontrando finalmente sua velocidade terminal, a qual se manterá pelo resto da queda.

        Ou seja, considerando a troposfera, com uma altitude de 12 mil metros acima do nível do mar, quedas nessa camada atmosférica encontram uma velocidade terminal em torno de 580 metros - mais ou menos dependendo da altura da queda, porque o ar fica mais rarefeito com o aumento da altitude, e quanto mais rarefeito menor o arraste e maior a velocidade terminal. Em outras palavras, acima de 580 metros, as chances de sobrevivência em termos de velocidade de impacto são parecidas para uma pessoa se levarmos em conta uma mesma aerodinâmica de queda (se a pessoa resolver cair de mergulho, reduzindo a resistência do ar ao máximo, a velocidade final pode superar os 420 km/h, apesar de ser algo ainda muito inferior caso a queda fosse no vácuo).


          Voltando ao Alkemade, se considerarmos agora sua energia cinética (Ec) na queda (vt = ~55 m/s), temos um total de 113437 Joules, um valor relativamente baixo se comparássemos com a energia cinética acumulada na ausência de ar (vt = 328 m/s, Ec = 4034400 Joules). Nesse sentido, passa a ser crível que os galhos e a neve no momento da aterrissagem foram suficientes para amortecer (energia cinética sendo transferida como energia elástica, Ee) drasticamente o impacto, o que explicaria também ele sair relativamente ileso do incidente. Porém, se o Alkemade tivesse atingido um chão duro (asfalto, por exemplo), sua desaceleração seria basicamente de 55 m/s a 0 m/s de forma quase instantânea, superando bastante valor de 100g - e facilmente alcançando 250g - inicialmente estabelecido como máximo absoluto de mínima chance de sobrevivência para o corpo humano, e condenando-o certamente à morte.


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   OUTROS CASOS SEMELHANTES

         Para validar ainda mais o incrível feito de Alkemade, temos outros casos de sobreviventes em circunstâncias similares. Aliás, ainda durante a Segunda Guerra Mundial temos outros relatos parecidos de sobrevivência. Outro Sargento de voo, Alan Eugene Magee (1919-2003), teve uma história até mais impressionante, ao sobreviver de uma queda de 6700 metros quando pulou do seu B-17 Flying Fortress, o qual tinha sido atingido fatalmente por aviões Alemães. Durante a queda, Eugene perdeu a consciência e aterrissou no teto de vidro da estação St. Nazaire. O teto quebrou, absorvendo boa parte da energia cinética e garantindo um impacto relativamente "seguro" no interior da estação. Porém, ao contrário de Alkemade, ele teve vários ossos quebrados, sérios danos no seu nariz, pulmão, rins e em um olho, e quase teve seu braço direito arrancado. Ele foi levado como prisioneiro de guerra, recebeu cuidados médicos e foi liberado em maio de 1945.

         Já o Tenente Ivan Chisov (1916–1986) pulou com um paraquedas de uma altura de 7 mil metros, mas com medo de ser atingido por fogo inimigo à medida que estivesse descendo lentamente com o paraquedas, adiou sua abertura. Nisso, ele acabou inconsciente devido à falta de oxigênio (ar muito rarefeito naquela altitude) e caindo até o final sem abrir o paraquedas. Foi salvo porque caiu em cima de uma profunda camada de neve e, apesar de sofrer vários danos - incluindo danos na coluna espinhal e uma pélvis quebrada -, se recuperou rapidamente e já estava apto a voar novamente em três meses.


        Saindo da guerra, temos em anos recentes outros casos de sobreviventes. Em 2006, Michael Holmes, um skydiver muito experiente de Jersey, caiu de 3,2 mil metros quando seu paraquedas principal e o de reserva falharam. Holmes teve bastante sorte de aterrissar em um arbusto de amoras silvestres. Em 2009, James Boole, de Staffordshire, caiu de 1829 metros acima do território Russo. Boole atingiu uma grossa camada de neve, deixando uma cratera bem grande, mas sobreviveu.

        Já em um caso criminoso que ocorreu em 5 de abril de 2015, Victoria Cilliers, de 40 anos de idade, sofreu múltiplos danos sérios - mas sobreviveu - ao cair de 1200 metros de altura durante um salto de paraquedas, este o qual não abriu. Com vários ossos quebrados e o pulmão colapsado, ela foi salva ao cair em um campo de terra arada que estava mais macio do que o normal. Seu marido, Emile Cilliers, foi condenado em 2018 por tentativa de assassinato, sendo que ele era suspeito desde 2015 de ter sabotado o paraquedas da mulher (supostamente, ele queria se livrar dela para ficar com uma amante) (Ref.5).

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   POSSO AUMENTAR MINHAS CHANCES DE SOBREVIVÊNCIA?

        Todos os casos acima relatados representam eventos de extrema sorte, onde os indivíduos em queda aterrissaram em superfícies que absorveram boa parte do impacto. Mas se você se vê em uma situação dessas, é possível conscientemente tentar aumentar suas chances de sobrevivência?

        Bem, como vimos, para você ter alguma chance de escapar de uma situação dessas com vida, é necessário primeiro cair com os membros minimamente afastados do corpo (incluindo as mãos abertas) e deitado para aumentar o máximo possível a força de arraste do ar, diminuindo ao máximo a sua velocidade terminal. Em segundo lugar, é crucialmente importante aterrissar em superfícies que desaceleraram bem sua velocidade antes do término final da queda. Nesse sentido, seria uma boa tática procurar por um terreno onde existam árvores, neve ou um pântano lamacento (onde você talvez não afundará por completo devido à densidade da mistura ali) (1) para aterrissar. Mas como chegar lá caso visualize um local desses em plena queda?


         Adotando certas posições durante a queda, você é capaz de se mover horizontalmente no ar (tracking), algo bem conhecido até mesmo pelos saltadores de paraquedas iniciantes. Além disso, movimentando os braços nessas posições, é possível mudar de sentido como as asas de um avião e alcançar uma grande acuracidade de pouso.


         Para provar isso, o experiente saltador de paraquedas Luke Aikins, em 30 de julho de 2016, intencionalmente saltou sem um paraquedas de uma altura de 7,6 mil metros ao encontro de uma rede de segurança no chão de 930 m2, em uma região do deserto da Califórnia, EUA. A partir de manobras no ar, ele conseguiu pousar perfeitamente e com segurança no centro da rede.


        Após ver o alvo e ir em sua direção via tracking, é hora de pensar no pouso. Uma razoável estratégia para diminuir as chances de danos muito graves em órgãos vitais é tentar mudar a posição do corpo momentos antes da queda para que os pés atinjam a superfície de impacto primeiro.

       Fora isso, o resto é sorte, muita sorte.

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> Pacientes com parada cardíaca traumática fora do hospital, seguindo queda livre de grandes alturas, exibem uma taxa de mortalidade de 98%. Parada cardíaca pós-impacto é especialmente favorecida com quedas de alturas acima de 6 metros (Ref.9). Impacto sobre a região lateral do corpo também é um fator que exacerba a severidade do trauma anatômico após uma queda (Ref.10). 
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   CONCLUSÃO

        Como provado por Alkemade, é perfeitamente possível sobreviver a uma queda de milhares de metros, mesmo sem a presença de acessórios de segurança extras. Porém, apesar de ser possível aumentar as chances de sobrevivência nessas situações, via aerodinâmica, manobras no ar e boa escolha do local de impacto, sair com vida delas reside mais na sorte do que em qualquer outra coisa.

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OBSERVAÇÃO: Salto de paraquedas é um esporte bem popular e geralmente é muito seguro quando supervisionado por profissionais preparados. Porém, é preciso ficar atento para o fato de que não existe um salto totalmente seguro, sendo estimado que a cada 100 mil saltos realizados por paraquedistas treinados um deles acaba em morte, segundo a Associação Britânica de Paraquedas (Ref.8).
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REFERÊNCIAS
  1. https://www.rafmuseum.org.uk/blog/the-indestructible-alkemade/
  2. https://www.sciencedirect.com/science/article/pii/0379073895018859
  3. https://www.annemergmed.com/article/S0196-0644(86)80134-2/pdf 
  4. https://journals.le.ac.uk/ojs1/index.php/jist/article/view/775/727
  5. http://www.bbc.com/news/uk-41883027
  6. http://worldjournals.org/Article.aspx?Title=Ivan_Chisov
  7. http://www.americanairmuseum.com/person/240910
  8. http://www.bpa.org.uk/staysafe/how-safe/
  9. Lien et al. (2022). Survival factors in patients of high fall – A 10-year level-I multi-trauma center study. Injury, Volume 53, Issue 3, Pages 932-937. https://doi.org/10.1016/j.injury.2021.12.029
  10. Fujii et al. (2021). Factors influencing the injury severity score and the probability of survival in patients who fell from height. Scientific Reports 11, 15561. https://doi.org/10.1038/s41598-021-95226-w