Magnetização quase instantânea da matéria via luz
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O magnetismo é base fundamental da nossa atual tecnologia e sua mais frequente aplicação reside na produção de dispositivos para armazenar ou transmitir informações. Nesse sentido, um estudo experimental e teórico conduzido por pesquisadores do Instituto de Física da Universidade de São Paulo (IF-USP) aqui no Brasil revelou um modo ultra-rápido de magnetizar a matéria com o mínimo de consumo de energia, via magnetização por luz. O feito ganhou grande repercussão internacional e pode levar a grandes avanços em diversas áreas tecnológicas.
OBS.: A parte inicial deste artigo faz uma breve revisão sobre o magnetismo e sua relação com o spin dos elétrons. A leitura é mais do que recomendada. A parte que explora o estudo brasileiro está no tópico 'Descoberta Brasileira'.
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MAGNETISMO E O SPIN
O entendimento dos fenômenos magnéticos sempre foi um grande desafio científico. Embora alguns aspectos sejam descritos razoavelmente bem dentro do contexto do Electromagnetismo clássico, somente a partir do século XX, com o advento da Mecânica Quântica, é que foi possível explicar de maneira lógica e coerente a verdadeira origem do magnetismo na matéria e suas consequências.
Os fenômenos magnéticos são conhecidos desde os tempos da Grécia Antiga. A versão mais aceita para a origem do nome Magnetismo está no fato de que os gregos tinham conhecimento de um mineral proveniente da província da Magnésia, ao qual denominavam Magnetita, capaz de atrair o ferro e o aço e se orientar no campo magnético terrestre, mesmo no estado natural do minério. Os primeiros manuscritos a respeito do magnetismo datam de 800 a.C., embora os Gregos explicassem sua ocorrência via metafísica. A primeira invenção tecnológica empregando o Magnetismo provavelmente foi a bússola, esta a qual surgiu na China entre 2600 a.C. e 1100 d.C. Por volta de 1088 sabe-se que a bússola foi descrita precisamente por Shen Kua Yao, e que, apenas cerca de 1 século depois, ela foi reinventada na Europa.
Somente a partir do fim da Idade Média, com o estabelecimento do Método Científico é que a real natureza do magnetismo começou a ser estudada. No início do século XIX, descobriu-se que a eletricidade possuía relação com os efeitos magnéticos - corrente elétrica gera campo magnético, e a variação deste último gera corrente elétrica em um condutor -, levando ao desenvolvimento do electromagnetismo, este o qual foi perfeitamente descrito - em termos fenomenológicos e utilizando a Física Clássica - por James Clerk Maxwell em 1864 a partir de quatro famosas equações que levam o seu nome:
Porém, ainda era uma grande dúvida o que de fato gerava o magnetismo nos materiais, ou seja, a natureza fundamental do magnetismo. Em 1925, o conceito de 'spin' (giro, na tradução do inglês) surgiu a partir dos trabalhos de Pauli e Kronig, os quais buscavam uma explicação para o misterioso Efeito Zeeman. Nesse sentido, primeiro foi sugerido que o elétron possuía um momento angular associado com uma rotação sobre o seu eixo, o qual possuiria dois valores que representariam os dois sentidos possíveis desse movimento. Isso criaria um efeito magnético, transformando cada elétron em um magneto. Porém, até aquele momento, o elétron era descrito como uma partícula tridimensional via mecânica clássica, e logo foi mostrado que se essa partícula estivesse realmente girando para produzir o spin, o valor encontrado para esse último - e que explicava satisfatoriamente o Efeito Zeeman - equivaleria a uma velocidade superficial de 10 mil vezes a velocidade da luz! Obviamente, isso seria impossível, já que a velocidade da luz (300000 km/s) é o valor máximo no Universo, segundo a Relatividade.
No final da década de 1920, a partir dos trabalhos de Físicos como Schrödinger e Heisenberg, a Mecânica Quântica foi finalmente estabelecida, e o elétron passou a ser considerado uma partícula sem extensão espacial - assim como as outras partículas subatômicas. Portanto, o momento angular de spin do elétron - presente também nos outros férmions, como prótons - passa a ser uma propriedade intrínseca do elétron, não dependente de efeitos mecânicos e descrita apenas por expressões matemáticas abstratas. O spin nasce com o elétron e seu momento angular associado é quantizado, assumindo dois possíveis valores em um campo magnético: +1/2 e -1/2.
O spin descrito pela mecânica quântica explica porque substâncias como a madeira e plástico são diamagnéticos (não são magnetizados por magnetos) e elementos como o óxido de ferro e o aço são ferromagnéticos (são magnetizados permanentemente por magnetos). Como o átomo do ferro possui elétrons desemparelhados - sem um par em seu orbital - surge uma "resultante" de spin em átomos individuais dentro do material metálico. Em presença de um campo magnético externo, essas resultantes aleatórias podem ser amplamente orientadas em um único sentido, criando um forte magneto. Já no lado oposto, nos materiais diamagnéticos, os átomos e/ou ligações intermoleculares constituintes apenas possuem elétrons emparelhados, ou seja, cada orbital possui um elétron com spin up e um elétron com spin down juntos se anulando. Existe também um caso especial onde o material repele totalmente os campos magnéticos, criando estranhos efeitos como a levitação magnética: os supercondutores (1).
- (1) Para saber mais, acesse: Grafeno e a supercondutividade
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SPINTRÔNICA
A spintrônica estende os limites físicos da eletrônica convencional ao explorar a manipulação do spin eletrônico. Como uma excitação coletiva de magnetização ordenada em sistemas magnéticos, ondas de spin (or mágnon quando quantizado) carregam momento angular de spin, e diferente do transporte de spin via condução de elétrons (correntes elétricas), a propagação dessas ondas não envolve o movimento físico dos elétrons. Nesse sentido, as ondas de spin podem se propagar materiais condutores, semicondutores e até mesmo em materiais isolantes magnéticos sem aquecimento, um grande problema enfrentado pelas atuais tecnologias da informação baseadas em silício.
Similar ao spin, o qual é uma propriedade intrínseca de partículas elementares, a polarização é uma propriedade intrínseca de partículas-onda como fótons, fônons e mágnons. É mais natural codificar informações no grau de liberdade da polarização do que outros graus de liberdade como amplitude ou fase. Por exemplo, a polarização do fóton tem sido amplamente utilizada na codificação tanto de informação clássica quanto de informação quântica, e a manipulação dessa polarização é essencial para a aplicação em fotônica.
Para a manipulação das ondas de spin usa-se a polarização, e hoje os melhores materiais para essa aplicação tecnológica são os antiferromagnéticos. Devido às duas sub-grades magnéticas opostas, a polarização das ondas de spin nos antiferromagnéticos possui completa liberdade, além desses materiais serem altamente estáveis em termos de pertubações magnéticas externas. Porém, são materiais de difícil controle externo após magnetizados, sendo desafiador manipular e detectar o estado magnético de um antiferromagneto eficientemente.
OBS.: Geralmente, o antiferromagnetismo em um material surge em temperaturas suficientemente baixas, desaparecendo acima de certas temperaturas (a 'temperatura de Néel'). Acima da temperatura de Néel, o material é tipicamente paramagnético.
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DESCOBERTA BRASILEIRA
Usando uma técnica chamada de magnetização por luz (fótons), pesquisadores do IF-USP conseguiram magnetizar para uma fase ferromagnética uma amostra de seleto de európio (EuSe) - um material antiferromagnético - em apenas 50 picossegundos com uma lâmpada de 50 watts localizada a poucos centímetros de distância. Um picossegundo é um trilionésimo de segundo. É a mais eficiente forma de magnetização da matéria já alcançada! O estudo descrevendo o feito foi publicado recentemente na Physical Review Letters (Ref.10).
O experimento foi conduzido por André Bohomoletz Henriques, um professor titular no IF-USP, e colaboradores, com o suporte da FAPESP (Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo). Segundo Henriques, o objetivo do estudo era encontrar novos mecanismos para manipular o magnetismo de materiais em uma escala de tempo ultracurta utilizando apenas a luz. Nesse sentido, o experimento alcançou grande sucesso, possibilitando uma forte magnetização com quantidades muito pequenas de fótons no comprimento do espectro da luz visível.
O processo experimental foi realizado sem muitos problemas no Laboratório de Magneto-Óptica da USP, mas a interpretação do fenômeno necessitou de um pesado trabalho teórico, envolvendo cálculos quânticos auto-consistentes e simulações computacionais.
Em termos teóricos, a forte interação da luz com os elétrons, em termos de mudança dos spins, ocorre porque quando um fóton interage com um elétron, ele muda um estado que está fortemente localizado no átomo para um estado que se estende para vários átomos. O resultado é que em apenas cerca de 50 picossegundos, todos os átomos dentro do alcance da função de onda de um único elétron mudam seus spins para um sentido comum, criando um momento magnético super-gigante, aproximando-se de 6000 Bohr magnetons. Isso equivale ao momento magnético de 6000 elétrons com spins todos apontando no mesmo sentido (ferromagneto).
Para magnetizar o seleto de európio, o fóton deve ter energia suficiente para transferir um elétrons de uma órbita muito próxima do núcleo atômico para uma órbita bem distante, na banda de condução (fronteira) - deixando um buraco nessa última. A interação entre o momento magnético do elétron e os momentos magnéticos de átomos vizinhos alinha todos os seus spins, levando de um estado de magnetização zero em um cristal de EuSe até um completo estado ferromagnético polarizado de forma ultrarrápida, através da fotogeração de polárons de spins intrínsecos super-gigantes. Esse mecanismo de magnetização é possível porque a troca interativa entre spins das grades no EuSe contém componentes tanto ferromagnéticos quanto antiferromagnéticos.
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CONCLUSÃO
Basicamente, os pesquisadores brasileiros descobriram um mecanismo ultrarrápido de ativar um estado ferromagnético no EuSe (o qual é naturalmente um antiferromagnético) e com o mínimo de energia luminosa. O feito surpreendeu a comunidade científica internacional, que não esperava por um processo do tipo de forma tão eficiente. Isso possibilita um novo meio altamente otimizado para manipular materiais antiferromagéticos, abrindo as portas da aplicação prática desses materiais em tecnologias super-avançadas e seguras de informação.
- Artigo recomendado: Cientistas brasileiros descobrem que os fótons podem se emparelhar como elétrons em supercondução
REFERÊNCIAS CIENTÍFICAS
- http://www.dsf.unica.it/~fiore/libricorsoptr/coey-magnetism.pdf
- http://cosmology.princeton.edu/~mcdonald/examples/EP/commins_arnps_62_133_12.pdf
- http://www.uvm.edu/~mfuris/whatsspin.html
- http://www.rpi.edu/dept/phys/ScIT/InformationStorage/faraday/magnetism_a.html
- http://www.eletrica.ufpr.br/cadartora/Documentos/TE824/Magnetismo_Spintronica.pdf
- https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/26936817
- https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC5541015/
- https://www.nature.com/articles/s41567-018-0049-4.pdf
- https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/26841431
- https://journals.aps.org/prl/abstract/10.1103/PhysRevLett.120.217203
- http://agencia.fapesp.br/27895