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Orcas são baleias ou golfinhos?



- Atualizado no dia 19 de fevereiro de 2025 -

As orcas (Orcinus orca) são muitas vezes confundidas como uma espécie de baleia, mas esses belos e vorazes mamíferos fazem parte da família dos golfinhos marinhos (Delphinidae). A confusão é causada em parte não apenas pelo grande porte das orcas mas também por causa do nome popular em inglês desses cetáceos: killer whale ("baleia assassina"). Esse nome popular faz referência ao porte e à ampla variedade de presas na dieta da orca: peixes marinhos diversos, moluscos (ex.: polvos e lulas), aves marinhas, tartarugas, focas, golfinhos e - quando estão caçando em grupos de vários indivíduos - até mesmo baleias adultas e tubarões adultos de grande porte. Mais de 140 espécies têm sido registradas como presas desses superpredadores, incluindo 50 espécies de mamíferos marinhos. Aliás, orcas são os únicos cetáceos ainda vivos que rotineiramente caçam mamíferos (!). Porém, relevante realçar que as orcas não costumam atacar humanos em condições normais.

Relações filogenéticas na família Delphinidae (golfinhos marinhos). 


Grupo de 14 orcas cercando e atacando uma baleia-azul (Balaenoptera musculus) adulta saudável. A enorme baleia sucumbiu após 3 horas de ataques. Seguindo a morte da baleia, cerca de 50 orcas se juntaram para devorar a carcaça. O evento ocorreu em 2019 em uma região costeira da Austrália. Caça de animais marinhos de porte extremo é facilitada pelo trabalho em equipe e pela alta capacidade cognitiva das orcas. Ref.5

 
Carcaça de um tubarão-branco (Carcharodon carcharias) encontrada em uma praia de Portland, Austrália, em 2023. A carcaça estava sem o fígado, consumido por orcas e apontando que o tubarão-branco foi atacado e abatido por esses cetáceos. Os órgãos do sistema digestivo e reprodutivo estavam também ausentes na carcaça. O espécime morto possuía 4,7 metros de comprimento e exibia quatro marcas de mordidas - uma delas característica de extração de fígado por orcas. Ref.6

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(!) Considerando cetáceos extintos, as cachalotes gigantes provavelmente se alimentavam primariamente de baleias de porte médio. Para mais informações: Megalodon: A colossal máquina de caça dos mares pré-históricos 

> Uma variedade de peixes são também um importante alimento para muitas subpopulações de orcas, notavelmente salmões (Oncorhynchus spp.), arenque (Clupea spp.), bacalhau (Gadus spp.), atum (Thunnus spp.) e vários tubarões e outros peixes cartilagíneos elasmobrânquios. Ref.3

> Orcas também caçam frequentemente tubarões-baleias juvenis com 5-6 metros de comprimento. O tubarão-baleia (Rhincodon typus) é o maior peixe cartilagíneo do mundo (comprimento de até 18 metros). E o alvo primário parece ser o fígado. A importância do fígado de tubarões na dieta de orcas é relacionada ao seu alto conteúdo calórico [lipídico] e, nesse sentido, o foco principal de ataque é na área pélvica desses peixes. Na África do Sul, é notável uma série de ataques na última década de orcas contra tubarões-brancos, especificamente visando o fígado das presas; esses ataques resultaram em uma queda abrupta na populações de tubarões-brancos na região e subsequentes cascatas ecossistêmicas. Ref.6-7

> Aliás, tubarões-brancos na África do Sul aprenderam a temer as orcas e fogem rápido de áreas com a presença desses cetáceos. Ref.18

> O fígado dos tubarões é enorme, ocupa a maior parte da cavidade corporal desses peixes e consiste de dois grandes lobos cercando o trato digestivo. Acumulando gordura ao longo da vida do tubarão, em algumas espécies o fígado por responder por até 25-30% da massa corporal. O fígado possui duas principais funções nos tubarões: primeiro, é uma reserva de energia e toda a gordura em excesso desses animais é armazenada nesse órgão; segundo, serve para reduzir a densidade do tubarão (óleos menos densos do que a água são armazenados nesse órgão), dificultando que afundem. Ref.19-20

> Orcas são os únicos predadores naturais de baleias verdadeiras (misticetos). Mais solitárias do que cetáceos dentados (odontocetos; ex.: golfinhos e cachalotes), as baleias são vítimas rotineiras de ataques por orcas, especialmente pares de mães e filhotes e espécies de menor porte. Quando atacadas, algumas espécies atacam - incluindo ataques coordenados em grupo -, enquanto outras fogem e nadando rápido (20-40 km/h) por longas distâncias. Aliás, algumas espécies de baleias - comumente entre aquelas que fogem de orcas (ex.: baleia-azul, baleia-cinzenta, baleia-da-groenlândia, jubarte, baleia-de-Bryde e baleia-sei) - usam cantos de comunicação em frequências abaixo de 100 Hz que não podem ser ouvidos por orcas em distâncias acima de 1 km, otimizando comunicação a longa distância e aparentemente também reduzindo o risco de potenciais ataques. Padrões migratórios de baleias são também influenciados pela predação de orcas. Ref.

> É proposto inclusive que um dos motivos para baleias migrarem longas distâncias para baixas latitudes - onde procriam e cuidam dos filhotes recém-nascidos - é justamente a menor presença de orcas nessas regiões. Para mais informações: Cientistas argumentam que baleias e orcas migram para limpar a pele
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Uma "macabra" curiosidade sobre a orca é em relação ao método de caça desse animal. Na hora de matar, esses cetáceos são um dos mais inventivos do planeta. As orcas criam diversas estratégias para vencer suas presas, principalmente quando estão em grupo. Fazem cercamentos, armadilhas, impedem que mamíferos como as baleias subam à superfície para respirar, e até criam ondas e bolhas na água que atordoam suas vítimas. Além disso, elas gostam de promover "brincadeiras" com certos animais, como as focas e leões-marinhos, jogando-os de um lado para o outro, dando cabeçadas e encontrões nas presas, com o objetivo de deixá-las fracas e fáceis de serem abatidas. Mas por que tanto espetáculo? Serão elas sádicas? Não, nada disso. O problema é que, diferente dos tubarões, as orcas não possuem dentes muito grandes e afiados, somado ao fato de possuírem pouca força de mordida. Isso faz com que, apenas morder, não seja muito efetivo para matar suas presas.

Orca capturando um filhote de leão-marinho na praia. Esses cetáceos geralmente caçam em grupos, estes podendo somar até com até 20 ou mais indivíduos.

Outra característica marcante das orcas é o fato das mães investirem muito nas crias: tempo de gestação em torno de 14 meses (nascendo 1 por gravidez) e 1 ano inteiro cuidando do filhote após o parto. Durante o período de cuidado materno, a mãe alimenta e ensina o filhote a sobreviver nos mares. No nascimento, o filhote possui aproximadamente 2-2,5 metros de comprimento e uma massa de aproximadamente 200 kg (Ref.3).

A expectativa de vida dos adultos pode chegar aos 90 anos no caso das fêmeas (!) e 60 anos no caso dos machos, mas a taxa de mortalidade entre o filhotes recém-nascido, até 6 meses de idade, é bem alta.

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(!) Interessante mencionar que as orcas estão entre as três espécies conhecidas de mamíferos que possuem uma menopausa muito adiantada, ou seja, as fêmeas perdem a capacidade reprodutiva ainda relativamente jovens, assim como os humanos modernos (Homo sapiens). A Hipótese da Avó pode explicar esse fenômeno: Por que as mulheres passam pela menopausa e tão cedo na vida?

> As orcas possuem tipicamente 10-12 (até 14) dentes por fileira, cada um geralmente medindo até 10 cm de comprimento. Ref.3

Curiosidade: Orcas passam a maior parte do tempo fazendo mergulhos rasos e curtos, com a maioria deles durando menos de 1 minuto. E cada mergulho é precedido por apenas 1 inalação de ar. Esses cetáceos realizam 1,2 a 1,3 puxadas de ar por minuto enquanto estão descansando e 1,5 a 1,8 puxadas de ar enquanto estão viajando ou caçando. Comparativamente, humanos tendem a realizar ~15 puxadas de ar por minuto enquanto estão descansando e 40 a 60 puxadas de ar enquanto estão se exercitando. Ref.8
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Existem muitas variações fenotípicas e ecológicas entre diferentes populações de orcas ao redor do mundo. No nordeste do Pacífico, por exemplo, existem pelo menos 2 ecotipos - residentes especializadas em peixes e transientes especializadas na caça de mamíferos pinípedes (ex.: focas) - que ocupam a mesma região (simpatria) mas com isolamento social e reprodutivo. Na Antártica, existem três distintos ecotipos com diferentes colorações, morfologia e especialização alimentar. No Hemisfério Sul, orcas exibem uma fraca pigmentação cinza em grande parte do corpo, e uma "capa" preta dorsal anterior à nadadeira dorsal. Evidências genômicas nos últimos anos inclusive sugerem a existência de múltiplas espécies e subespécies de orcas (Ref.3, 9-10).

Ecotipos A (topo), B (meio) e C (fundo) de orcas que habitam águas ao redor da Antártica. Ref.3
 
Orcas do ecotipo B cercando uma foca da espécie Leptonychotes weddellii. À esquerda, uma foca-leopardo (Hydrurga leptonyx) observa o ataque. Ref.3

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> Um estudo genômico recente propôs que orcas transientes e residentes do Pacífico Norte sejam reconhecidas como espécies distintas: Orcinus ater e Orcinus rectipinnus, respectivamente. Ref.10
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Com comprimento corporal de até 8-9 metros e massa corporal de até 7 toneladas (7 mil quilos), esses enormes predadores habitam os mares do mundo inteiro, preferindo as águas marinhas mais frias. A comunicação das orcas é feita através de sons e essa espécie vive em grupos caracterizados por um complexo sistema social. Similar à maioria dos golfinhos, orcas são altamente vocais, produzindo uma ampla variedade de cliques, assobios e chamados pulsados e combinados para ecolocalização e sinalização ou comunicação social (Ref.11). Fáceis de serem treinadas, brincalhonas e muito inteligentes, as orcas são atrações principais e controversas em diversos parques aquáticos do mundo. Especialistas e grupos de defesa dos direitos dos animais não aprovam esse tipo de exploração e estudos apontam sérios danos causados nos cetáceos presos nesses ambientes.
 
Macho adulto de orca na região de Victoria, British Columbia. Note as grandes nadadeiras peitorais e dorsal, típicas de machos maduros. (Foto: M. Malleson). Ref.3




Comparação dimensional entre uma orca e um humano adulto. Orcas fêmeas possuem menor porte corporal do que machos, com um porte corporal máximo de ~7 metros e 4-5 toneladas. Existem alegações de massa corporal alcançando até 10-11 toneladas para adultos machos de orcas, mas é incerto se são valores com suporte científico (Ref.12-13).
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O status de conservação das orcas ao redor do mundo não é muito bem esclarecido, mas dados sugerem que as orcas podem estar enfrentando significativo declínio populacional. Mas existem subpopulações ameaçadas e comprovadamente sofrendo grandes declínios, e um exemplo dramático são as orcas residentes do Sul - especialistas na caça de salmões - cujo número total atualmente é inferior a 75 indivíduos e estão listadas como em Crítico Perigo de extinção (Ref.14-15). As principais ameaças são a caça (apesar de relativamente pequena em comparação com outros animais marinhos) - para fins de consumo (óleo e carne) ou por pessoas que consideram as orcas competidores na pesca (atiram nesses animais propositalmente) -, a poluição oceânica e redução na população de presas em certas áreas.

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> Por outro lado e no atual contexto do aquecimento global, orcas como superpredadores podem também potencialmente causar prejuízos nas dinâmicas tróficas no Ártico e com consequência incertas no ecossistema da região. Isso porque com o grande e crescente degelo na região, orcas estão tendo acesso cada vez maior e facilitado a áreas Árticas antes bloqueadas ou limitadas pelo gelo marinho. Ref.16

> Embora seja encontrada em todos os oceanos e na maioria dos mares, a orca é mais comum em águas costeiras e temperadas, particularmente em áreas de alta produtividade marinha. De fato, esse cetáceo parece ser melhor adaptado para sobrevivência em regiões costeiras em altas latitudes (Ref.17).
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Imagem principal: UniProt

REFERÊNCIAS

  1. http://animaldiversity.org/accounts/Orcinus_orca/
  2. http://www.iucnredlist.org/details/15421/0
  3. Ford, J. K. B. (2009). Killer Whale. Encyclopedia of Marine Mammals, 650–657. https://doi.org/10.1016/B978-0-12-373553-9.00150-4
  4. https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC3310332/
  5. Pitman et al. (2022). The first three records of killer whales (Orcinus orca) killing and eating blue whales (Balaenoptera musculus). Marine Mammal Science, Volume 38, Issue3, Pages 1286-1301. https://doi.org/10.1111/mms.12906
  6. Reeves et. (2025). Genetic Evidence of Killer Whale Predation on White Sharks in Australia. Ecology and Evolution, Volume 15, Issue 1, e70786. https://doi.org/10.1002/ece3.70786
  7. Pancaldi et al. (2024). Killer whales (Orcinus orca) hunt, kill and consume the largest fish on Earth, the whale shark (Rhincodon typus). Frontiers in Marine Science, Volume 11. https://doi.org/10.3389/fmars.2024.1448254
  8. McRae et al. (2024). Killer whale respiration rates. PLoS ONE 19(5): e0302758. https://doi.org/10.1371/journal.pone.0302758
  9. Morin et al. (2010). Complete mitochondrial genome phylogeographic analysis of killer whales (Orcinus orca) indicates multiple species. Genome Research, 20(7), 908–916. https://doi.org/10.1101/gr.102954.10
  10. Morin et al. (2024). Revised taxonomy of eastern North Pacific killer whales (Orcinus orca): Bigg’s and resident ecotypes deserve species status. Royal Society Open Science, Volume 11, Issue 3.  https://doi.org/10.1098/rsos.231368
  11. Selbmann et al. (2023). Call combination patterns in Icelandic killer whales (Orcinus orca). Scientific Reports 13, 21771. https://doi.org/10.1038/s41598-023-48349-1
  12. https://www.fisheries.noaa.gov/species/killer-whale
  13. https://seaworld.org/animals/facts/mammals/killer-whale/
  14. Gaydos et al. (2023) Epidemiology of skin changes in endangered Southern Resident killer whales (Orcinus orca). PLoS ONE 18(6): e0286551. https://doi.org/10.1371/journal.pone.0286551
  15. Williams et al. (2024). Warning sign of an accelerating decline in critically endangered killer whales (Orcinus orca). Communications Earth & Environmental 5, 173. https://doi.org/10.1038/s43247-024-01327-5
  16. Kimber et al. (2025). Less ice, more predators: passive acoustic monitoring shows variation in killer whale (Orcinus orca) presence in the U.S. Arctic with declining sea ice. Polar Biology 48, 21. https://doi.org/10.1007/s00300-024-03332-y  
  17. Blanc & Martínez-Rincón (2023). Global scale study of the environmental preferences and distribution of Orcinus orca. Journal of Coastal Conservation 27, 60. https://doi.org/10.1007/s11852-023-00991-7
  18. Towner et al. (2022). Fear at the top: killer whale predation drives white shark absence at South Africa’s largest aggregation site. African Journal of Marine Science, Volume 44, Issue 2. https://doi.org/10.2989/1814232X.2022.2066723
  19. https://www.dfo-mpo.gc.ca/species-especes/sharks/anatomy-eng.html
  20. https://dlnr.hawaii.gov/sharks/anatomy/the-shark-inside/
  21. Branch, T. A. (2025). Most "flight" baleen whale species are acoustically cryptic to killer whales, unlike "fight" species. Marine Mammal Science. https://doi.org/10.1111/mms.13228
*'Peso', neste artigo, está se referindo ao uso popular da palavra, ou seja, para indicar a 'massa' do corpos aqui na Terra (já que a variação da força-peso na superfície do nosso planeta é bem pequena)