Qual é o recorde de permanência no ar do andorinhão-preto?
- Atualizado no dia 15 de junho de 2024 -
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Acredite se quiser, mas o andorinhão-preto possui dois impressionantes recordes no Reino Animal, e com ampla margem de vantagem. O primeiro é o de tempo de permanência no ar: durante migrações anuais, três indivíduos, em um grupo monitorado por cientistas, passaram 10 meses voando sem pousar uma só vez! Sim, você não ouviu errado: 10 meses nos céus! O estudo detalhando o fantástico registro foi publicado em 2016 na Current Biology (Ref.1). Já em termos de velocidade diária de migração, essas aves quebraram o limite inclusive de projeções teóricas: um estudo publicado em 2021 no periódico iScience (Ref.10) encontrou uma média de 570 km/dia e um máximo de 832 km/dia ao longo de 9 dias. O valor máximo teórico predito é de 500 km/dia e limitado para aves de pequeno porte. Em outras palavras, assim como peixes evoluíram no sentido de manter contínuo nado como regra geral, os andorinhões-pretos evoluíram no sentido de viver, quase continuamente, voando.
O Andorinhão-Preto (Apus apus) é uma ave que pode ser encontrada em várias partes da Europa, Ásia e Norte da África, e entre 25 e 49% da população dessa espécie está presente no território Europeu (1), com um total estimado no globo entre 40 e 200 milhões de indivíduos - apesar de significativos declínios populacionais nas últimas décadas, incluindo uma redução estimada de 57% na abundância no Reino Unido entre 1995 e 2017 (Ref.13). Medindo de 16 a 17 cm de comprimento, envergadura de asa entre 42 e 48 cm, e uma massa corporal de ~40-45 gramas, esses animais possuem uma coloração marrom escura (com exceção da parte de baixo da boca e da garganta, as quais são brancas), mas tipicamente são observados com uma aparente coloração preta quando vistos voando no céu (daí o nome da espécie).
Acredite se quiser, mas o andorinhão-preto possui dois impressionantes recordes no Reino Animal, e com ampla margem de vantagem. O primeiro é o de tempo de permanência no ar: durante migrações anuais, três indivíduos, em um grupo monitorado por cientistas, passaram 10 meses voando sem pousar uma só vez! Sim, você não ouviu errado: 10 meses nos céus! O estudo detalhando o fantástico registro foi publicado em 2016 na Current Biology (Ref.1). Já em termos de velocidade diária de migração, essas aves quebraram o limite inclusive de projeções teóricas: um estudo publicado em 2021 no periódico iScience (Ref.10) encontrou uma média de 570 km/dia e um máximo de 832 km/dia ao longo de 9 dias. O valor máximo teórico predito é de 500 km/dia e limitado para aves de pequeno porte. Em outras palavras, assim como peixes evoluíram no sentido de manter contínuo nado como regra geral, os andorinhões-pretos evoluíram no sentido de viver, quase continuamente, voando.
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O Andorinhão-Preto (Apus apus) é uma ave que pode ser encontrada em várias partes da Europa, Ásia e Norte da África, e entre 25 e 49% da população dessa espécie está presente no território Europeu (1), com um total estimado no globo entre 40 e 200 milhões de indivíduos - apesar de significativos declínios populacionais nas últimas décadas, incluindo uma redução estimada de 57% na abundância no Reino Unido entre 1995 e 2017 (Ref.13). Medindo de 16 a 17 cm de comprimento, envergadura de asa entre 42 e 48 cm, e uma massa corporal de ~40-45 gramas, esses animais possuem uma coloração marrom escura (com exceção da parte de baixo da boca e da garganta, as quais são brancas), mas tipicamente são observados com uma aparente coloração preta quando vistos voando no céu (daí o nome da espécie).
Andorinhão-Preto (Apus apus). Foto: Google Images |
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(1) Existem duas subespécies de andorinhão-preto: A. a. apus (populações europeias) e A. a. pekinensis (populações no Leste Asiático) (Ref.14). Existe também evidência de antiga e contínua hibridização entre o A. apus e a espécie do mesmo gênero A. pallidus, especialmente em colônias urbanas (Ref.15).
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O corpo do andorinhão-preto é altamente adaptado para o voo e já era sabido que essa ave costumavam voar longas distâncias sem descanso, mas até poucos anos atrás ninguém suspeitava que a espécie pudesse chegar ao extremo de passar quase o ano inteiro voando sem pausa.
PERMANÊNCIA NO AR
Algumas outras aves também mostram incrível poder de resistência de voo, mas nenhuma chega perto de ultrapassar o recorde do andorinhão-preto. Como exemplo podemos citar outra espécie de andorinhão, o Andorinhão-Real (Tachymarptis melba), e o Tesourão-Grande (Fregata minor). O Andorinhão-Real, honrando a família, chega a ficar mais de 6 meses voando sem parar, com um estudo de 2013 publicado na Nature (Ref.6) registrando um indivíduo dessa espécie que ficou 200 dias nos céus. Já o Tesourão-Grande pode ficar sem pousar por até 2 meses.
Voar requer um gasto de energia bem alto quando comparado com as atividades em solo ou na água. O senso comum sugere que as aves que gastam muito tempo no ar precisam pousar com grande frequência para recuperar as energias. Porém, diversas estratégias de voo parecem ter evoluído nesses animais no sentido de superar a expectativa. Um estudo publicado em 2016 na Science (Ref.7), por exemplo, mostrou que Tesourões-Grandes no oceano Índico aproveitam correntes de ar ascendentes dentro ou abaixo de nuvens cúmulos para planar longas distâncias auxiliados pela ajuda eólica extra na economia de energia.
À esquerda, o Tesourão-Grande e, à direita, o Andorinhão-Real. Fotos: Google Images |
Outra dúvida explorada no estudo da Current Biology era se o andorinhão-negro dormia durante as longas estadias no céu. A maior parte dos animais sofrem bastante com a falta de sono e basta você ficar 1 ou 2 noites sem dormir para saber o quão horrível é. Porém, segundo análise dos pesquisadores, parece que o andorinhão-preto também evoluiu no sentido de suportar períodos escassos de sono. Estudos prévios já haviam apontado que essas aves buscam dormir após longos períodos de voo como atividade de preferência, talvez para recuperar o sono perdido, mas ainda não é possível afirmar com certeza se elas fazem isso também no ar e qual a real importância dessa atividade para a saúde desses animais. É bem estabelecido, por exemplo, que o Tesourão-Grande dorme em pleno voo, mas será que isso pode ser extrapolado para outras aves que gastam mais do que 1 dia voando, como as migratórias?
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De fato, cientistas têm sugerido que o sono pode ser plenamente possível durante os voos, e o Tesourão-Grande é prova viva disso. Entre dois tipos principais de sono, o REM (Movimento Rápido dos Olhos) e SWS (Fase de Ondas-Lentas) - ambos sendo traduzidos da sigla em inglês padrão -, o SWS seria a escolha durante os voos, já que não carrega consigo a típica atonia muscular associada com o REM, fase esta mais profunda. No SWS, os olhos inclusive podem ficar abertos e conectados com um hemisfério do cérebro ainda acordado (no REM, ambos os hemisférios adormecem) permitindo que as aves visualizem o caminho nos céus. Golfinhos no mar, por exemplo, usam essa estratégia, dormindo com um olho aberto (USWS - Fase Unilateral de Ondas-Lentas) e, ao mesmo tempo, continuam nadando.
Sugestão de leitura:
Aliás, dependendo do voo, não seria necessário nem uma visualização do caminho, apenas um controle motor muscular mínimo em funcionamento. Neste último caso, um estudo publicado em 2016 na Nature (Ref.9) mostrou que o Tesourão-Grande dorme em pleno voo tanto com um hemisfério acordado e o outro adormecido, ou com ambos os hemisférios adormecidos (para confirmar isso, os pesquisadores usaram dados de eletroencefalogramas obtidos de aparelhos anexados às aves). Esse estudo, inclusive, mostrou que, apesar dessas aves dormirem no ar, elas gastam apenas 7,4% do tempo adormecidas, indicando que o sono pode não ser tão essencial assim para esses animais.
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> Falando estratégias para economia de energia, o andorinhão-preto também possui a habilidade de entrar em estado de torpor, com quedas médias de temperatura corporal durante períodos de acasalamento de até 8,6°C. Torpor é um estado fisiológico altamente controlado e reversível de hipometabolismo, observado em vários animais endotérmicos (ex.: aves e mamíferos). Em aves, torpor geralmente dura menos de 24 horas. A taxa metabólica durante o torpor das aves pode ser reduzida em cerca de 50% e em até 95% nos beija-flores. Dependendo da temperatura ambiente, o torpor pode ser acompanhando por uma redução na temperatura corporal de 5°C até 30°C. Ref.17
> A dieta do andorinhão-preto parece ser composta principalmente de insetos das ordens Coleoptera (besouros) e Hymenoptera (vespas, abelhas e formigas). Mais de 500 espécies de insetos têm sido identificadas como presas, geralmente com tamanhos entre 2 e 10 mm. Ocasionalmente essa ave pode predar aranhas. Poluição cada vez maior da atmosfera com micropartículas de plástico geradas pelas atividades humanas tem levantado preocupação entre especialistas: fibras plásticas já são muito prevalentes nas amostras fecais de andorinhões-pretos adultos e filhotes. Ref.18, 21
> Para complementar as necessidades hídricas, o andorinhão-preto regularmente descende a vários corpos d'água (ex.: lago) e, planando a velocidades relativamente baixas, bebe água após abrir o bico e tocá-lo na superfície. Também parecem ingerir gotas de chuva durante o voo. Ref.19
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VELOCIDADE DE MIGRAÇÃO
As aves habitam todos os continentes do planeta e regularmente realizam uma das mais longas campanhas migratórias registradas no Reino Animal. No geral, a migração no verão é mais rápida do que aquela no outono, e as velocidades migratórias, no geral, alcançam os valores máximos nas aves de pequeno porte tipicamente em torno de 200-400 km/dia. A velocidade migratória depende de vários fatores, incluindo estilo de voo, tamanho corporal, e taxas de consumo e de gasto de energia durante o voo. Para aves como os andorinhões (família Apodidae), modelos teóricos preveem uma velocidade média máxima de 500 km/dia.
Como já explorado, o andorinhão-preto exibe extraordinárias adaptações para um estilo de vida aéreo, incluindo alta razão entre altura e largura das asas, corpo aerodinâmico, equilíbrio otimizado entre bater de asas e planar para máxima economia de energia, produtivo aproveitamento das correntes de ar e, provavelmente, sono durante o voo à noite. Além disso, esses pássaros se especializaram para a caça aérea de insetos de forma a eliminar a necessidade de pouso para a alimentação (Ref.12), e, de fato, passam a maior parte do ano e do tempo no ar. É possível, portanto, que o valor teórico possa estar subestimando o poder de avanço migratório dessa espécie.
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No segundo estudo (Ref.10), pesquisadores usaram rastreamento por GPS para analisar migrações sazonais dos andorinhões-pretos (subespécie A. a. apus) (2) durante as temporadas de acasalamento na parte norte da Europa. Os dados obtidos revelaram velocidades de migração de verão substancialmente maiores (média: 570 km/dia; máximo: 832 km/dia ao longo de 9 dias) do que o predito para essa espécie nos modelos teóricos.
Na migração de inverno, os andorinhões-pretos mostraram realizar significativas 'paradas', constituídas de 1-4 períodos de residência com restritos movimentos geográficos, principalmente em áreas localizadas entre 35° e 50° de latitude, pouco antes de cruzarem o Deserto do Saara. Cada parada durava de 2 dias até 15 dias, variando de indivíduo para indivíduo, e resultando em uma velocidade migratória média de 250 km/dia. Já a migração de verão envolveu quase contínuo voo a partir, na média, do dia 14 de maio, e durando, em média, 15 dias, com os pássaros alcançando as áreas de acasalamento no dia 29 de maio. Três dos pássaros monitorados não pararam uma única vez durante o voo. Assistência dos ventos - somada às outras adaptações aerodinâmicas e de comportamento aéreo do andorinhão-preto - mostrou-se crucial para o alcance de velocidades migratórias tão altas.
Borne to be airborne. Foto: Aron Hejdström, CAnMove |
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(2) A subespécie A. a. pekinensis realiza uma rota migratória de ~30 mil quilômetros anualmente entre Pequim (local de reprodução) e áreas no sudoeste semiárido da África (Ref.14).
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Artigo Recomendado: Parceira de mel entre homens e pássaros!
REFERÊNCIAS CIENTÍFICAS
REFERÊNCIAS CIENTÍFICAS
- Hedenström et al. (2016). Annual 10-Month Aerial Life Phase in the Common Swift Apus apus. Current Biology, Volume 26, Issue 22, P3066-3070. https://doi.org/10.1016/j.cub.2016.09.014
- http://www.nature.com/news/record-breaking-common-swifts-fly-for-10-months-without-landing-1.20873
- http://animaldiversity.org/accounts/Apus_apus/
- http://www.iucnredlist.org/details/22686800/0
- https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/16688436
- http://www.nature.com/articles/ncomms3554?WT.ec_id=NCOMMS-20131009
- http://science.sciencemag.org/content/353/6294/26
- http://cat.inist.fr/?aModele=afficheN&cpsidt=13709894
- http://www.nature.com/articles/ncomms12468
- Âkesson et al. (2021). Wind-assisted sprint migration in northern swifts. iScience, Volume 24, Issue 6, 102474. https://doi.org/10.1016/j.isci.2021.102474
- https://onlinelibrary.wiley.com/doi/full/10.1111/evo.14093
- https://www.sciencedirect.com/science/article/abs/pii/S0003347217303974
- Finch et al. (2022). Demography of Common Swifts (Apus apus) breeding in the UK associated with local weather but not aphid biomass. IBIS, Volume 165, Issue 2, Pages 420-435. https://doi.org/10.1111/ibi.13156
- Zhao et al. (2022). A 30,000-km journey by Apus apus pekinensis tracks arid lands between northern China and south-western Africa. Movement Ecology 10, 29. https://doi.org/10.1186/s40462-022-00329-2
- https://onlinelibrary.wiley.com/doi/abs/10.1111/ibi.13087
- Wellbrock & Witte (2022). No “carry-over” effects of tracking devices on return rate and parameters determining reproductive success in once and repeatedly tagged common swifts (Apus apus), a long-distance migratory bird. Mov Ecol 10, 58. https://doi.org/10.1186/s40462-022-00357-y
- https://royalsocietypublishing.org/doi/full/10.1098/rsbl.2021.0675
- https://www.mdpi.com/2305-6304/12/6/408
- Ruaux et al. (2023). Drink safely: common swifts (Apus apus) dissipate mechanical energy to decrease flight speed before touch-and-go drinking. Journal of Experimental Biology. Link do PDF
- Cornuet, J. (2024). How fast does the Common Swift (Apus apus) fly? Chronological bibliography. Plume de Naturalistes, No. 4. Link do PDF
- Cornuet, J. (2020). Contribution of slow motion video for an in flight behavioral study in the Common Swift (Apus apus) during the breeding period (Part 2 Foraging). Plume de Naturalistes, No. 4. Link do PDF