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É possível quebrar uma taça de vidro apenas com a sua voz?


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          É clássico vermos em desenhos animados e filmes de comédia pessoas conseguindo quebrar objetos de vidros, especialmente taças de cristal, apenas cantando a plenos pulmões. Cantores de ópera são os mais associados com essa habilidade. Mas será que existe alguma verdade nisso? Incrivelmente, sim, e isso já foi demonstrado um número de vezes na prática! Porém, muitas variáveis precisam ser bem controladas para o experimento sonoro ocorrer como o esperado.

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          Apesar disso parecer uma lenda urbana, é mais do que plausível ondas sonoras da nossa voz conseguirem quebrar um objeto de vidro. Todos já devem ter ouvido sobre algo chamado 'ressonância', a qual pode ser definida como um sistema vibracional ou uma força externa que faz com que outro sistema oscile com uma maior amplitude a partir de uma frequência específica. Todo corpo possui frequências naturais de ressonância inerentes à sua estrutura e caso exista uma transferência de energia sincronizada com essa frequência, o sistema oscilatório terá uma amplitude cada vez maior, vibrando com cada vez mais energia. 

          Para melhor ilustrar, é só pensarmos no clássico exemplo de um balanço de gangorra. Quando você está empurrando alguém nessa balança, você espera ela atingir o ponto mais alto do movimento e parar, para, só então, empurrá-la novamente. Respeitando essa sincronia (frequência), o balanço passará a atingir um ponto cada vez mais alto (uma maior amplitude) para cada empurrada, acumulando cada vez mais energia. Se caso contrário você não esperar o balanço atingir o ponto mais alto para só aí empurrar, você irá freá-lo parcialmente, desperdiçando grande parte da energia que você iria transmitir para o sistema. E essa mesma ideia pode ser aplicada para objetos de vidro, especialmente devido ao fato desse tipo de material ter uma fraca capacidade de amortecimento (1).

A força externa, para transmitir o máximo de energia para o sistema oscilatório do balanço deve atuar no ponto máximo do movimento do balanço, onde a energia cinética é zero mas a potencial é máxima; nesse caso, a força estaria sincronizada com a frequência desse balanço, resultando em aumento de amplitude e de energia mecânica acumulada. Para um tratamento matemático detalhado do fenômeno da ressonância, fica a sugestão de leitura: Scielo

       Caso uma uma fonte de energia externa consiga fornecer energia ao objeto de vidro de forma a aumentar de forma crítica a amplitude dentro de um ou dois dos seus modos normais de vibração, você conseguirá quebrá-lo. Ao contrário de materiais como o quartzo ou metais como o ferro, os átomos covalentemente ligados no vidro são arranjados em uma estrutura amorfa ao invés de uma estrutura cristalina ou ordenada. Essa característica torna o vidro muito suscetível a fraturas, quebrando através de fratura concoidal que não exibe planos de separação e sendo pouco eficiente em amortecer forças aplicadas. Excitar a frequência fundamental associada com oscilações naturais do vidro, portanto, não necessita de grande acúmulo de energia para significativos danos estruturais.

            Nesse sentido, caso você encha os pulmões e mande uma voz alta o suficiente (transportando energia através de ondas sonoras) com uma frequência coincidindo razoavelmente com a frequência de vibração natural do vidro e durante um certo período contínuo de tempo, o limite elástico do vidro é superado pelo efeito de ressonância, e temos a quebra. Só que aqui temos alguns obstáculos. Bem, primeiro isso não será uma tarefa nada fácil caso a única fonte de energia seja as ondas sonoras vindas da sua boca. Com o uso de amplificadores de som, a tarefa fica mais fácil, já que isso fornecerá mais energia associada à frequência da voz emitida. Caso você queira quebrar o vidro sem o auxílio de nada, você terá que...

1. ...Escolher um formato que facilite a transferência de energia por ressonância. Nesse caso, uma taça fina de cristal seria o mais indicado, já que o seu formato oco e paredes pouco espessas iriam diminuir ainda mais o amortecimento das ondas sonoras emitidas por você. Impurezas no vidro também causam amortecimento, portanto, quanto mais puro o vidro, melhor.

2.
A constituição do vidro também precisa ser levada em conta, para podermos conferir se ele possui boas quantidades de rachaduras microscópicas de tamanhos mínimos que facilitarão a propagação dos danos pela ressonância. Vidros com a constituição mais perfeitinha dificilmente serão quebrados mesmo com a ajuda de moderados amplificadores.

3. Aproximar bem o objeto da boca, para que a perda de energia sonora sendo direcionada para o mesmo seja reduzida ao máximo. Aquela história do cantor de ópera berrar e os vidros em volta de toda a sala serem despedaçados é lorota.

4. Bem, e você terá que ter um bom preparo vocal. Não será qualquer um que conseguirá essa proeza. Você precisará manter a frequência certa (dentro de ± 1/2 Hz do valor específico)  por um tempo considerável e mandar um som bem volumoso ao mesmo tempo (acima de 100 decibéis). Na maioria das demonstrações práticas do fenômeno, volumes muito altos acabam sendo requeridos, aproximadamente em torno de 135-140 decibéis. Nesse ponto, é preciso tomar cuidado para que as pessoas envolvidas no experimento não tenham o sistema auditivo prejudicado.

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       Para provar que atendendo a esses pré-requisitos você conseguirá quebrar o objeto de vidro apenas com a voz, em 2005 o MythBusters chamou o cantor de Rock e treinador vocal, Jamie Vendera, para tentar quebrar um copo de cristal. Depois de 12 tentativas, ele conseguiu o feito, usando um volume de voz de 105 decibéis na frequência certa do cristal visado (556 Hz)! Ele provavelmente falhou nas tentativas anteriores porque os copos testados não deviam ter fraturas microscópicas grandes o suficiente. O vídeo abaixo mostra o feito:

                                

          Além de Jaime Vendera, outros exemplos posteriores também foram gravados de pessoas conseguindo quebrar taças de cristal com a voz. Portanto, é perfeitamente possível tal feito com a voz natural, mas , definitivamente, não será qualquer um que conseguirá fazê-lo ou em qualquer circunstância.

(1) Amortecimento é a redução, restrição ou prevenção de oscilações dentro de um sistema oscilatório, dissipando a energia mecânica acumulada. As molas de um carro são um exemplo de amortecimento usado para prevenir danos na estrutura do automóvel. 

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Curiosidade: Apesar do trágico e famoso colapso que acometeu a Ponte Tacoma nos EUA, em 1940, ser creditado ao efeito de ressonância em vários livros didáticos, onde a frequência natural dos ventos atingindo a ponte supostamente teriam coincidido com a frequência natural da estrutura desta última, é mais provável que o real fenômeno que a destruiu tenha sido gerado por algo conhecido como ´Excitação Aeroelástica´, o qual está mais relacionado com o sistema de amortecimento da ponte e formato aerodinâmico. De qualquer forma, parecem existir ainda dúvidas sobre o real mecanismo por trás do evento. Os artigos científicos em Ref.4, Ref.5 e Ref.6 explicam detalhadamente o assunto.
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REFERÊNCIAS CIENTÍFICAS
  1. http://www.acoustics.salford.ac.uk/acoustics_info/glass/
  2. http://www.scientificamerican.com/article/fact-or-fiction-opera-singer-can-shatter-glass/
  3. http://www.bbc.com/future/story/20160728-how-to-break-glass-with-sound
  4. http://www.ketchum.org/billah/Billah-Scanlan.pdf
  5. http://www.math.harvard.edu/archive/21b_fall_03/tacoma/ 
  6. https://www.wsdot.wa.gov/TNBhistory/Machine/machine3.htm
  7. http://large.stanford.edu/courses/2007/ph210/scodary2/