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As terapias de oxigênio curam doenças?



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        A medicina alternativa sempre nos surpreende com suas invenções mirabolantes, apesar da homeopatia ainda ser algo insuperável na minha opinião (Risos). O que eu venho confrontar agora é algo não muito difundido aqui no Brasil, mas que ganha cada vez mais força pelo mundo: as terapias com oxigênio. Mais uma vez, uma medicina sem base científica de apoio se espalha entre a população na força do grito.

          Nosso corpo é uma grande máquina metabólica. E, como toda máquina, ela precisa de combustível para funcionar. No nosso caso, o combustível são os alimentos ingeridos, os quais são, quase literalmente, queimados na presença de oxigênio (O2). A partir dessa queima, é produzido energia, gás carbônico (CO2) e outros metabólitos. É essa energia que movimenta todo o nosso corpo.

          A respiração é dividida em duas fases: inspiração e expiração. Na inspiração, o corpo capta oxigênio a partir do ar ao seu redor, alimentando o sangue com esse nutriente (sangue arterial). Na expiração, o corpo libera o gás carbônico em excesso, o qual é transportado até os pulmões pelo sangue venoso. Quem transporta o oxigênio é a hemoglobina, o pigmento proteico das hemácias. O problema é que a grande maioria das pessoas respira muito mal. E isso acaba se aliando com a péssima qualidade do ar nas grandes cidades.


Células de hemácias ( à direita), estrutura da hemoglobina ( ao centro), e o íon ferro na estrutura molecular organometálica

           De acordo com os elaboradores da terapia, o corpo humano está sob constante depravação de oxigênio, e isso leva à vários problemas no corpo, como baixa imunidade, fraqueza geral e até mesmo câncer. Para contornar isso, são sugeridas sessões onde o indivíduo inalaria uma mistura de ar enriquecida de oxigênio, forçando o corpo a ficar mais oxigenado. Além de ar oxigenado, produtos são vendidos com a intenção de aumentar a oxigenação do corpo, como bebidas oxigenadas e algumas pílulas suspeitas que prometem aumentar os níveis de oxigênio no sangue, como a fraudulenta ´Vitamina O´. São dois os problemas com essa lógica pseudo-científica.

           Primeiro, nosso corpo evoluiu para para se adaptar o máximo possível à porcentagem de oxigênio presente na atmosfera. Por exemplo, toda vez que você respira, pelo menor tempo que for, o sangue que entrar em contato com o ar nos pulmões ficará quase totalmente saturado de oxigênio, através das efetivas ligações das moléculas desse gás com o ferro da hemoglobina, proteína a qual possui várias propriedades bioquímicas que permitem o máximo de interação com o oxigênio. O organismo humano não está em ´depravação´ de oxigênio ou não estaríamos aqui. Em média, o sangue dos bronquíolos ( ramificações dos brônquios nos pulmões e que estão em contato com os capilares sanguíneos) ficam com 97% da sua capacidade de oxigênio preenchida através de um ar que tenha cerca de 21% de oxigênio ( média atmosférica), em um indivíduo normal. Caso você aumente as quantidades de oxigênio para algo em torno de 30% ( próximo das tais sessões) seu corpo irá ter um extra de oxigênio ínfimo, não sendo nem perceptível no seu metabolismo geral.

A proteína da Hemoglobina é otimizada ao máximo para conseguir capturar a maior quantidade possível de moléculas de oxigênio do ar e evolui para lidar com a composição normal da nossa atual atmosfera

          Se você já possui uma boa respiração, não importa se o ar está vindo de um cilindro oxigenado ou da atmosfera, porque os benefícios serão os mesmos. E é preciso tomar cuidado, já que o uso de altas concentrações de oxigênio por um longo período pode ser prejudicial, especialmente em doenças como a asma e a enfisema. E produtos injetáveis ou comestíveis que prometem aumentar o nível de oxigênio de forma segura no sangue são balela. A empresa Rose Creek Health Products, por exemplo, foi multada em 375 mil dólares por vender um produto popular a partir de 1999 chamado de 'Vitamina O', o qual afirmava elevar os níveis de oxigênio no sangue e melhorar bastante a saúde do corpo. Nenhuma das alegações eram verdadeiras, mas até hoje o produto continua no mercado.

           E, por último, não existem evidências científicas que defendam a visão de que o corpo irá curar doenças, aumentar o sistema imunológico, entre outras coisas do tipo, apenas elevando um nível mínimo de oxigênio ( 1-2%) sendo carregado pelas hemoglobinas.  Além disso, pense bem: você só terá essa ínfima quantidade a mais de oxigênio circulando durante alguns minutos, tempo de cada sessão. O que isso adianta? Pegando carona na onda, algo ficando bastante popular no mundo são os chamados ´Bares de Oxigênio´, onde o cliente paga uma certa quantia para ficar cheirando oxigênio em tubos distribuídos no local. Além de ser um dinheiro jogado fora, você corre sérios riscos de saúde caso o cilindro de armazenamento desse gás não esteja devidamente higienizado. E outra: quanto mais fontes de oxigênio no ambiente, maior o risco de grandes incêndios (não porque o oxigênio é inflamável, mas, sim, por ele ser comburente).

No Canadá, pessoas se reunindo em um Bar de Oxigênio para respirarem um ar mais oxigenado de cilindros; geralmente, usam-se óleos aromáticos para deixar a experiência mais prazerosa

          A administração de oxigênio deve ser feita em emergências médicas sob a supervisão de profissionais qualificados. Como o gás oxigênio é considerado um medicamento, ele deve ser prescrito apenas quando realmente necessário. Se você é saudável, ou não possui problemas pulmonares, inalar oxigênio é, no mínimo, uma perda de tempo e dinheiro. E para você melhorar a qualidade do ar que você respira, fuja de locais muito poluídos, evite fumar e busque tratamento qualquer doença respiratória que esteja te atingindo: 


1.Poluição: o ar das grandes cidades costumam ter uma concentração muito maior de poluentes (CO, SOX, NOX e gases não úteis para nós (CO2). Isso diminui a concentração do oxigênio nesse ambiente. Além disso, o monóxido de carbono ( CO) se liga fortemente ao ferro das hemoglobinas, impedindo o oxigênio em se prender a elas ( por isso a fumaça de um carro mata por asfixia se estiver em altas quantidades, pois fornece uma enorme quantia de CO para o sangue, inutilizando grande parte das hemoglobinas). E um estudo britânico deste ano, realizado na King’s College London, mostrou que, em 2010, 5900 mortes em Londres foram causadas diretamente pelo dióxido de nitrogênio (NO2), o qual é liberado do escapamento dos veículos e causa sérios danos ao tecido do pulmão, entre outros órgãos;

2. Tabagismo: além de destruir os alvéolos pulmonares ( responsáveis por realizarem as trocas gasosas), a fumaça dos cigarros, e similares, é muito pobre em oxigênio, e ela acaba substituindo grande parte do ar inspirado. Existe também o mesmo problema do monóxido de carbono;

3. Doenças: bem, mas é claro, temos as doenças que prejudicam o transporte de oxigênio ( anemia) ou prejudicam o ato da respiração ( gripes, resfriados, sinusite, asma, bronquite e outros problemas respiratórios cada vez mais frequentes).

       Contornando todos esses problemas listados, aí, sim, você obterá excelentes qualidades respiratórias. Ficar inalando ar oxigenado de cilindros por alguns minutos e depois sair fumando feito um louco é apenas perda de tempo e o pior: você pode acabar ficando desmotivado a parar de fumar por achar que  a terapia com oxigênio está cobrindo os danos causados pelo fumo do tabaco. Cuidado! 

OBS.: Existe um outro tipo de terapia chamada de Medicina Hiperbárica que não pode ser confundida com a Terapia de Oxigênio. Nela, o paciente entra em uma câmara especial preenchida com gás oxigênio puro, este o qual encontra-se sob uma pressão bem maior do que aquela acima do nível do mar. Isso força as moléculas desse gás a se dissolverem em maior quantidade no plasma do sangue, criando uma maior pressão parcial do oxigênio no corpo humano. Esse procedimento serve para reais propósitos médicos, como a ´doença de mergulhador´, envenenamento por monóxido de carbono e embolismo gasoso. Apesar disso, têm ocorrido um aumento drástico no uso desses equipamentos por pessoas procurando a cura da Aids, câncer, esclerose múltipla, diabetes, problemas cardíacos, entre outras, tudo baseado na premissa da Terapia do Oxigênio. E isso é bem irresponsável, já que essa técnica possui diversas contra-indicações e deve ser supervisionada cuidadosamente por um profissional treinado. E, para piorar, não existe evidência científica nenhuma que o oxigênio sob alta pressão traga quaisquer benefícios do tipo.

Paciente em uma câmara hiperbárica de oxigênio

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REFERÊNCIAS CIENTÍFICAS
  1. http://www.mayoclinic.org/tests-procedures/hyperbaric-oxygen-therapy/basics/why-its-done/prc-20019167
  2. https://www.sciencebasedmedicine.org/oxygen-is-good-even-when-its-not-there/
  3. http://www.cancer.org/treatment/treatmentsandsideeffects/complementaryandalternativemedicine/more-cam-info
  4. http://jama.jamanetwork.com/article.aspx?articleid=376380
  5. http://archive.rubicon-foundation.org/xmlui/handle/123456789/1638
  6. http://www.mamashealth.com/doc/oxygen.asp
  7. http://www.nhlbi.nih.gov/health/health-topics/topics/oxt