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A Lua pode disparar grandes terremotos?


- Atualizado no dia 8 de abril de 2024 -

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           Desde o começo do século XX, os cientistas vêm desconfiando da ação das forças gravitacionais da Lua e do Sol como fator de gatilho para terremotos que ocorrem na crosta do nosso planeta. É uma ideia plausível, já que as forças de estresse provocadas pelo efeito gravitacional lunar e solar variável na crosta terrestre são de considerável magnitude. Mas o que as evidências científicas apontam? A Lua pode de fato engatilhar grandes terremotos? Existem regiões - direta ou indiretamente - mais afetadas por essa influência gravitacional?

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   MARÉ E TERREMOTOS

          Por causa das forças desiguais de atração gravitacional na superfície da Terra causadas pela movimentação do Sol e da Lua, uma região terrestre será puxada com mais força para o lado desses corpos do que as outras. Isso é difícil de ser sentido por nós, mas podemos facilmente notar esse fenômeno nos oceanos. Já que a água marinha é um líquido bem fluído, essas resultantes gravitacionais acabam afetando substancialmente os mares, causando a subida e descida de nível dessas massas de água (1). Nos períodos de Lua Cheia e Lua Nova, as diferenças gravitacionais na crosta terrestre são as maiores, onde Terra, Sol e Lua estão alinhados, causando os maiores desníveis (1). Toda essa dinâmica é conhecida como 'Efeito de Maré', e os consequentes estresses na litosfera é proposto de engatilhar os grandes terremotos.

Leitura complementar: 

        Sabe-se, a partir de várias análises dos registros de terremotos ao redor do globo, que pequenos tremores podem ser afetados pelo efeito de maré nas áreas oceânicas. O motivo é o fato das variações das marés levarem à movimentação de grandes massas de água nos oceanos, fazendo as forças sobre os blocos submersos das falhas normais e inversas variarem. Assim, os padrões diários e mensais de subida e de descida da maré estariam por trás de terremotos mais tímidos em certas partes do globo, como na falha de San Andreas, na Califórnia, e na região de Cascadia, na Costa Oeste também na América do Norte.

          Mas estudos também suspeitam que o efeito de maré possa estar fortemente associado a um conhecido padrão de atividade dos terremotos mais intensos (tectônicos) em torno do Cinturão de Fogo no Pacífico, o ciclo anual '9/56' (Ref.2-3). Ou seja, em 3 ou 4 sequências de 9 anos no início de um intervalo de 56 anos, grandes terremotos são presenciados, uma ou mais vezes em anos específicos, e isso está relacionado também com um padrão específico de angulação do Sol e Lua com a Terra. Somando-se a isso, um estudo de 2009 realizado por pesquisadores Japoneses (Ref.4), analisando a região de Tamba Plateau, uma área cheia de terremotos no distrito de Kinki, na parte central do Japão, mostrou que micro-terremotos ocorridos entre 1995 e 1996 seguiam um padrão guiado pelas fases lunares e que, durante as Luas Cheias e Luas Novas, a incidência desses eventos aumentavam. Antes de 1995, essa relação não foi encontrada, mas isso seria explicado pelo grande terremoto de Hyogoken Nanbu, o qual pode ter deixado a região mais sensível ao efeito da maré.

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> Terremotos tectônicos, também conhecidos como terremotos de falhas, são causados pela movimentação das placas tectônicas na litosfera e respondem por mais de 90% dos terremotos no mundo (2).

> Quando a deformação excede a capacidade de integridade da rocha, a energia de longo prazo acumulada durante o movimento tectônico é rapidamente liberada, fazendo as rochas vibrarem e resultando em terremotos.

> O estresse extra causado pela influência gravitacional da Lua e do Sol (ex.: redistribuindo grandes massas de água sobre a superfície terrestre ou adicionando diretamente deformação) pode contribuir para o processo de ruptura da falha e ser o fator de gatilho para liberação de energia tectônica acumulada.

Leitura complementar
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           Em um notável estudo publicado em 2016 na Nature (Ref.1), Dr. Satoshi Ide, um sismólogo da Universidade de Tóquio, com a ajuda dos seus colegas, mostrou que durante os períodos de Lua Nova e Cheia os terremotos tendem a ser mais poderosos. Analisando  registros de terremotos ao redor do globo, especialmente a Califórnia e Japão, foi encontrado que para mais de 10 mil terremotos com magnitude ao redor de 5,5, qualquer um deles que comece durante um período de Lua Cheia ou Nova terá maiores chances de evoluir para um de magnitude 8 ou mais, como aqueles que atingiram o Chile em 2010 e no Japão em 2011. Segundo o estudo, o que estaria ocorrendo é a influência do mais intenso efeito de maré nessas fases lunares - representando as maiores diferenças de forças gravitacionais externas sob a nossa crosta -, levando ainda mais estresse em áreas já no limiar de um terremoto, e culminando em uma maior liberação de energia associada às dinâmicas tectônicas.




          Porém, como notam outros estudos e autores, essas coincidências entre grandes terremotos e fases lunares e solares não tendem a ser estatisticamente significativas. O próprio Ide et al. deixou claro que o seu estudo não era conclusivo e que mais análises de alta qualidade precisavam ser feitas. Soma-se a isso o fato de estresses de maré serem 3-5 ordens de magnitude inferiores do que estresses tectônicos, tornando a relação causa-e-efeito elusiva (Ref.16) (!). Um estudo publicado em 2018 na Seismological Research Letters (Ref.13), analisando 214 eventos de terremotos com magnitude acima de 8.0 desde o ano de 1600, encontrou um excesso de apenas 5% de grandes terremotos ocorrendo em dias lunares do que em outros. Como esses grandes terremotos geralmente não ocorrem mais de uma vez ao ano, isso torna essa flutuação estatística de pouca utilidade para fazer previsões.

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(!) Apesar do estresse de maré variar de forma comparativamente pequena (~103 Pa) em relação ao estresse médio liberado durante um terremoto (~106 Pa), a taxa de acúmulo de estresse de maré é muito maior do que o estresse tectônico. É argumentado que a taxa comparativamente alta do estresse de maré caracterizaria um gatilho adequado para terremotos. Ref.
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          Para tornar ainda mais complexa a questão, um estudo publicado no periódico National Science Review (Ref.14), após analisar centenas de milhares de terremotos no território Japonês com magnitude superior a 1.0, encontrou periodicidades de 12 e 24 horas, mas as quais estavam associadas com o Sol - e com o período diurno (meia-noite ao meio-dia) - e não com a Lua! Considerando que a Lua possui um efeito gravitacional 2,2 vezes maior do que o Sol em termos de influência terrestre, isso coloca ainda mais dúvida na extensão de importância do efeito de maré na emergência de terremotos fora das áreas oceânicas. Portanto, pelo menos no Japão, os mecanismos de disparo dos terremotos não parecem estar dominados por efeitos gravitacionais no Sistema Solar. Seria, de alguma forma inesperada, a influência de ventos solares, excesso de radiação magnética ou variações de temperatura?

          Aliás, outro mistério envolvendo o efeito de maré e os terremotos foi resolvido em um estudo publicado em 2019 na Nature Communications (Ref.15). Apesar das incertezas quanto ao efeito de maré na determinação de terremotos nas áreas continentais e como gatilho de grandes terremotos, eventos sísmicos de baixa a moderada intensidade nas regiões montanhosas submersas do meio dos oceanos (no limite das placas tectônicas) estão de fato associados às marés, como já mencionado. Porém, algo inesperado ocorre: terremotos nessas regiões ocorrem preferencialmente nas marés baixas, quando menos massa oceânica está pressionando os blocos mais elevados das falhas normais. Como esses blocos nas falhas normais estão se deslocando para baixo em relação aos blocos inferiores, era de se esperar que uma maior massa oceânica (maré alta) ajudando a empurrá-los seria um fator mais importante para engatilhar os terremotos, ao facilitar a liberação de energia acumulada.

          Para explicar esse aparente paradoxo, os pesquisadores no novo estudo investigaram minuciosamente o Vulcão Axial ao longo da Placa Juan de Fuca no Oceano Pacífico e mostraram que as movimentações das falhas normais gerando os terremotos são fomentadas pela contração e expansão das câmaras de magma no interior da litosfera. Essa "respiração" da câmara de magma, por sua vez, é causada pelas variações de maré, onde na maré baixa, com menos massa de água sobre a câmara, ocorre uma expansão, forçando o bloco inferior da falha a ascender e disparar os terremotos. Além desse achado, os pesquisadores também mostraram que qualquer fonte (natural ou antropogênica) de estresse na crosta terrestre é suficiente para disparar terremotos nessas regiões de falha, o que pode explicar a aleatoriedade desses eventos.

          Alguns estudos de caso e de revisão mais recentes continuam encontrando evidência de que os ciclos de marés - relacionados às dinâmicas de interação gravitacional entre Sol, Lua e Terra - atuam de forma importante na nucleação e no gatilho de terremotos tectônicos, em especial para eventos sísmicos com profundidades de 0-40 km (Ref.17-19). Nesse sentido, marés semi-diurnas, diurnas e lunares estariam atuando como gatilhos para terremotos de magnitudes e tipos variados [tectônicos, vulcânicos e terremotos lentos] ao redor do mundo, particularmente um fator dominante quando o estresse de falha está em um estado crítico próximo do limiar de liberação da energia acumulada [terremoto em si] (Ref.19).

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> Tem sido também proposto que as forças de maré contribuem de forma significativa para a movimentação das placas tectônicas, somando-se às forças resultantes dos movimentos de convecção do manto. Ref.20
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   CONCLUSÃO

           Apesar das evidências acumuladas apontando algum tipo de relação entre o efeito de maré e os grandes terremotos, a hipótese de que as taxas globais e regionais de terremotos são essencialmente aleatórios ainda não foi rejeitada  - com exceção dos tremores subsequentes aos eventos sísmicos principais e aqueles nas áreas oceânicas associados às marés altas e baixas. Atualmente, não é possível usar as fases lunares e outras dinâmicas de marés para fazer previsões úteis de terremotos e os fatores engatilhando esses tremores mostram-se múltiplos. Terremotos de alta magnitude já na iminência de ocorrerem podem ser potencialmente disparados tanto por uma Lua cheia quanto por uma perfuração humana da crosta em busca de combustíveis fósseis (fracking).


(1) Artigo complementar: Como são formadas as ondas e marés?

Artigo relacionado: As fases da Lua afetam os cabelos? 


REFERÊNCIAS CIENTÍFICAS
  1. http://www.nature.com/news/moon-s-pull-can-trigger-big-earthquakes-1.20551
  2. http://www.davidmcminn.com/eqpages/calquakes.pdf
  3. https://mpra.ub.uni-muenchen.de/51663/
  4. https://www.jstage.jst.go.jp/article/jgeography1889/111/2/111_2_248/_article/-char/ja/
  5. http://www.earthdoc.org/publication/publicationdetails/?publication=84585
  6. http://www.bssaonline.org/content/54/6A/1865.short
  7. http://www.bssaonline.org/content/26/2/147.extract
  8. http://link.springer.com/article/10.1007/BF00561957
  9. http://www.sciencedirect.com/science/article/pii/003192019090218M
  10. http://www.sciencedirect.com/science/article/pii/0012821X67901926
  11. http://srl.geoscienceworld.org/content/75/5/607.full 
  12. https://www2.usgs.gov/faq/categories/9827/3354
  13. https://pubs.geoscienceworld.org/ssa/srl/article-abstract/89/2A/577/525827/do-large-magnitude-8-global-earthquakes-occur-on
  14. https://academic.oup.com/nsr/advance-article/doi/10.1093/nsr/nwy117/5123738
  15. Scholz et al. (2019). The mechanism of tidal triggering of earthquakes at mid-ocean ridges. Nature Communications 10, 2526. https://doi.org/10.1038/s41467-019-10605-2
  16. Dumont et al. (2023). Chapter 14 - Tides, earthquakes, and volcanic eruptions. A Journey Through Tides, Pages 333-364. https://doi.org/10.1016/B978-0-323-90851-1.00008-X
  17. Peng et al. (2021). Precursory tidal triggering and b value variation before the 2011 Mw 5.1 and 5.0 Tengchong, China earthquakes. Earth and Planetary Science Letters, Volume 574, 117167. https://doi.org/10.1016/j.epsl.2021.117167
  18. Huda et al. (2023). Tidal triggering of seismicity in the region of Palu, Central Sulawesi, Indonesia. Geodesy and Geodynamics, Volume 14, Issue 4, Pages 377-384. https://doi.org/10.1016/j.geog.2022.12.002
  19. Chen et al. (2023). A review of tidal triggering of global earthquakes. Geodesy and Geodynamics, Volume 14, Issue 1, Pages 35-42. https://doi.org/10.1016/j.geog.2022.06.005
  20. Doglioni et al. (2020). Tidal modulation of plate motions. Earth-Science Reviews, Volume 205, 103179. https://doi.org/10.1016/j.earscirev.2020.103179