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Por que os músculos atrofiam?

- Artigo atualizado no dia 30 de julho de 2018 -

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           Os praticantes de musculação, em especial, buscam quase sempre a hipertrofia muscular, ou seja, um aumento de volume em suas células musculares. Além de aumentar a força mecânica do indivíduo e tornar o corpo mais bonito, uma maior massa muscular, ou sua manutenção, gera diversos benefícios para o corpo, incluindo um melhor controle da glicemia e maior autonomia/segurança de movimentação para as pessoas idosas. Mas, por diversos motivos, a atrofia muscular é disparada na ausência de exercícios resistivos, inatividade ou uma doença específica. E por que isso acontece?

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           Os processos que definem o surgimento da atrofia muscular são complexos e, até hoje, não muito bem compreendidos. Estudos consensuais mostram que grande parte da perda muscular é ativada por genes específicos, a partir de vários fatores, e através de diversos sinalizadores. Entre os fatores, podemos citar:

1. Doenças como a Aids, câncer e tuberculose;

2. Estados de deficiência nutricional, como a desnutrição profunda;

3. Envelhecimento por idade;

4. Períodos prolongados de inatividade, como a imobilização (membros enfaixados devido à danos ósseos, por exemplo), danos neuromotores (paralisias nervosas), sedentarismo, missões espaciais (microgravidade, as quais reduzem drasticamente as tensões musculares).

           Além disso, quando se possui uma massa muscular maior do que o normal devido à musculação, a falta da mesma intensidade de exercícios físicos antes efetuada diminui o volume muscular com o tempo. Nas últimas décadas, diversos estudos têm sido realizados para tentar entender como ocorre a perda de massa muscular. Pode parecer óbvio no caso da desnutrição, mas e devido à inatividade? 
A inatividade e o avanço de idade são duas das maiores causas de atrofia muscular; em pessoas idosas, as perdas estimadas são de cerca de 20 a 40% da massa muscular quando comparado com o período de juventude; Fonte da Imagem:  ADAM

           A atrofia da massa muscular, independente da causa, é caracterizada por uma diminuição do conteúdo proteico das células musculares, especialmente no diâmetro das fibras musculares. Isso acarreta progressiva perda de força e aumento da fatiga na execução de qualquer atividade física. Quando, por exemplo, sua musculatura passa a não receber mais estímulos de tensão (você para de levantar peso na academia ou uma enfermidade te incapacita a sair da cama por um bom tempo, por exemplo), sinalizadores (hormônios, outras moléculas diversas, etc.) entram em ação, diminuindo a taxa de síntese proteica no seu tecido muscular e aumentando a taxa de degradação proteica. Três principais mecanismos das proteases (enzimas relacionadas à quebra de proteína em unidades menores, como pequenos peptídeos e aminoácidos, através de um processo conhecido como proteólise) atuam sob as ordens desses sinalizadores:

1. Protease lisossômica: Os lisossomos são organelas celulares responsáveis pela degradação de diversas substâncias ou corpos dentro das células, através de enzimas específicas. Os sinalizadores de atrofia muscular ativam fortemente os lisossomos presentes junto às fibras musculares, acelerando o processo de perda proteica.

2. Proteólise mediada pelo Calpain: Calpains são proteases dependentes de íons Ca2+, presentes em todas as células dos vertebrados. Eles são responsáveis por quebrar citoesqueletos proteicos dentro das células musculares, o que faz com que as proteínas das fibras contráteis (miosina e actina) sejam vazadas de dentro delas. Além disso, os calpains degradam certas quinases (proenzimas que ativam reais enzimas) responsáveis pela síntese muscular.

3. Proteólise mediada pela Proteasoma: Proteasoma é um complexo de enzimas que são essenciais para a regulação de proteínas ´marcadas´ que controlam os processos de ciclo celular, incluindo a apoptose (morte celular). Algumas enzimas específicas desse complexo estão relacionadas com a função de degradação proteica, e são uma das mais notáveis participantes da atrofia muscular.

          A partir de todos esses elementos, células satélites da musculatura são perdidas, o mionúcleos (responsáveis pela coordenação da síntese proteica a partir do RNA) são destruídos gradativamente, proteínas são dilaceradas das fibras contráteis, e o processo de atrofia só vai se agravando se os fatores que acionam os sinalizadores continuarem em vigor. Diversas pesquisas focam em meios de parar esses processos, com métodos além do esforço muscular. No caso do sedentarismo, uma mudança na rotina de atividade física já funciona, mas em pessoas com certas condições especiais, como doenças e paralisias, são impedidas de executarem qualquer movimento físico maior. Muitos estudos já mostraram que barrando partes específicas dos processos acima mostrados, freia-se um pouco a atrofia muscular, porém, não não se sabe como elaborar um tratamento específico para colocar isso em prática sem danificar o corpo do indivíduo e de uma forma que barre a atrofia severa significativamente.

          Sabe-se também que a insulina produzida pelo nosso corpo é um potente fator de proteção contra a atrofia, retardando os processo de catabolismo muscular. Estudos mais recentes também estão mostrando que os superóxidos, radicalares ou não (produzidos pelo estresse oxidativo do corpo), também possuem papel importante como sinalizadores. Incluir antioxidantes (vitaminas, certos pigmentos vegetais, etc.) na dieta de forma a suprir o corpo com quantidades ideais deles tem demonstrado diminuir o processo de atrofia em pessoas inativas. E esse é um ponto interessante, porque reforça ainda mais o conselho aos praticantes de musculação, por exemplo, a investirem em alimentos com boa quantidade de antioxidantes (frutas, verduras, cereais) para otimizar os ganhos musculares.

Comer mais frutas, legumes e verduras pode ser uma excelente pedida para minimizar os efeitos da atrofia muscular

          Era também especulado que a creatina (suplemento bastante popular entre praticantes de musculação) (2) poderia servir como um agente de freio ao catabolismo muscular. Porém, um estudo publicado em 2017 na Sports Medicine (Ref.12) mostrou que o consumo de creatina não preserva a massa muscular durante imobilização das pernas em homens jovens e saudáveis. Em média, quando ocorre uma inatividade das pernas por cerca de 7 dias, ocorre uma redução de 5,5% nos músculos dessa parte do corpo e um declínio de 7,6% na força muscular. Provavelmente a inefetividade da creatina pode ser extrapolada para os outros grupos musculares nessa situação. Em outras palavras, a creatina não parece ser um agente contra a atrofia muscular. Sua suplementação deve vir acompanhada de atividades físicas.

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(2) Leitura recomendada: O que é a suplementação com creatina?


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      ESPECULAÇÕES EVOLUCIONÁRIAS

            Mas ainda não foi respondido o porquê da atrofia ocorrer. Bem, o objetivo do corpo em destruir seu tecido muscular é incerto. Perder o tecido e a força muscular é altamente danoso para o nosso organismo, assim como em diversos outros animais. O fator 'idade avançada' é até plausível de ser entendido porque, como o corpo humano não evoluiu por milhares de anos sob o cenário de idade muito avançada (mesmo hoje a média de expectativa não passa muito dos 70, imagina na maior parte da história pré-histórica humana), à medida que a idade avança, param de existir genes que preservam a vida. Por isso os sistemas do organismo começam a entrar em colapso, onde as doenças diversas atacam para valer, novas doenças surgem espontaneamente, os órgãos sexuais, as funções reprodutoras já não funcionam mais e o cérebro começa a sofrer danos permanentes. Com isso, uma atrofia muscular inexplicável seria vista como mais uma consequência infeliz do envelhecimento.

            E esse é o motivo da recomendação para que as pessoas sempre  pratiquem atividades físicas mesmo quando idosas, para manter as fibras musculares sob o máximo de proteção, principalmente com a musculação. Ganhar mais massa muscular do que o normal através da musculação durante a juventude também é uma boa estratégia, porque, assim, as perdas demorarão mais para causar danos graves. Mas o grande problema é em explicar os processos de atrofia em indivíduos jovens, e até saudáveis, devido ao simples fato de uma maior inatividade. Ora, por que a gordura não desaparece gradativamente também, ó mundo injusto?

           Pode ser que, devido ao maior gasto energético do corpo em manter as células musculares, certas situações adversas podem ter selecionado esses mecanismos de atrofia na nossa genética, especialmente quando analisamos os primeiros milhões de anos da nossa evolução em meio selvagem. Para se ter uma ideia, o tecido muscular demanda três vezes mais energia para se manter funcional do que as células adiposas (de gordura). Isso acontece porque os processos de degradação concomitantes com os processos de construção proteica dentro das células musculares ocorrem a todo momento e demandam uma boa quantidade de ATP (fonte celular de energia) para continuarem existindo. Os processos de atrofia, danos musculares, reparação muscular e síntese proteica estão ocorrendo sem parar, todos ao mesmo tempo, independente do estado do indivíduo. Os balanços totais positivos ou negativos de cada um desses processos são os que determinam se o músculo cresce, permanece inalterado ou diminui em volume, com todos eles demandando bastante energia para ocorrer.

          Nesse sentido, para economizar o máximo de energia (ora, no meio selvagem, comida é algo para ser muito venerado), em caso de maior desuso ou falta severa de alimento, os músculos seriam os primeiro a dar um adeus ao corpo, como forma de racionamento energético. Seria como jogar as coisas pesadas fora de dentro de um avião quando este estivesse com problemas mecânicos ou com falta de combustível, para diminuir o esforço de voo. Ou seja, enquanto estivéssemos queimando a massa de gordura (como fonte energética mais importante), perderíamos, junto, progressiva massa muscular, para limitar os gastos energéticos. Doenças desgastantes também ativariam a atrofia, para o corpo focar toda sua energia na cura delas. Mas isso é apenas uma hipótese, porque perder massa muscular de forma brusca é altamente danoso para o organismo, principalmente em um período onde força muscular era algo essencial para a sobrevivência.

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    E NOS OUTROS ANIMAIS?

           Grande parte dos outros mamíferos também possuem os mecanismos de perda muscular regulados de uma maneira muito parecida com a nossa. Em humanos e ratos, como falado anteriormente, a inatividade prolongada e períodos longos de fome induzem a uma forte atrofia muscular. Isso também é válido em animais em estado de hibernação (2),como os esquilos e morcegos. Como o metabolismo e temperatura corporal é diminuída drasticamente nesse último exemplo, os efeitos não são tão graves, porém ocorrem de forma significativa. Mas ursos em períodos de hibernação são uma notável exceção.

Ursos que hibernam possuem uma proteção natural contra os processos de atrofia muscular

        Durante os seus longos períodos hibernando, os quais duram entre 4 e 7 meses, eles não perdem quase que massa muscular nenhuma! Suas fibras musculares se mantém, virtualmente, do mesmo tamanho e sua força é conservada. Ou seja, eles se comportam como "Belas Adormecidas" que acordam do seu eterno sono como se nada tivesse acontecido. Como são animais que necessitam muito da sua imponente força para a manutenção do seu território e atividades diárias, de alguma forma diversos processos de anti-proteólise foram selecionados durante sua evolução e ativados na hibernação. E mais: alguns estudos conclusivos mostraram que quando o tecido muscular de ratos eram incubados junto com o plasma retirado de ursos hibernantes, uma diminuição de até 40% dos processos de atrofia eram observados, com a inibição ocorrendo, principalmente, nos mecanismos mediados pelas proteases e lisossomos. Com isso, tratamentos futuros podem ser criados com o uso desses fatores anti-atrofia dos ursos. E é preciso mencionar também que, durante a hibernação, os ursos também apresentam algumas contrações involuntárias como forma de ajuda na manutenção muscular. Porém, somente esse processo não teria resultado nenhum sem os elementos anti-proteóliticos.

          É interessante também mencionar que um estudo recente, publicado na Proceedings of the Royal Society B: Biological Sciences (Ref.11) encontrou que os animais podem ser capazes de utilizar seus próprios músculos como uma fonte de água durante períodos de desidratação. Estudando cobras pítons da espécie Antaresia childreni, os pesquisadores mostraram que o tecido muscular desses répteis atuam como uma importante fonte de água, o que pode ser refletido para vários outros animais. De fato, enquanto que o tecido adiposo é composto apenas por cerca de 10% de água, os músculos são constituídos por cerca de 75% de água. Ou seja, períodos de escassez de água parecem ser um gatilho poderoso para o catabolismo da massa muscular. E fica a dica para os marombeiros de plantão: hidratação sempre.

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      AINDA SEM MUITAS ALTERNATIVAS

            Enquanto não se desvenda toda a complexa gama de mecanismos bioquímicos por trás da atrofia muscular, astronautas, idosos e pacientes com doenças debilitantes continuarão sofrendo. Pelo menos, para os sedentários, existe uma solução bem simples de se alcançar: uma rotina maior de atividades físicas intensas. Não é só sua aparência em jogo e, sim, sua saúde. E falando em academia, marombeiros de plantão, o negócio de malhar é um contrato vitalício. Parou, murchou.

Astronautas seriam os profissionais mais beneficiados pelos novos avanços na área de pesquisa que busca entender e criar novas estratégias que minimizem a severa perda de massa muscular ocasionada pela menor força gravitacional sentida pelos astronautas durante as missões espaciais
     
(2) Hibernação: é um processo de depressão metabólica experimentada em diversos animais endotérmicos, especialmente mamíferos. Durante o processo a temperatura corporal cai bastante, a respiração passa a ser realizada de forma muito devagar, o coração diminui sua frequência de batimento e o metabolismo geral despenca. É uma estratégia de sobrevivência muito bem bolada que permite a esses animais enfrentarem longos períodos caracterizados por um clima nada favorável (inverno rigorosos, por exemplo) e extrema escassez de alimento. Assim, eles dormem profundamente, quase "mortos", resguardando o corpo para dias melhores. Antes de entrarem em hibernação, os animais comem bastante, estocando todo o alimento encontrado na forma de gordura, a qual será aproveitada como principal fonte energética durante o sono hibernante.

Curiosidade: apesar de serem os exemplos mais clássicos de hibernação, nem todos os ursos hibernam. Espécies que vivem em áreas tropicais, como o Urso-do-Sol, possuem comida abundante o ano inteiro e, por isso, não necessitam hibernar.

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Importante: A perda de massa observada em praticantes de musculação durante períodos de grande corte na quantidade de carboidratos ingeridos (o famoso cutting) não é devido, em grande parte, à menor concentração de insulina consequente do menor índice glicêmico da dieta restritiva (cetônica, nesse caso). A insulina, é um hormônio antiproteolítico (3), mas o maior problema é a mudança metabólica e de uso energético experimentado pelo corpo de maneira abrupta. Uma hora, cheio de carboidratos, outra hora, quase completa ausência deles. Uma mudança repentina para o estado de cetose desencadeia diversos mecanismo de atrofia muscular, como os citados acima. Por isso grande parte dos fisiculturistas usam esteroides anabolizantes em peso durante esse período para a síntese proteica ser maior do que os processos de degradação. Mas a partir do momento que o corpo se acostuma com a dieta cetônica, o corpo passa a interromper os intensos processos de atrofia, voltando às suas características quase normais. Caso contrário, povos como os inuítes seriam todos debilitados, devido a quase exclusiva dieta cetônica praticada por eles.
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(3) Aliás, a insulina é também um dos fatores que podem explicar o porquê de pessoas com maior massa de gordura terem maior facilidade em ganhar massa muscular do que os indivíduos bem magros. Nos ´gordinhos´, a insulina tende a estar em maior quantidade e agindo mais (ela é a principal responsável pelo acúmulo de gordura nas células adiposas), especialmente se o corpo começa a criar uma resistência a ela (pré-diabetes). Como esse hormônio é anti-catabólico, a massa muscular é preservada mais nas pessoas com sobrepeso, facilitando a hipertrofia muscular. Mas, como explicado no vídeo recomendado abaixo, não se pode confundir a insulina com um hormônio de anabolismo muscular. Ela apenas protege os músculos, não induz crescimento aos mesmos.

           

ATENÇÃO: Apesar dos estudos mais recentes mostrarem que os antioxidantes são uma boa forma de atenuar a atrofia muscular, é muito importante não exagerar no consumo dessas substâncias, especialmente através de multivitamínicos. Tanto a falta quanto o excesso deles fazem bastante mal ao corpo. O assunto foi melhor explorado no artigo O que é o Paradoxo dos Antioxidantes? .

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REFERÊNCIAS  CIENTÍFICAS
  1. http://jap.physiology.org/content/102/6/2389
  2. http://physiologyonline.physiology.org/content/23/3/160
  3. http://onlinelibrary.wiley.com/doi/10.1111/j.1469-7793.2003.00033.x/pdf
  4. http://ajpcell.physiology.org/content/287/4/C834.short
  5.  http://www.clinicalnutritionjournal.com/article/S0261-5614%2807%2900124-0/abstract
  6. http://www.bioone.org/doi/abs/10.1644/1545-1542%282004%29085%3C0414%3ABSTOHB%3E2.0.CO%3B2 
  7. http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/12738238 
  8. http://www.unimep.br/phpg/mostraacademica/anais/9mostra/5/350.pdf 
  9. http://physreports.physiology.org/content/4/15/e12885 
  10. http://www.sciencedirect.com/science/article/pii/S0891584916000721
  11. https://royalsocietypublishing.org/doi/10.1098/rspb.2018.0752
  12. https://link.springer.com/article/10.1007/s40279-016-0670-2