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O que é o Paradoxo da Obesidade?


      ATENÇÃO: O artigo a seguir deve ser lido com extrema cautela. Evite distorcer as informações aqui contidas.  (Artigo atualizado no dia 13 de outubro de 2019)           


        Esse é um assunto perigoso, porque pode facilmente ser mal interpretado e gerar graves danos à saúde pública. Quem está acostumado a ler artigos científicos sobre endocrinologia e cardiologia, porém, já deve ter ouvido falar do termo 'Paradoxo da Obesidade'. Desde 1960, cada vez mais estudos começaram a mostrar que um curioso e contraditório fenômeno era observado entre a população com sobrepeso e obesidade (1): eles resistiam mais às doenças crônicas, especialmente as cardíacas, do que as pessoas com peso normal (índice de gordura recomendado). E outra: as pessoas com sobrepeso, a partir dos 70 anos de idade, parecem ter um menor índice de mortalidade associada a doenças do que as mais magras. Mas existe um porém bem grande nessa história.

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ATUALIZAÇÃO (01/06/18): Em um estudo publicado recentemente no periódico JAMA Cardiology (Ref.28), pesquisadores encontraram que o paradoxo da obesidade parece inexistir em relação aos problemas cardiovasculares após analisarem os dados médicos de um grande número de indivíduos dos EUA compreendendo os anos de 1964 até 2015 - idades indo de 20 até 79 anos. Os resultados da análise mostraram que o sobrepeso e a obesidade estavam associados com um significativo risco para doenças cardiovasculares, onde a obesidade estava associada com uma menor longevidade e uma maior proporção de vida carregando essas doenças, e o sobrepeso estava associado com uma longevidade similar àquela vista em pessoas com peso normal mas às custas de uma maior proporção da vida convivendo com doenças cardiovasculares. Em outras palavras, nem mesmo o sobrepeso parece estar ligado a uma maior longevidade, quebrando o paradoxo da obesidade para doenças cardiovasculares - seu principal carro-chefe.

        Por outro lado, um estudo envolvendo mais de 18 mil pacientes na Dinamarca e apresentado em maio no European Congresse on Obesity (Ref.38), em Viena, Áustria, encontrou que os pacientes admitidos com quadros de doenças infecciosas possuem 2,2 vezes mais chances de sobreviverem se eles estiverem com sobrepeso ou obesos. Com sobrepeso, os pacientes tinham 40% menos chance de morrerem, e com obesidade, os pacientes tinham 50% menos chance de morrerem do que aqueles com peso normal.

           Esse estudo Dinamarquês é corroborado por um  estudo de revisão sistemática e meta-análise ainda mais recente (2019, Ref.33), realizado por pesquisadores da Universidade de Adelaide, Austrália, e usando dados de 375056 pacientes a partir de nove estudos, o qual reforçou a associação entre obesidade e uma maior taxa de sobrevivência entre indivíduos que passaram por um ataque cardíaco. Porém, os pesquisadores também, mais uma vez, encontraram que o excesso de massa adiposa é um fortíssimo fator de risco para o surgimento de falhas cardíacas. Aliás, eles encontraram também que uma grande perda de massa adiposa via cirurgia bariátrica em pacientes obesos sem falha cardíaca, fibrilação atrial ou doenças coronárias conhecidas estava associada com uma substancial melhora nas funções cardíacas.
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   PARADOXO DA OBESIDADE

         Mas o sobrepeso e obesidade não disparam doenças como a diabetes, hipertensão e problemas cardíacos, além de aumentar substancialmente o risco para vários tipos de câncer? Sim, o excesso de massa adiposa realmente aumenta as chances de todos esses eventos ocorrerem, e não existe algo como 'obesidade saudável', mesmo com a gordura corporal excessiva afetando diferentes indivíduos com diferentes graus de impacto devido às diferenças biológicas de cada um. Então, como esse grupo sobrevive mais às doenças cardíacas, e morrem menos quando idosas? É esse, exatamente, o paradoxo. Existe uma curva famosa, associada ao fenômeno, que mostra o índice de mortalidade em função da idade e índice de gordura corporal (figura abaixo). Para tentar entender um pouco esses dados estranhos, temos que definir dois tipo de 'magros' (no caso, indivíduos com peso normal/recomendado).

Fonte: Ganesha  (Publicação na Nature)

          Existem magros saudáveis e existem magros 'obesos'. O segundo tipo, apesar da aparência, possui uma circulação sanguínea tão problemática quanto os reais obesos. O sangue deles possuem uma quantidade imensa de colesterol, LDL e outros perfis lipídicos negativos, além de uma propensão maior para a diabetes tipo 2. Quem sempre é magro, costuma comer muita porcaria sem se preocupar, porque não engorda com facilidade por conseguir controlar melhor o apetite, auxiliados metabolicamente, ou não, por fatores genéticos. Além disso, acabam também não se preocupando em fazer atividades físicas rotineiras. Isso pode causar um caos hormonal e metabólico mesmo se massa adiposa não esteja sendo acumulada. Nesse sentido, doenças cardíacas, e afins, podem surgir fácil nesses indivíduos. Isso sem contar fatores genéticos e a idade. Quanto maior a idade, independente do índice de gordura corporal, problemas de saúde, como os cardíacos, começam a surgir com maior frequência. Devido também à genética, mesmo os magros saudáveis podem desenvolver doenças típicas dos obesos. E é aí que tudo se junta para explicar o paradoxo.

        Por motivos ainda não totalmente compreendidos pela ciência, pessoas  com sobrepeso e obesos parecem resistir mais aos problemas cardíacos, diabetes, e outras doenças crônicas, do que as pessoas mais magras. Esse fenômeno se torna mais evidente em pessoas mais idosas e após cirurgias cardíacas. Neste último caso, pessoas acima do peso recomendado depois do pós-operatório cardíaco acabam tendo uma maior chance de sobreviverem, pelo menos em relativo curto prazo, quando comparadas com pessoas com o peso normal (3). Diversas evidências e explicações existem, e envolvem diferenças hormonais causadas pela células adiposas extras, maior quantidade de ácidos graxos circulantes, reserva maior de energia, fatores anti-inflamatórios liberados em maior quantidade, absorção de substâncias tóxicas ao corpo pelo tecido adiposo avantajado, entre diversas outras fatores. Para se ter uma ideia, pessoas diabéticas magras possuem uma chance duas vezes maior de ter sérias complicações com a doença do que os obesos moderados. E no campo dos problemas cardíacos, as probabilidades são ainda maiores e não seguem relação com a idade mostrada no primeiro gráfico. Qualquer adulto com sobrepeso, ou leve obesidade, tenderia a ter maiores chances de escapar de um problema cardíaco, como mostrado no slide abaixo, retirado de uma publicação científica da área de cardiologia. Mas, então, por que essa informação é perigosa?

Gráfico publicado no jornal científico da JACC, em 2013; as linhas pontilhadas marrom e verde, representam os pacientes com falha cardíaca em sobrepeso e obesos, respectivamente; ambos tiveram melhor índice de sobrevivência do que aqueles abaixo do peso (azul) e no peso ideal (azul escuro)

          Se voltarmos e observarmos as curvas da primeira figura, veremos que um mínimo de mortalidade paira nas pessoas com sobrepeso a partir dos 70 anos, e, a partir do aumento da obesidade, o índice de mortalidade começa a subir novamente. Isso é porque os problemas relacionados ao excesso de massa adiposa começam a ficar mais e mais frequentes, ultrapassando, e muito, aqueles atingindo os magros. Ou seja, mesmo eles resistindo mais às doenças, vários mais morrem devido a elas do que os menos gordinhos. Além disso, quanto maior a obesidade, maiores os danos ao corpo, especialmente aqueles relacionados ao câncer (a obesidade é um dos principais fatores de risco para o desenvolvimento de vários cânceres; para saber mais, acesse: A obesidade caminha junto com o câncer). Portanto, um sobrepeso aumenta os riscos, mas não tanto quanto os reais obesos. Com isso, apenas a competição dos indivíduos que possuem um pequeno excesso de massa de gordura no corpo com os magros fica mais favorável em certas situações de saúde.

         O problema de ficar divulgando que pessoas com sobrepeso (mas não tão obesas) tendem a ser mais resistentes entre o grupo de idade que possui maior mortalidade, ou seja, a partir dos 70, pode trazer uma interpretação errada sobre todo o fenômeno. Pior ainda é mencionar as estatísticas cardíacas. Ainda no primeiro gráfico, vemos que, diminuindo a idade, a tendência ainda continua, com as pessoas com sobrepeso tendo uma expectativa de vida apenas um pouco menor. Mas, em todos os grupos de idade, uma real obesidade já começa a aumentar, bastante, o número de mortes. Se você possui sobrepeso, é grande a tendência de você continuar engordando se não existir nenhum esforço para impedir isso.        

         Divulgar que as pessoas com sobrepeso possuem força de vida comparável, ou até melhor em certas situações, com as pessoas adiposamente normais, caso ambos enfrentem certas doenças crônicas, pode estimular ainda mais o acúmulo de gordura. Pessoas que antes seguravam o sobrepeso com exercícios e dietas saudáveis, ficam mais desestimuladas em querer ficar com o peso normal. Se hoje, nos EUA, dois terços da população está acima do peso, mesmo com todas as campanhas lutando contra a obesidade, imagina se uma notícia dessas for distorcida e muito disseminada entre as pessoas. Aí, os dois terços se tornam obesos e o um terço restante, passa a ter sobrepeso, com toda a certeza. E um detalhe: conviver com diabetes e constantes problemas cardíacos não é um bom estilo de vida, mesmo com os gordinhos resistindo mais a eles.

Não podemos, jamais, estimular o ganho de peso adiposo entre a população; celebrar uma espécie de ´Orgulho da Obesidade´ é bastante perigoso
      Isso sem contar que em algumas estatísticas que baseiam o paradoxo entram também os chamados 'obesos saudáveis' (em contraste com os 'magros obesos'). São algumas poucas pessoas - cerca de 1 em cada 20 obesos - que, mesmo possuindo um grande excesso de massa adiposa, não carregam um perfil metabólico ruim por causa de fatores genéticos específicos e um estilo de vida saudável. Um estudo recente realizado por pesquisadores da Universidade de York, Canadá, encontrou que a obesidade isolada (sem problemas como diabetes, hipertensão, etc.) não parece aumentar significativamente o risco de morte das pessoas (Ref.32). Essa conclusão foi alcançada após a análise dos dados médicos de 54089 homens e mulheres que possuíam obesidade.

         Temos também que adicionar um outro detalhe. Os estudos e dados sobre o Paradoxo da Obesidade reúnem informações sobre pacientes que mais representam a sociedade, ou seja, um bando de sedentários e desleixados com a alimentação. Se a pessoa de peso normal pratica atividades físicas constantes e mantêm um bom hábito alimentar, esse paradoxo deixa de existir, com as pessoas com sobrepeso deixando de ter as vantagens da proteção adiposa, especialmente porque estarão menos suscetíveis a doenças crônicas diversas. E é bom deixar claro que as pessoas com muitos músculos e pouca gordura corporal, caso sejam saudáveis, também saem desse paradoxo. Um maior tecido muscular, gera benefícios muito grandes para a saúde. O sobrepeso aqui discutido no artigo seria de massa adiposa (células de gordura, não musculares). (2)

           Conclusão: Esqueçam esse paradoxo e continuem tendo um estilo saudável de vida, tentando sempre emagrecer para atingir um peso ideal. Com muito esforço, mesmo você não chegando ao peso recomendado, ficará, no máximo, no grupo do sobrepeso. E isso, no final das contas, não é uma notícia tão ruim, pelo menos para sua expectativa de vida, apesar do risco maior para doenças como cânceres e danos cardiovasculares, especialmente se o maior acúmulo de gordura estiver associado à região abdominal. Por outro lado, também é importante que os estudos científicos esclareçam os mecanismos por trás desse paradoxo, já que isso pode gerar meios que ajudem a tratar melhor diversas doenças, especialmente as cardiovasculares.

OBSERVAÇÃO: Analisando o primeiro gráfico, podemos também perceber que pessoas abaixo do peso ideal, indo cada vez mais para o caminho da desnutrição, possuem um aumento na taxa do índice de morte muito maior do que os obesos, entre os grupos com maior idade. Isso é um aviso para as pessoas que fazem dietas extremistas e para a busca de um corpo de 'modelo' pelas mulheres. Deixar o corpo muito magro, e, possivelmente, com falta de nutrientes, é uma agressão grave ao organismo. Por isso agências de moda ao redor do mundo, por exemplo, estão exigindo cada vez mais que seus modelos/as mantenham um peso mínimo recomendado pelas agências de saúde, tanto para a saúde dos seus funcionários quanto na questão da imagem passada para os mais jovens.

 (1) Uma 'obesidade' moderada. Pessoas muito obesas ou com obesidade mórbida não entram nesse paradoxo porque a frequência de doenças cardíacas aumenta muito, além dos danos ao corpo serem muito grandes, anulando qualquer efeito positivo que a massa extra de gordura possa trazer para o indivíduo.

(2) Além disso, muitos estudos questionam a real existência de um "paradoxo da obesidade". Um dos grandes motivos para isso é justamente devido ao sistema de comparação utilizado por grande parte dos estudos, ou seja, o IMC. O Índice de Massa Corporal mede apenas o que o seu nome sugere: a massa corporal. Assim, fatores como o tipo de gordura sendo acumulado no corpo acabam sendo ignorados. Por exemplo, todos sabem que a gordura visceral é mais prejudicial do que os outros tipos de gordura no organismo, e, nesse caso, uma pessoa que tenha menos gordura visceral do que uma outra, mas ambas possuindo o mesmo IMC, pode ter uma saúde pior. Somando-se a isso, o a constituição corporal da pessoa quanto à proporção entre músculos, densidade óssea, entre outros pode diferenciar bastante sua massa de outra pessoa, mesmo se o indivíduo não é praticante de musculação. Por causa disso, alguns preferem chamar esse fenômeno de 'Paradoxo do IMC' do que um 'Paradoxo da Obesidade'. Por outro lado, vários estudos também mostram que o Paradoxo da Obesidade é real mesmo pegando índices como o Percentual de Gordura Corporal e a Circunferência Abdominal, apesar disso ter sido desafiado recentemente por um estudo publicado na European Cardiology Journal que analisou dados clínicos de quase 300 mil indivíduos (Ref.29). e mostrou falhas visíveis na abordagem do IMC.

(3) Esses fatores de proteção após cirurgias cardíacas proporcionadas pelo sobrepeso normalmente parecem se estender por, no máximo, 1 ano após as cirurgias. Porém, alguns estudos mostram efeitos protetores que podem atingir os 7 anos.

Artigos relacionados:

ATUALIZAÇÃO (31/07/16): Um estudo publicado em março deste ano mostrou que dentro do Paradoxo da Obesidade pode existir uma diferenciação de riscos entre os sexos. Nesse caso, o estudo mostrou que as mulheres seriam atingidas por esse paradoxo mas não os homens com significativo grau de importância. Porém, é válido lembrar que essa é uma conclusão isolada (Ref.26)

REFERÊNCIAS CIENTÍFICAS
  1. http://heartfailure.onlinejacc.org/article.aspx?articleid=1671245
  2. http://www.ganesha-associates.com/coursetwo/Practical_exercises/1_Research_practicals/5_Obesity/Obesity%20and%20age.pdf
  3. http://www.nature.com/ijo/journal/v38/n8/abs/ijo2013203a.html
  4. http://onlinelibrary.wiley.com/doi/10.1007/s13539-012-0059-5/full#jcsm2012311-bib-0008
  5. http://content.onlinejacc.org/article.aspx?articleid=1356606
  6. http://aje.oxfordjournals.org/content/175/8/793.short
  7. http://www.sciencedirect.com/science/article/pii/S0002914912008533
  8. http://www.sciencedirect.com/science/article/pii/S0025619612011767 
  9. http://content.onlinejacc.org/article.aspx?articleid=1831436
  10. https://eurheartj.oxfordjournals.org/content/34/5/345.full
  11. http://www.sciencedirect.com/science/article/pii/S0033062013001485 
  12. http://content.onlinejacc.org/article.aspx?articleid=1139724#tab1
  13. http://www.sciencedirect.com/science/article/pii/S0002870306008271
  14. http://www.neurology.org/content/84/14_Supplement/I12-2A.short
  15. http://content.onlinejacc.org/article.aspx?articleid=2196759#tab1 
  16. http://ajcn.nutrition.org/content/99/5/999.short
  17. http://www.nature.com/nrendo/journal/v11/n1/abs/nrendo.2014.165.html
  18. http://www.amjmed.com/article/S0002-9343%2814%2901031-6/fulltext?mobileUi=0
  19. http://www.sciencedirect.com/science/article/pii/S0002914914020116
  20. http://onlinelibrary.wiley.com/doi/10.1111/ijs.12016/full
  21. http://www.sciencedirect.com/science/article/pii/S0033062016300081
  22. ´http://content.onlinejacc.org/article.aspx?articleid=2196759 
  23. http://heartfailure.onlinejacc.org/article.aspx?articleid=1671245
  24. http://www.hindawi.com/journals/jobe/2016/9040248/abs/ 
  25. http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/24896249
  26. http://heartfailure.onlinejacc.org/article.aspx?articleid=2498387 
  27. http://www.ahjonline.com/article/S0002-8703(15)00662-6/abstract 
  28. https://jamanetwork.com/journals/jamacardiology/article-abstract/2673289?resultClick=1&redirect=true
  29. https://academic.oup.com/eurheartj/advance-article/doi/10.1093/eurheartj/ehy057/4937957
  30. https://www.tandfonline.com/doi/full/10.1080/03014460.2018.1444789
  31. http://easo.org/
  32. https://onlinelibrary.wiley.com/doi/full/10.1111/cob.12263
  33. https://heart.bmj.com/content/early/2019/09/17/heartjnl-2019-314770