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Mike, a galinha sem cabeça!


- Atualizado no dia 22 de dezembro de 2020 -

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          É uma cena comum nas zonas rurais uma brincadeira meio macabra, mas que "diverte" a criançada: depois da decapitação de uma galinha, ela continua se movendo por alguns minutos, esguichando sangue para tudo quanto é lugar! E, muitas vezes, o movimento é bastante energético, com a galinha podendo ainda sair correndo de um lado para o outro, e a criançada atrás, perseguindo o bicho sanguinolento. Uma verdadeira cena digna de Kill Bill. Mas uma galinha, chamada Mike, levou isso a um extremo jamais visto ou reportado novamente.


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          As galinhas (Gallus gallus domesticus) (!), assim como as outras aves, possuem quase todo o cérebro no tronco cerebral, atrás dos ouvidos, onde encontra-se toda a estrutura nervosa de controle dos movimentos voluntários e involuntários, além do senso de equilíbrio. Além disso, nos vertebrados em geral, a medula espinhal é capaz de controlar movimentação autônoma com muito pouco envolvimento do cérebro usando o fenômeno de geração central de padrão (CPG), o qual descreve a habilidade de geração reflexiva de movimento dos membros com base apenas no feedback proprioceptivo dos músculos receptores do fuso e feedback sensorial transmitindo a força de reação do chão agindo sobre os membros atingindo o chão (ou outra superfície/meio)  (Ref.5). O GPC produz um padrão de contração dos músculos em um lado enquanto relaxa os músculos contralaterais, alternando em seguida o movimento de forma repetitiva; isso produz um padrão de caminhada, nado ou voo.

(!) Leitura recomendada: Quem veio primeiro: o ovo ou a galinha?

           Nesse sentido, quando você corta a cabeça de uma galinha, o oxigênio residual da circulação sanguínea ainda existente continua permitindo a produção de energia nos músculos e, com o sistema nervoso responsável pela movimentação quase inteiramente intacto ao longo do pescoço da ave, a coitada decapitada consegue se mexer vigorosamente até a perda de sangue ser letal. Essa vigorosa capacidade de movimentação pós-decaptação, como mencionado, tipicamente dura poucos minutos. Existe inclusive um termo em inglês bem popular associado ao fenômeno: running around like a headless chicken ("correndo como uma galinha sem cabeça", para descrever uma pessoa agindo sem pensar). 

           Importante mencionar que as galinhas decapitadas "em fuga" não estarão sofrendo, já que a parte do cérebro responsável pela sensação de dor vai junto com a cabeça.

         Bem, considerando todo esse contexto, um incidente bem curioso ocorreu em 10 de setembro de 1945, quando o fazendeiro Lloyd Olsen, no Colorado, decepou uma das suas galinhas para o jantar. Porém, o que era para durar minutos durou quase dois anos!

Lloyde e Mike; foto: Google Images

        Quando Lloyd decepou sua galinha - na época com 5 meses e ~15 dias de idade -, o corte foi tão preciso que um coágulo se formou na artéria atingida, prevenindo que ela sangrasse até a morte. Com quase 80% do cérebro conservado no tronco cerebral e a circulação protegida, o fazendeiro trancafiou a galinha para ser usada no outro dia. Quando ele acordou pela manhã para ir buscar a galinha, uma grande surpresa: ela estava lá andando de um lado para o outro, mais viva do que quando perdeu a cabeça! Os dias foram passando e a galinha sem cabeça continuava viva, com Lloyd alimentando-a com uma seringa através do que sobrou do seu esôfago, e retirando o muco formado nessa via através de outra seringa. A fama da galinha começou a crescer na região, e ela ganhou o nome de Mike pelo seu dono.

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          Depois de um tempo, Mike começou a controlar cada vez melhor o equilíbrio do seu novo corpo, conseguindo andar - mesmo que desengonçado -, pular, correr e até empoleirar! Aliás, Mike conservou até mesmo o comportamento de "bicar". O sucesso feito pela galinha ganhou fama no país inteiro, com ela fazendo parte de shows, programas de TV e apresentações por várias cidades, incluindo espetáculos em New York City, Los Angeles e Atlantic City. Lloyd conseguiu um bom dinheiro com Mike, mas tudo acabou em 1947, quando a galinha se engasgou no seu muco e acabou morrendo, por causa de um descuido durante a noite. Até a sua morte, Mike viveu incríveis 18 meses sem a cabeça e poderia talvez ter vivido muito mais!

Mike andava muito bem, equilibra-se bem sob as duas pernas e era alimentado através de uma seringa, como mostrado na última figura. Foto: Google Images

         Claro que, depois do sucesso alcançado pela milagrosa galinha, várias outras pessoas tentaram reproduzir tal notável feito, mas ninguém conseguiu ser tão preciso no corte. Em alguns casos reportados, a galinha (ou galo...) chegava a durar até 11 horas, mas nada próximo do que Mike foi capaz. E uma última curiosidade: Mike continuou aumentando de peso e se desenvolvendo durante o período sem cabeça, ganhando no final mais de 2 quilos em relação à sua massa corporal no momento da decepação!

Uma escultura de metal existe, até  hoje, em  Fruita, no Colorado, homenageando Mike (Ref.3)


REFERÊNCIAS
  1. http://www.bbc.com/news/magazine-34198390
  2. http://blogs.scientificamerican.com/running-ponies/meet-miracle-mike-the-chicken-who-lived-for-18-months-without-his-head/
  3. http://www.miketheheadlesschicken.org/mike
  4. Orden et al. (2012). The blue-collar brain. Frontiers in Physiology, Volume 3. https://doi.org/10.3389/fphys.2012.00207
  5. Gaber & Brown (2020). Recent advances in neuromodulation for spinal cord injuries. Progress in Neurology and Psychiatry, Pages 4-8. https://doi.org/10.1002/pnp.554