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Qual é a maior inflorescência do mundo?

Figura 1. Fotos de inflorescências da espécie Amorphophallus titanum.

- Atualizado no dia 24 de fevereiro de 2024 - 


          Quando uma planta apresenta flores, ela está pronta para reprodução sexuada. A flor é uma característica evolutiva desenvolvida pelas Angiospermas e que se diferencia em formas, cores, recursos ou ambas do restante da planta para ser capaz de atrair polinizadores e também ser capaz de dispersar seus gametas por si só. As flores podem se apresentar de forma simples e solitárias por ramo, ou em conjunto (inflorescência). As inflorescências são encontradas nas Angiospermas geralmente com maior frequência em relação às flores simples. A inflorescência é considerada uma vantagem evolutiva das plantas, visto que, com o seu desenvolvimento a planta possuirá uma maior superfície floral facilitando a visualização por parte de polinizadores, como são várias flores em um grupamento, estas podem ser polinizadas por diferentes agentes gerando também uma maior probabilidade de variabilidade genética e maior potencial de adaptabilidade.

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            As florestas úmidas de Sumatra abrigam as duas maiores flores do mundo. A espécie Rafflesia arnoldii, com um diâmetro de até 1,50 metro, é a maior flor solitária (1). No entanto, mais de duas vezes maior e popularmente conhecida como jarro-titã, antúrio titã ou flor-cadáver, a planta angiospérmica da espécie Amorphophallus titanum é a maior inflorescência conhecida. Pertencente à família Araceae e primeiro descrita pelo botânico Italiano Odoardo Beccari em 1878, as flores únicas extremamente reduzidas da A. titanum (cerca de 500 florestes masculinos e 450 floretes femininos) estão localizadas na base da extensão do eixo de inflorescência (espádice), o qual é envelopado na grande espata (invólucro membranoso que protege a espiga de algumas plantas).

Figura 2. Na foto, a inflorescência recorde de uma flor-cadáver com uma altura de 3,06 metros e massa de até 117 kg. Toda a inflorescência da A. titanum é funcionalmente uma única flor, apesar de ser constituída de centenas de pequenas flores (floretes), e dura tipicamente 2 dias. Ref.4

Figura 3. Espécime de A. titanum fotografado no seu habitat natural, em Sumatra.

          A flor-cadáver, como sugere o nome, imita carne ou carcaça apodrecida através da coloração roxa escura da espata e o forte cheiro de carne podre emitido, portanto atraindo besouros da família Sliphidae e moscas da família Calliphoridae. Os principais compostos odoríferos de mau cheiro liberados são o dimetil trissulfeto (C2H6S3) e o dimetil dissulfeto (C2H6S2) (Ref.2-3), e assim como outras espécies de Araceae, a A. titanum exibe termogênese que aumenta a dispersão do fétido cheiro e a atração de polinizadores. A temperatura no topo do espádice alcança 36°C em um ambiente com temperatura de 27°C (Ref.4). O calor extra é produzido ao redor de 8 horas da noite e gera uma temperatura máxima de 36-38°C no espádice ao redor da meia-noite. A termogênese parece também representar uma recompensa para os insetos polinizadores, especialmente besouros, ao aumentar a temperatura corporal e a taxa metabólica desses animais.

Figura 4. Em (A), zonas de floretes mostrando parte do apêndice, floretes masculinos e floretes femininos. Em (B), imagem termográfica obtida durante a fase floral masculina. Existem duas fases de floração do A. titanum associados a dois picos de termogênese e ao longo de um período de 2 dias: fase floral feminina (1º noite) e fase floral masculina (2° noite). A liberação de pólen é iniciada na fase masculina, enquanto a liberação do forte cheiro de carne podre é restrita à fase feminina. Uma vez atraídos na primeira noite de inflorescência, os polinizadores ficam dentro da estrutura e permanecem ali interagindo com a planta e entre si até a fase masculina. Floretes femininos e masculinos são ativados em períodos bem distintos em um mesmo indivíduo para evitar autopolinização. Ref.5

Figura 5. Processo de abertura da flor-cadáver. Dezenas de compostos voláteis são liberados pela A. titanum ao longo da inflorescência, apesar dos compostos fétidos de enxofre se restringirem à primeira noite (estágio S1). Além de insetos, é reportado que os compostos de enxofre atraem também morcegos. No período S2 (manhã subsequente à fase feminina) a produção de compostos de enxofre é dramaticamente reduzida e continua caindo nos estágios seguintes (S3 e S4). Por outro lado, outros compostos orgânicos voláteis são produzidos em grande quantidade ao longo de todo o período (S1-S4), e se tornam uma importante parte da fragrância da A. titanum nos estágios S2-S4, especialmente álcoois e hidrocarbonetos. No estágio S1, aldeídos são também dominantes. (S1 = 23 de julho, 20:00; S2 = 24 de julho, 8:00; S3 = 24 de julho, 14:00; S4 = 24 de julho, 20:00; Barra de escala = 10 cm). Ref.3, 6

 
Figura 6. No ambiente natural, raras são as inflorescências da flor-cadáver. Nesse contexto, ela tende a ter de duas a três inflorescências em 30 a 40 anos de vida, em média. Ref.10

 
Figura 7. Ciclo de vida da flor-cadáver. A planta passa a maior parte do tempo como um bulbo* (cormo) no subsolo - sob dormência por ~6 meses -, alternando entre crescimento de uma enorme folha ramificada (similar a uma árvore) e inflorescência. Geralmente passa por vários períodos na fase de folha até uma inflorescência ocorrer. Após um broto emergir do cormo, a folha pode alcançar ~4,5 metros. No final da fase de inflorescência - com colapso da estrutura 2-3 dias seguindo a floração -, um fruto contendo 1-2 sementes se desenvolve ao longo de 6-12 meses de maturação (infrutescência), reiniciando o período de dormência do cormo e novas fases com folhagem. Ref.11

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> A inflorescência da flor-cadáver ocorre de forma imprevisível no habitat natural e apenas quando suficiente energia é acumulada via fotossíntese nas fases de folha no grande cormo subterrâneo (Fig.7). Pode ocorrer após alguns anos ou >1 década. O evento requer condições muito especiais, incluindo temperaturas mais quentes dia e noite e alta umidade no ambiente. Por isso inflorescência é mais comumente observada quando a planta é criada em jardins botânicos.
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          Endêmica de Sumatra, uma ilha na Indonésia, a A. titanum encontra-se hoje em perigo de extinção (Ref.7). Estima-se que existam menos de 1000 indivíduos no habitat natural dessa espécie, com declínio populacional superior a 50% nos últimos 150 anos.  As duas principais ameaças à espécie são a coleta excessiva de espécimes para fins diversos (alimento, medicina tradicional, ornamento) e desmatamento, ambos fatores antropogênicos.

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(1) Sugestão de leitura: Qual é a maior flor do mundo?

> O principal composto volátil associado ao cheiro de carne podre na Amorphophallus é o dimetil trissulfeto. O dimetil dissulfeto exibe aquele odor pungente de alho (2). 

(2) Sugestão de leitura: Qual é a causa do cheiro e gosto pungentes do alho amassado?

> O gênero Amorphophallus engloba cerca de 230 espécies e a maioria dessas espécies liberam odores fétidos de carne podre, fezes e outros cheiros nauseantes visando atração de polinizadores diversos copro-necrófagos. Os polinizadores mais comuns dessas plantas são besouros pertencentes a três famílias: Dynastidae, Hybosoridae e Scarabaeidae. Moscas, formigas, abelhas e baratas são também visitantes comuns, mas com contribuição incerta para a polinização dessas plantas. Em algumas espécies como a A. johnsonii, A. paeoniifolius e a A. titanum, a câmara floral é também usada pelos insetos polinizadores como locais de acasalamento. Ref.9

CURIOSIDADE: Comumente o girassol (Helianthus annuus) é referido como uma flor única, mas isso é um erro. Assim como a flor-cadáver, o girassol também é uma inflorescência, com inúmeras pequenas flores no centro amarelo e falsas pétalas amarelas [folhas modificadas] ao redor. Para mais informações: Afinal, os girassóis acompanham o movimento do Sol?

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REFERÊNCIAS

  1. https://portal.uern.br/wp-content/uploads/2019/10/Resumo-Francineide-e-Thalita.pdf
  2. Shirasu et al. (2010). Chemical Identity of a Rotting Animal-Like Odor Emitted from the Inflorescence of the Titan Arum (Amorphophallus titanum), Bioscience, Biotechnology, and Biochemistry, Volume 74, Issue 12, Pages 2550–2554. https://doi.org/10.1271/bbb.100692
  3. Liu et al. (2023). An Analysis of Volatile Compounds and Study of Release Regularity in the Flower of Amorphophallus titanum in Four Periods. Horticulturae 9(4), 487. https://doi.org/10.3390/horticulturae9040487 
  4. Barthlott et al. (2009). A torch in the rain forest: thermogenesis of the Titan arum (Amorphophallus titanum). Plant Biology 11(4), 499–505. https://doi.org/10.1111/j.1438-8677.2008.00147.x
  5. Barthlott & Korotkova (2009). On the thermogenesis of the Titan arum (Amorphophallus titanum). Plant Signaling & Behavior, Volume 4, Issue 11. https://doi.org/10.4161/psb.4.11.9872
  6. Kang et al. (2023). How the volatile organic compounds emitted by corpse plant change through flowering. Scientific Reports 13, 372. https://doi.org/10.1038/s41598-022-27108-8
  7. Yudaputra et al. (2022). Habitat preferences, spatial distribution and current population status of endangered giant flower Amorphophallus titanum. Biodivers Conserv 31, 831–854. https://doi.org/10.1007/s10531-022-02366-0
  8. https://biodiversitygenomes.scholasticahq.com/article/37841-the-complete-genome-sequence-of-amorphophallus-titanum-the-corpse-flower
  9. Claudel, C. (2021). The many elusive pollinators in the genus Amorphophallus. Arthropod-Plant Interactions 15, 833–844. https://doi.org/10.1007/s11829-021-09865-x
  10. https://butantan.gov.br/bubutantan/sete-curiosidades-sobre-a-maior-flor-do-mundo-o-anturio-tita
  11. https://www.usbg.gov/gardens-plants/corpse-flowers