Qual é a causa do cheiro e gosto pungentes do alho amassado?
Alho (Allium sativum) é uma planta cujos bulbos ("cabeça de alho") são comestíveis e usados como tempero no mundo inteiro, representando um produto agrícola economicamente muito importante em vários países. É bem conhecido que quando um dente de alho é cortado ou amassado, um forte aroma bem característico é instantaneamente liberado. Esse odor é geralmente descrito como 'pungente' (intenso, picante e penetrante), pode ser detectado pelo olfato humano mesmo na faixa do ppm (partes por milhão), e é causado por compostos orgânicos voláteis contendo enxofre que são rapidamente produzidos após danos nos tecidos do dente, com subsequente difusão no ar. O maior contribuidor do odor em um alho fresco amassado ou picado é a alicina (tiossulfinato de dialila).
A alicina é um líquido a temperatura ambiente, e é às vezes descrita possuindo uma coloração amarelo pálido provavelmente devido à contaminação com quantidades traços de enxofre elemental (S). Mesmo possuindo provavelmente uma baixa volatilidade, é uma molécula muito odorífera e pequenas quantidades entrando na fase gasosa são facilmente detectadas pelo nosso olfato.
Possuindo uma parte polar e outra apolar (lipofílica), a molécula da alicina é facilmente assimilada por células, similar à molécula do solvente dimetil sulfóxido, criando poros transientes à medida que atravessa a membrana celular. Esse é o motivo de sentirmos o gosto e cheiro característicos de alho amassado quando este é colocado sobre a pele, mesmo quando estamos sem alho na boca ou com o nariz tapado: a alicina penetra a pele e alcança a corrente sanguínea, onde acaba sensibilizando receptores gustativos e olfativos.
O cozimento do alho picado ou amassado rapidamente destrói qualquer alicina. Sob aquecimento, a alicina espontaneamente se decompõe em ácido 2-propenessulfênico e 2-propenitial (tioacroleína), os quais reagem produzindo dissulfitos, polissulfanos, ajoeno, entre outros. Após ser ingerida, a alicina é hidrolisada rapidamente no ambiente altamente ácido do estômago a 2-propenetiol, este o qual é metabolizado para sulfeto de metila; ambos os compostos são excretados na urina e são reconhecíveis no desagradável "bafo de alho", o qual frequentemente afasta muitos de consumirem alho cru (sem cozimento) em consideráveis quantidades.
A alicina reage prontamente com tióis, e grande parte da sua bioatividade é atribuída à reação com esse grupo de compostos orgânicos a nível do metabolismo celular.
Evidências laboratoriais sugerem alto potencial terapêutico da alicina como antimicrobiano, estimulante do sistema imune, antioxidante e até mesmo como anti-cancerígeno (Ref.1-2). Porém, esse uso ainda é limitado pelo fato da alta reatividade desse composto reduzir dramaticamente sua biodisponibilidade após entrada no corpo. Aliás, o alho como um todo têm sido usado desde o Antigo Egito tanto para fins culinários quanto para propósitos curativos (Ref.3). Por outro lado, exposição a quantidades excessivas de alicina é prejudicial.
REFERÊNCIAS CIENTÍFICAS
- Borlinghaus et al. (2021). Allicin, the Odor of Freshly Crushed Garlic: A Review of Recent Progress in Understanding Allicin's Effects on Cells. Molecules (Basel, Switzerland), 26(6), 1505. https://doi.org/10.3390/molecules26061505
- Lozano et al. (2015). Uma Abordagem dos Efeitos Terapêuticos do Allium sativa (ALHO) no Sistema Imunológico. Revista Científica da FHO|UNIARARAS v. 3, n. 1.
- Sasi et al. (2021). Garlic (Allium sativum L.) Bioactives and Its Role in Alleviating Oral Pathologies. Antioxidants, 10(11), 1847. https://doi.org/10.3390/antiox10111847