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Parece uma estrela-do-mar mas não é: o que são Ofiúros?

Figura 1. Ofiúro da espécie Ophiura ooplax. Ref.11

 
           Ofíuros são equinodermos da classe Ophiuroidea. Ao contrário das estrelas do mar (equinodermos da classe Asteroidea), todos os órgãos vitais dos ofiúros encontram-se confinados ao disco central, esses animais não apresentam ânus, o madreporito (conectando o sistema vascular aquoso à água marinha ao redor) encontra-se na parte ventral [boca], e a boca é rodeada por cinco placas mandibulares. Os ofiúros representam o maior e mais diverso grupo entre os atuais equinodermos, com quase 2100 espécies não-extintas descritas e sendo encontrados em todos os oceanos desde zonas intertidais até grandes profundezas (1). Aliás, o primeiro animal a ser reportado das profundezas oceânicas foi justamente um ofiúro da espécie Gorgonocephalus caputmedusae, na Baía de Baffin, em 1818 (Ref.1). Registro fóssil desses animais datam do Ordoviciano Inferior, há cerca de 480 milhões de anos (Ref.2).

Figura 2. (A) Visão esquemática geral de um ofiúro. (B) Visão oral/ventral. Os braços dos ofiúros se conectam ao disco central do corpo, onde se encontra um esqueleto interno de carbonato de cálcio e todos os órgãos. Os braços dos ofiúros são tipicamente finos e similares a "chicotes" e muito flexíveis. O trato digestivo é "cego", com a entrada dos alimentos e a saída dos restos de alimentares ocorrendo pela boca. Ref.3

Figura 3. Estrelas-do-mar vêm em várias formas, cores e números de braços (tipicamente cinco, mas podem ter até 40), mas exibindo sempre uma simetria radial. Diferente dos ofiúros, estrelas-do-mar não possuem uma parte central do corpo e os órgãos são espalhados por todos os braços que se unem em um ponto central. Além disso, esses animais são carnívoros ativos, enquanto ofiúros se alimentam de plâncton. Estrelas-do-mar se movem com centenas de pés ambulacrários que revestem a parte ventral do corpo, onde fica a boca; na parte dorsal fica o ânus.

Figura 4. Resolução filogenética para os equinodermos, mostrando que as estrelas-do-mar (classe Asteroidea) são os animais hoje vivos mais próximos dos ofiúros (grupo-irmão) e dividindo esses últimos em três principais clados. Evidências apontam que a radiação dos ofiúros teve início ou a partir do Permiano Médio ou no início do Triássico. Hoje a classe Ophiuroidea é a mais diversa entre os equinodermos, com ~2100 espécies não-extintas descritas. Ref.5-7

Figura 5. Fóssil de um ofiúro da espécie Arenorbis santameraensis, descoberto na região de Asturias, Espanha, e datado do Jurássico Inferior. Ref.8

           O típico plano corporal dos ofiúros mostra um disco central pentagonal a redondo, acompanhando por cinco braços. Porém, um considerável número de espécies diverge dessa forma genérica, e formas com seis, sete e até 10 braços são conhecidas - mas todas conservado um plano de simetria radial (2). A maioria das espécies são moderadas em tamanho, com diâmetro do disco entre 3 mm e 50 mm; maiores espécies podem ter discos de até 150 mm de diâmetro. O comprimento dos braços é geralmente medido em relação ao diâmetro do disco, e varia de ~2-3 vezes o diâmetro do disco até 20 vezes ou mais. Ao contrário das estrelas-do-mar, os braços são raramente usados para locomoção no solo e não possuem estruturas de sucção ou múltiplos pés hidráulicos [ambulacrários]; ao invés disso, os ofiúros se movem ao torcer e enrolar seus braços, puxando-os contra a superfície como uma cobra ou agarrando objetos e empurrando a si mesmos para frente (!). Nado é reportado em algumas espécies. Embora não tenham olhos, já foram descobertos órgãos sensitivos à luz em espécies do gênero Ophiocoma (3).

 

Figura 6. Algumas espécies de ofiúros encontrados na costa de Maceió, Alagoas, Brasil: (A) Ophiolepis paucispina; Ophiocomidae. (B) Ophiocoma echinata; (C) Ophiocomella ophiactoides; Ophionereididae. (D) Ophionereis reticula; Ophiodermatidae. (E) Ophioderma appressa; (F) Ophioderma cinerea. Ref.9

Leitura complementar:

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(!)  Vídeo mostrando a movimentação de um ofiúro: acesse aqui.
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Figura 7. Ofiúros da ordem Euryalida exibem extensas ramificações nos braços - que podem se estender em milhares de terminações - usadas para alimentação suspensa noturna, e incluem as famílias Gorgonecephalidae e Euryalidae. Nas fotos, ofiúros das espécies (A) Gorgonocephalus eucnemis e (B) Gorgonocephalus chilensis, da família Gorgonecephalidae.

Figura 8. Árvore evolucionária dos ofiúros da ordem Euryalida, trazendo alguns táxons relevantes. O gênero Aspiduriella do Triássico é um membro basal dessa ordem, enquanto o gênero Melusinaster é um antigo membro representando uma transição entre Aspiduriella e os atuais membros do clado. Ref.12

          Uma notável característica dos ofiúros é a capacidade de auto-fragmentação quando estressados ou ameaçados, se desfazendo facilmente dos próprios braços (e frequentemente deixando essa parte do corpo para despistar predadores). Assim como outros equinodermos, os ofiúros podem regenerar de forma completa todos os tecidos de grandes partes corporais e órgãos - quando "arrancam" um braço, este se regenera rapidamente (Fig.7). Estudos genéticos têm sido conduzidos para um melhor entendimento dessa habilidade e potencial aplicação terapêutica em humanos.

Figura 8. Uma sequência de fotos (B-H) da espécie Ophioderma brevispinum (A) mostrando a regeneração de um braço decepado. Ref.3

Curiosidade: O nome Ophiuroidea é derivado das palavras Gregas ophis ("cobra") e oura ("cauda"), em referência aos braços - e movimento dos braços - nos ofíuros. Existe também uma constelação chamada de Ophiuchus (ou Serpentário) que causa bastante confusão entre a Astrologia e a Astronomia. Sugestão de leitura: A NASA mudou o Zodíaco?


REFERÊNCIAS

  1. Stöhr et al. (2012). Global Diversity of Brittle Stars (Echinodermata:Ophiuroidea). PLOS One, Volume 7, Issue 3, e31940.
  2.  Goharimanesh et al. (2021). Interactive identification key to all brittle star families (Echinodermata; Ophiuroidea) leads to revised morphological descriptions. European Journal of Taxonomy, 766(1), 1-63. https://doi.org/10.5852/ejt.2021.766.1483
  3. Perez, A., Gil, D. G., Rubilar, T. (2014). Los Invertebrados Marinos (pp.295-316). Edition: 1. Chapter: Echinodermata. [Livro]
  4. https://marinesanctuary.org/blog/whats-the-difference-brittle-stars-vs-sea-stars/
  5. O'Hara et al. (2014). Phylogenomic Resolution of the Class Ophiuroidea Unlocks a Global Microfossil Record. Current Biology, Volume 24, Issue 16, Pages 1874-1879. https://doi.org/10.1016/j.cub.2014.06.060
  6. Thuy & Stöhr (2016). A New Morphological Phylogeny of the Ophiuroidea (Echinodermata) Accords with Molecular Evidence and Renders Microfossils Accessible for Cladistics. PLoS ONE 11(5): e0156140. https://doi.org/10.1371/journal.pone.0156140
  7. O’Hara et al. (2017). Restructuring higher taxonomy using broad-scale phylogenomics: The living Ophiuroidea. Molecular Phylogenetics and Evolution, 107, 415–430. https://doi.org/10.1016/j.ympev.2016.12.006
  8. Thuy et al. (2023). A relict Triassic brittle star (Echinodermata, Ophiuroidea) in Lower Jurassic strata of Asturias, north-west Spain. Swiss Journal of Palaeontology 142, 10. https://doi.org/10.1186/s13358-023-00275-5
  9. Freitas et al. (2011). New records of Ophiuroidea (Echinodermata) from shallow waters off Maceio´, State of Alagoas, BrazilMarine Biodiversity Records. Marine Biological Association of the United Kingdom, Vol. 4, e97. https://doi.org/10.1017/S175526721100090X
  10. Mashanov et al. (2022). Twinkle twinkle brittle star: the draft genome of Ophioderma brevispinum (Echinodermata: Ophiuroidea) as a resource for regeneration research. BMC Genomics, 23:574. https://doi.org/10.1186%2Fs12864-022-08750-y
  11. https://www.mdpi.com/2076-3921/12/2/386
  12. Thuy & Stöhr (2018). Unravelling the origin of the basket stars and their allies (Echinodermata, Ophiuroidea, Euryalida). Scientific Reports 8, 8493 (2018). https://doi.org/10.1038/s41598-018-26877-5