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Por que e como os vombates produzem fezes em cubo?

- Atualizado no dia 3 de janeiro de 2023 -

          Vombates são animais herbívoros nativos da Austrália que lembram grandes bichos de pelúcia. Mas a mais notável característica desses animais é o formato cúbico das suas fezes, algo único no Reino Animal. Como essas fezes são produzidas? Qual a função evolucionária?

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   VOMBATE-COMUM

          A família Vombatidae engloba dois gêneros de mamíferos marsupiais hoje ainda existentes representados por três espécies: Vombatus ursinus, Lasiorhinus latifrons e Lasiorhinus krefftii. Habitando a Austrália, todas as espécies enfrentam potenciais ameaças por causa da interferência humana, especialmente em termos de destruição de habitat e da introdução de um ácaro parasita da espécie Sarcoptes scabiei, a qual causa uma devastadora doença chamada de sarna sarcóptica nesses animais.

          O vombate-comum (Vombatus ursinus) atualmente não está ameaçado de conservação, e é encontrado ao longo do leste de Queensland e New South Whales, e também em Victoria,  Ilha Flinders, Tasmânia e algumas partes ao Sul da Austrália. Essa espécie habita áreas temperadas com condições bem adequadas para se cavar, incluindo florestas abertas e áreas costeiras montanhosas com arbustos, e elevações variando do nível do mar até altitudes de 1800 metros.

          Com cerca de 1 metro de comprimento (0,7-1,1 m) e uma massa corporal variando de 20 a 39 kg quando adulto, o vombate-comum possui cauda curta e grosa, pequenos olhos pretos e pequenas orelhas arredondas. Seus membros são curtos e trazem robustas garras especializadas em cavar. A pelagem é espessa e pode variar de cinza-amarronzado até enegrecida com manchas cinzas, e, ao contrário das duas espécies do gênero Lasiorhinus, não possuem pelos no rinário (região geralmente nua ao redor do nariz de mamíferos).

          O vombate-comum tipicamente vive de 12 a 15 anos, mas sua longevidade pode alcançar os 30 anos em cativeiro. Após o nascimento, o filhote passa a viver na bolsa da sua mãe por cerca de 6 meses e alimentando-se do leite materno até os 15 meses de idade. O filhote fica com sua mãe até os 18-20 meses de idade, até ganhar sua independência, e alcança maturidade sexual aos 2 anos. 

          Passando grande parte do dia abrigados em buracos escavados de 8-20 metros - para economizar energia podem ficar até 16 horas dormindo nesses buracos -, os vombates-comuns são especialmente ativos ao anoitecer, aproveitando as temperaturas mais amenas da noite. Porém, em estações mais frias, esses animais podem ser vistos se banhando no Sol durante o dia.

           A combinação de uma baixa atividade metabólica e um longo trato digestivo (intestino de 9 metros) permite que o vombate-comum se alimente de vegetação de baixa qualidade nutricional. Folífero (alimentação rica em folhas), a dieta dessa espécie consiste basicamente de gramíneas nativas, musgo e, às vezes, arbustos, raízes, tubérculos e cascas. Microrganismos simbiontes no intestino do vombate-comum ajudam este a digerir as paredes celulares das folhas e outras partes das plantas.

          Nesse último ponto, temos um processo fisiológico mais do que curioso. Os vombates são os únicos animais conhecidos que defecam fezes na forma de cubo.

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CURIOSIDADE: Vombates gigantes são animais extintos da família Vombatidae com uma massa corporal maior ou igual a 70 kg. Das espécies conhecidas que evoluíram gigantismo, a mais notável é a Phascolonus gigas, a qual possuía ~600 kg de massa corporal! Sugestão de leitura: Vombate gigante descrito em detalhes, a partir de fósseis datados em 80 mil anos atrás

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   COCÔ EM CUBO

           Uma espécie bem territorial, o vombate-comum - assim como outras espécies de vombate - é facilmente identificável em uma área por causa do rastro deixado de fezes em formato de cubo. E aqui fica a pergunta que não quer se calar: como um formato quadrado de um material maleável é formado ao longo do tubo intestinal e sai de um ânus redondo? E qual é o propósito dessas distintas fezes?

         Em 2018, em um estudo publicado no Bulletin of the American Physical Society (Ref.4), pesquisadores da Universidade da Califórnia, San Diego, resolveram investigar as estruturas e mecânicas do intestino dos vombates permitindo a expulsão de fezes em cubos. Dissecando indivíduos mortos por acidente de estrada na Tasmânia, eles revelaram que na porção final do intestino (8% do comprimento total) as fezes mudavam de um estado semi-líquido para um estado sólido composto de cubos com comprimento de 2 centímetros. Essa variação de forma foi associada com uma variação azimutal nas propriedades elásticas da parede intestinal, com dois canais no final do intestino caracterizados por uma grade capacidade elástica que facilita a saída dos cubos sem deformação.

           Já em um estudo publicado mais recentemente no periódico Soft Matter (Ref.5), pesquisadores do Instituto de Tecnologia da Geórgia, EUA, dissecaram outros dois vombates-comuns e testaram as camadas de músculo e tecido do intestino, encontrando regiões de variadas espessuras e durezas. Eles então criaram um modelo matemático 2D para simular como essas regiões expandiam e contraíam com os ritmos da digestão. Segundo sugerido pela simulação, as seções intestinais contraem ao longo de vários dias, espremendo as fezes à medida que as paredes intestinais absorvem os nutrientes e água ali presentes, com as partes mais duras contraindo mais rápido do que as partes mais macias. As regiões intestinais mais macias espremem as fezes mais devagar e moldam os cantos finais do cubo.


Modelo 3D gerado a partir das simulações 2D, se aproximando do formato cúbico

           Em outros mamíferos, os movimentos peristálticos ondulados dos músculos intestinais são consistentes em todas as direções. Nos vombates, as contrações irregulares ao longo de vários ciclos acabam resultando em cubos firmes e com lados planos, os quais são permitidos saírem na porção final do intestino sem serem deformados devido à substancial maior elasticidade dessa região.


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          Porém, o propósito das fezes cúbicas é ainda incerto. Os pesquisadores do último estudo especularam que as fezes em cubo evoluíram visando otimizar a marcação de território desses animais. Os vombates costumam subir frequentemente em rochas e troncos, e as fezes na forma de cubo não rolam com facilidade, permitindo marcar com maior segurança e estabilidade o território em uma área elevada ou inclinada. 

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CURIOSIDADE: Às vezes, vombates em cativeiro costumam produzir fezes que não são tão cúbicas quanto aquelas de espécimes selvagens. Quanto mais quadradas as fezes, mas saudável é o vombate.

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REFERÊNCIAS CIENTÍFICAS

  1. https://animaldiversity.org/accounts/Vombatus_ursinus/
  2. https://www.qld.gov.au/__data/assets/pdf_file/0020/67430/common-wombat.pdf
  3. https://link.springer.com/article/10.1186/s13071-020-04565-6
  4. https://ielc.libguides.com/sdzg/factsheets/wombats/population
  5. http://meetings.aps.org/Meeting/DFD18/Session/E19.1