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O que são as Estrelas de Nêutrons?


- Atualizado no dia 24 de junho de 2020 -

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           As Estrelas de Nêutrons representam o corpo estelar conhecido mais próximo de um Buraco Negro. Se uma estrela com cerca de 8 massas solares estiver em seus últimos suspiros (basicamente, se não existir mais hidrogênio e outros elementos fundindo em suficiente quantidade) o núcleo colapsa durante o processo de explosão da supernova (1), marcando o início do nascimento de uma estrela de nêutrons.

           A partir desse ponto, as pressões se tornam tão grandes que até os os elétrons e prótons dos elementos constituintes da massa remanescente que ficou na pós-explosão (especialmente elementos mais pesados, como o ferro) são fundidos uns contra os outros, dando origem a nêutrons, bastante energia e neutrinos. Somando-se com os nêutrons já presentes nos núcleos dos átomos que compunham a estrela original, a massa resultante se torna um gigantesco corpo lotado dessas subpartículas. E, por isso, o nome: Estrela de Nêutrons. Como os átomos são destruídos e substituídos por nêutrons, o enorme volume da eletrosfera desaparece, permitindo que uma enorme massa ocupe um relativo pequeno espaço (!). E a energia liberada entre as fusões de prótons e elétrons deixa as temperaturas internas dessas estrelas em patamares incríveis, alcançando algo em torno de 1000000000000°C! Com o tempo, devido à retirada de calor pela expulsão de neutrinos, fótons e outras partículas da estrela, essa temperatura cai cerca de 6 zeros.

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(!)  Os átomos (elementos químicos nas estrelas) são compostos por um denso núcleo constituído de prótons e de nêutrons, e de uma eletrosfera que ocupa quase toda a totalidade do volume atômico. Na eletrosfera, temos elétrons com uma quase desprezível massa. Se o átomo fosse do tamanho de uma Catedral, podemos fazer uma aproximação de que o núcleo (prótons + nêutrons) teria a dimensão de uma pequena mosca, e onde praticamente toda a massa do átomo está concentrada. Para uma explicação mais detalhada, acesse: Somos um grande vazio?
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Fonte da maior parte dos nêutrons dentro de uma Estrela de Nêutrons


            Caso a massa da "estrela-mãe" colapsando fosse maior do que 10 massas solares, as pressões seriam ainda maiores, dando origem aos buracos negros, corpos que comportam as maiores densidades do Universo conhecido. De qualquer forma, as pressões e densidades das estrelas de nêutrons fogem à imaginação. Tente conceber um corpo medindo entre 10 e 11 quilômetros de diâmetro comportando uma massa entre 1,5 e 2,2 massas solares! Para você ter uma ideia, o nosso Sol possui 1,392 milhões de quilômetros, comportando uma massa 332900 vezes maior do que a do nosso planeta! Agora pegue dois desse monstro e compacte em um espaço menor do que uma pequena cidade. Entendeu agora o real significado de 'corpo estelar extremamente denso'?

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            A densidade global das Estrelas de Nêutron é em torno de 590000000000000000 kg/m3! Sim, 59 seguido de 16 zeros! Para você ter uma ideia, a densidade do chumbo, um dos nossos materiais mais densos, é de 11340 kg/m3. A densidade dessas estrelas é comparável com a densidade do núcleo atômico dos átomos! E olha que a densidade só vai aumentando indo para o seu interior, por causa, claro, da maior pressão exercida pela massa mais exterior. O núcleo chega a alcançar densidades acima do núcleo dos átomos! Nessa região, ninguém sabe o que pode estar contido ali (veja na figura abaixo, um esquema de composição dessas estrelas). Se pudéssemos encher uma colher de chá (cerca de 5 mL) com o material de uma estrela de nêutrons, teríamos uma colher que poderia estar carregando mais de 5,5 bilhões de toneladas de massa! Tudo podendo ser guardado no bolso da sua calça!



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OBS.: Cerca de 5-10% da massa final constituindo uma estrela de nêutrons é formada por prótons e elétrons. Um estudo publicado recentemente na Nature (Ref.8) trouxe resultados de cálculos implicando que o extremo excesso de nêutrons pode dramaticamente aumentar os efeitos de correntes de curta distância sobre os prótons (estes passam a se mover mais rápido do que os nêutrons, carregando de forma desproporcional uma grande parte da energia média do sistema), o que pode afetar a taxa de resfriamento e equação de estado nesse tipo de estrela. Em outras palavras, mesmo estando em minoria, os prótons nas estrelas de nêutrons podem ter papel crucial em propriedades dessa última como razão da massa pelo tamanho, dureza e processo de resfriamento.
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           Bem, já deu para perceber a densidade monstruosa delas. Como consequência, as distorções gravitacionais na superfície dessas estrelas (provavelmente feita de ferro sólido, envolto em um verdadeiro mar de elétrons) são também estrondosas, com seu campo gravitacional sendo 2x1011 aquele da Terra. Nesse sentido, corpos próximos da sua superfície podem ser acelerados em velocidades de até 100000-150000 km/s, ou seja, entre 1 terço ou mais da velocidade da luz! Com essa aceleração, qualquer corpo que chega próximo demais é aniquilado! Aqui, as dilatações da massa agem com força a partir dos princípios da Teoria da Relatividade, já discutidas em outros posts (Qual é a relação entre Outro, Mercúrio e a Relatividade?). Além disso, o campo magnético dessas estrelas pode ser centenas de milhões de vezes mais forte do que qualquer um encontrado na Terra.

           Outra curiosidade relativa a uma estrela de nêutrons é que esta conserva o momento angular em relação à rotação da estrela original que a formou. Com isso, já que seu tamanho se torna ultra reduzido, esses corpos, depois da formação, apresentam rotações muito rápidas, ultrapassando as centenas de voltas por segundo! Isso faz com que  se torne uma esfera achatada. Depois de muito, muito tempo, sua velocidade de rotação vai diminuindo aos poucos, devido à rotação própria dos seus campos magnéticos (gigantescos, por sinal). Devido a efeitos não bem entendidos, essa rotação alimenta mecanismos de ejeção de radiação pulsante de raio-X. Assim, os astrônomos conseguem identificá-las. Caso a rotação seja mínima para produzir esses efeitos, ou não tenha efeitos gravitacionais em corpos celestes próximos, as estrelas de nêutrons se tornam invisíveis para nós, pelo menos com a nossa atual tecnologia. A mais rápida conhecida, a PSR J1748-2446ad, possui rotação de 716 voltas por segundo!

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   QUAL O LIMITE DE MASSA DE UMA ESTRELA DE NÊUTRONS?

        Astrofísicos há muito tempo tentam esclarecer o quão massivo uma estrela de nêutrons pode ser sem colapsar sob sua própria gravidade e se transformar em um buraco negro. De todas as características de uma estrela de nêutron, as mais importantes são sua massa e raio máximos, segundo os especialistas na área.

        Recentemente, com a ajuda dos dados gerados pela fusão entre duas estrelas de nêutrons ano passado (2) - envolvendo a detecção de ondas gravitacionais (3) -, quatro distintos grupos de cientistas chegaram a um limite comum máximo de massa que essas estrelas podem suportar: cerca de 2,2 vezes aquela do Sol.


         De acordo com os pesquisadores, a fusão primeiro produziu uma massiva estrela de nêutrons giratória propelida por força centrífuga. As emissões energéticas captadas após o evento representaram a ejeção para o Espaço entre 0,1 e 0,2 massas solares de novos elementos radioativos formados no choque, bem mais do teria escapado de um buraco negro. Isso indica que não houve a formação de um buraco negro logo após a fusão. O material ejetado emitiu um brilho azul no começo, indicando a falta de elementos metálicos pesados chamados de lantanídeos. Nesse sentido, um fluxo de partículas chamados de neutrinos teria freado a formação desses elementos, e uma estrela de nêutrons emite uma enorme quantidade de neutrinos. Ou seja, mais uma forte evidência de que, inicialmente, era uma estrela de nêutrons.

         Pouco tempo depois, uma curta explosão de raios gamas foi detectada, muito provavelmente o sinal do nascimento de um buraco negro, indicando que a massa fundida das duas estrelas de nêutrons colapsou dentro de segundos.

        Para derivar os limites de massa, os cientistas se basearam nas teorias que explicam a física das estrelas de nêutrons. Seguindo cálculos teóricos, argumentou-se que, inicialmente, as camadas exteriores da nova estrela de nêutrons fundida girou mais rápido do que seu centro. Então, a ejeção de parte do seu material freou sua movimentação para a formação de um corpo giratório sólido cuja massa correspondia à massa original no momento da fusão (2,73 massas solares) subtraída da massa ejetada. O fato da estrela de nêutron ter sobrevivido somente por alguns segundos sugere que ela estava perto do seu limite de massa.

        Aliás, a massa final de fusão representou um momento de sorte para os cientistas. Se fosse muito grande, teria colapsado rápido demais para permitir os cálculos. Se fosse muito baixa, teria resultado em uma estrela de nêutron bastante estável, e que demoraria muito tempo para colapsar em um buraco negro.


   ESTRELA DE NÊUTRONS NEGRA

          Porém, mais recentemente, astrônomos podem ter detectado uma exceção à regra que foge do limite de massa estimado. Um sinal altamente anômalo (GW190814), detectado pelos observatórios LIGO e Virgo nos EUA e na Itália, acusou uma nova classe de sistema binário (dois objetos astronômicos orbitando um em torno do outro). O achado foi descrito no periódico Astrophysical Journal Letters (Ref.9).  

          No estudo, os pesquisadores anunciaram que o sinal foi gerado por um objeto compacto (uma estrela de nêutrons ou um buraco negro) 2,6 vezes a massa do Sol se fundindo (coalescendo) com um buraco negro de 23 massas solares.

         A natureza do objeto compacto - apelidado de 'estrela de nêutrons negra' - desafia modelos estelares tradicionais, por ser mais massivo do que qualquer estrela de nêutrons conhecida e bem menos massivo do que qualquer buraco negro já observado. Esse 'intermediário' chama bastante a atenção porque acreditava-se até o momento que nenhuma estrela, seja qual o seu tipo ou massa, não deixavam remanescentes pós-morte com uma massa entre 2,5 e 5 vezes a massa do Sol.

> O padrão do sinal gerado também corroborou, mais uma vez, a validade e predições da Teoria da Relatividade Geral (O que é a Teoria da Relatividade Geral e Especial?).

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   PRÓTONS, NÊUTRONS E NÚCLEO

           A força nuclear forte - uma das quatro forças fundamentais na natureza, junto com a gravidade, o eletromagnetismo e a força fraca - marca a interação entre núcleons (prótons e nêutrons) responsável por manter o núcleo atômico coeso. Essa força tem origem de interações fundamentais entre quarks e glúons (os constituintes dos núcleons) que são descritos pelas equações de cromodinâmicas quânticas. No entanto, como essas equações não podem ser resolvidas diretamente, a força nuclear forte somente era descrita até recentemente por modelos mais simples, cujos limites esbarravam em uma distância mínima entre os núcleons vistas no núcleo atômico. Para interações de mais curtas distâncias que ocorrem, por exemplo, em corpos de altíssima densidade - como o núcleo de estrelas de nêutrons - essas equações permaneciam não-resolvidas.

          Em um estudo publicado em fevereiro (2020) na Nature (Ref.8), pesquisadores conseguiram superar esse obstáculo ao analisar um robusto acumulado de dados experimentais oriundos de experimentos usando espalhamento de elétrons em alta-energia e alto-momento no interior de aceleradores de partículas. Os resultados da análise mostraram uma inesperada transição: enquanto que a relativas grandes distâncias (como no núcleo atômico) a força forte age primariamente para atrair um próton para um nêutron, a distâncias muito curtas a força forte se torna essencialmente indiscriminada, e as interações podem ocorrer não apenas para atrair essas partículas, mas também para repeli-las (incluindo separando pares de nêutrons). 

          O achado também inesperadamente se encaixou em um modelo simples descrevendo a formação de interações de curta distância entre núcleons devido à força forte. Além disso, e contrariando o senso comum acadêmico, a análise possibilitou demonstrar que o núcleo de uma estrela de nêutron pode ser descrito estritamente pelas interações entre prótons e nêutrons, sem a necessidade de recorrer a interações mais complexas entre quarks e glúons. Físicos até o momento assumiam que em ambientes extremamente densos e caóticos, como o núcleo de estrelas de nêutrons, as interações entre nêutrons e prótons deveriam dar espaço para mais complexas interações entre os seus constituintes mais fundamentais - uma verdadeira sopa de quarks e glúons.   

          No entanto, é válido mencionar que pesquisadores Finlandeses, em um estudo publicado mais recentemente no periódico Nature Physics (Ref.10), encontraram evidência de matéria exótica constituída de quarks dentro do núcleo das maiores estrelas de nêutrons conhecidas (~2 massas solares). Isso entra em acordo com a teoria governando a força nuclear forte - Cromodinâmicas Quânticas -, a qual prediz que em sistemas de suficiente alta densidade de energética, matéria nuclear hadrônica passa por uma transição de desconfinamento para uma nova fase de quarks e glúons - algo já confirmado em colisões de íons pesados a velocidades ultra-relativísticas, mas incerto de existir nas estrelas de nêutrons.

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   CONCLUSÃO

            É estimado que existam mais de 100 milhões de Estrelas de Nêutrons espalhadas pelo Universo. Como a física desses corpos não pode ser reproduzida em pequena escala aqui na Terra, a maior parte da natureza dessas estrelas é ainda um mistério para nós, mas ferramentas astronômicas de observação cada vez mais avançadas - especialmente os detectores de ondas gravitacionais - e teorias cada vez mais sofisticadas estão próximas de mudar essa história.

          
> Leitura recomendada: Cientistas encontram evidência de uma estrela de nêutrons desaparecida


(1) O que são os Buracos Negros?

(2) Astrônomos detectam a fusão entre duas estrelas de nêutrons a partir de ondas gravitacionais e eletromagnéticas resultantes do violento processo!

(3) O que são as Ondas Gravitacionais?


REFERÊNCIAS CIENTÍFICAS
  1. http://www.chandra.harvard.edu/blog/node/432
  2. http://www.nasa.gov/mission_pages/GLAST/science/neutron_stars.html
  3. http://www.if.ufrgs.br/hadrons/glendenning.pdf
  4. https://www.astro.umd.edu/~miller/nstar.html
  5. https://heasarc.gsfc.nasa.gov/docs/xte/learning_center/ASM/ns.html 
  6. http://www.ns-grb.com/PPT/Lattimer.pdf
  7. http://www.sciencemag.org/news/2018/02/gravitational-waves-help-reveal-weight-limit-neutron-stars-densest-objects-cosmos
  8. https://www.nature.com/articles/s41586-018-0400-z
  9. https://iopscience.iop.org/article/10.3847/2041-8213/ab960f
  10. https://www.nature.com/articles/s41567-020-0914-9